UMA ENGENHEIRA NA CONSTRUÇÃO DA AGENDA ESG DA MUSA

UMA ENGENHEIRA NA CONSTRUÇÃO DA AGENDA ESG DA MUSA

Com uma trajetória que inclui 12 anos de Vale – cinco deles no Projeto Omã, de minério de ferro, na Malásia -, quase três anos de Gerdau e outros quase dois em uma indústria cimenteira, ela está desde 2020 na Mineração Usiminas (MUSA), onde assumiu o desafio de reestruturar a área de sustentabilidade e construir a agenda ESG (governança ambiental, social e corporativa) da empresa, entre outros objetivos.

Formada em engenharia civil pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e com MBA em Gestão Estratégica Socioambiental em Infraestrutura pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Marina Magalhães está envolvida, neste momento, na elaboração da matriz de materialidade da mineradora. O processo, em curso também nas outras unidades de negócio do grupo Usiminas, começa na identificação das particularidades da atividade de mineração, no caso da MUSA, aprofundando o entendimento da sustentabilidade da operação, partindo para a definição de indicadores prioritários e de metas e formatando uma agenda ESG fidedigna onde todos os seus agentes – internos e externos – se vejam e se reconheçam.

Duas dessas metas específicas para a mineração já foram definidas em 2021 e estavam relacionadas a um tema que era, e ainda é, bastante sensível ao setor, explica Marina: barragens de rejeito. Uma foi a migração da disposição tradicional de rejeitos para o método Dry Stacking, de filtragem dos rejeitos e disposição em pilhas. Outra foi a descaracterização da barragem Central. Ambas foram cumpridas entre o final de 2021 e o início de 2022.

Marina Magalhães-MUSA
Marina Magalhães, gerente geral de Sustentabilidade da MUSA

Nesta entrevista exclusiva à In the Mine, a gerente geral de Sustentabilidade da MUSA traz um histórico da mineradora e da evolução de sua agenda ESG. Detalha a configuração da nova planta de filtragem e o processo de descaraterização das barragens Central e Somisa, construídas a montante, além da desativação da barragem Samambaia, a jusante. Fala dos projetos sociais e ambientais e do relacionamento com as 18 comunidades existentes no entorno das minas, baseado na transparência, diálogo contínuo e geração de valor. Aos jovens engenheiros civis lembra que a carreira é construída de ciclos que devem ser vivenciados com persistência em seus devidos tempos, consolidando uma base consistente para o crescimento.

ITM: Você pode fazer um breve histórico da Mineração Usiminas? 

Marina: A Mineração Usiminas (MUSA) é uma empresa controlada pelo grupo Usiminas, formada em 2010 por uma joint-venture da Usiminas com o grupo japonês Sumitomo. Quando a MUSA começou a operar, seu objetivo era o fornecimento de minério para a própria Usiminas. Calcada em investimentos, tecnologia, capacitação de pessoas e no cuidado com seu entorno, essa produção foi sendo ampliada. Passou de 4 Mt para 9 Mt e elevou a empresa à posição de quarta maior produtora de minério de ferro do país e à condição de exportadora. Esse resultado só foi possível devido à inserção dos aspectos ambientais e sociais da operação na estratégia de crescimento e no propósito da empresa. Sob essa ótica, estamos falando de projetos culturais, esportivos e de educação que foram e continuam sendo realizados com recursos incentivados através do Instituto Usiminas. Estamos falando também no aproveitamento de cerca de 87% da mão de obra residente na região e do lançamento de 10 projetos de cunho ambiental e social de autoria da mineradora, como o Mina d’Água e o Mina de Mel. No primeiro trimestre de 2022 estão programados investimentos de mais de R$ 42 milhões, 46% em projetos ambientais e de maior segurança das operações.

ITM: Quando a empresa adotou os princípios de ESG (governança ambiental, social e corporativa)?

 Marina: A área de Sustentabilidade Corporativa foi criada pelo grupo Usiminas em 2020, mesmo ano em que vim para a MUSA. Houve, então, uma intensificação das ações de sustentabilidade e do planejamento da agenda ESG. Foi quando definimos, em conjunto com o corporativo, a necessidade de cada unidade de negócios elaborar sua própria matriz de materialidade, aprofundando o entendimento da sustentabilidade de cada operação. Definindo metas próprias que, ao final do processo, comporiam as metas do grupo como um todo, construindo e incorporando uma agenda de sustentabilidade fidedigna a cada operação, para que as pessoas se vejam e se identifiquem com essa agenda.

ITM: Como está esse processo hoje?

Marina: Estamos elaborando a primeira matriz de materialidade da MUSA, identificando as particularidades da atividade de mineração para contribuir com a agenda ESG de todo o grupo. No curto prazo, o avanço está mais direcionado à definição de indicadores prioritários e de metas em ações que já fazem parte da operação da empresa há mais de uma década, alinhados à estratégia de sustentabilidade da Usiminas.

“O crescimento da Mineração Usiminas foi calcado em investimentos, tecnologia, capacitação de pessoas e no cuidado com seu entorno”

ITM: E quanto ao médio e longo prazo?

Marina: Devemos prosseguir com a identificação de outros indicadores e metas, aprimorando nossa agenda ESG, sempre com foco nas necessidades do negócio e no cuidado com nossos colaboradores, com as comunidades de nosso entorno e com nossos clientes. O mais motivador nesse processo, desde que começamos a elaborar uma matriz de materialidade própria, é o envolvimento e apoio de nossos acionistas. Está sendo uma jornada muito interessante e intensa.

ITM: Como essa matriz de materialidade está sendo construída?

Marina: Contamos com uma empresa terceirizada que emprega uma metodologia já consagrada para esse processo. Também trabalhamos muito no alinhamento interno de várias questões. Um dos momentos mais cruciais na construção dessa matriz foi obter um resultado que refletisse de fato os interesses de nossos diversos stakeholders. O processo de escuta envolveu mais de 200 pessoas e a participação de vários acionistas e das diretorias da MUSA e do grupo Usiminas. Foram diversas conversas com a comunidade, com associações setoriais como o IBRAM (Instituto Brasileiro de Mineração), sindicatos de trabalhadores, órgãos governamentais e prefeituras locais.

ITM: Em 2021, quais foram as metas definidas na agenda ESG da MUSA?

Marina: Em 2021, no conjunto de metas do grupo Usiminas, tínhamos duas metas específicas da mineração relacionadas ao indicador de segurança de barragens. Uma delas referia-se à migração da disposição de rejeitos do método tradicional para a filtragem no segundo trimestre de 2021. A segunda era a descaracterização da barragem Central, no primeiro trimestre de 2022. Ambas foram cumpridas. A implantação da planta de filtragem teve um certo atraso em relação ao cronograma original, principalmente em função da pandemia de Covid-19, sendo inaugurada em dezembro de 2021. Ela foi iniciada em junho de 2020 e mobilizou 600 funcionários no pico das obras, além de demandar a importação de diversos equipamentos. A escolha dessas metas se baseou na busca pela maior segurança das nossas operações e da comunidade em nosso entorno. O tema barragem era, e ainda é, bastante sensível para a mineração e achamos relevante trazê-lo para a agenda ESG da Usiminas.

ITM: Qual foi o investimento realizado no novo sistema de disposição de rejeitos e qual sua configuração?

Marina: O projeto começou a ser desenvolvido em 2018 e a ser implantado a partir de 2020, quando obteve sua licença ambiental. O investimento foi de cerca de 235 milhões, incluindo a planta de filtragem, o dique de contenção e a infraestrutura da pilha de rejeitos filtrados. O sistema de filtragem é composto por tanques pulmão, para acondicionamento da polpa dos rejeitos, por um espessador, quatro filtros-prensa e um transportador de correia, que leva o rejeito filtrado até um pátio intermediário. Do pátio intermediário, o rejeito filtrado segue em caminhões rodoviários até uma pilha final, a 1,9 km de distância. Toda a água filtrada dos rejeitos é integralmente recirculada para uso na etapa de flotação. A pilha final de rejeitos filtrados tem altura final de 77 m e é completamente revegetada, retomando as condições originais da área.

“Percebemos a necessidade de cada unidade de negócios elaborar sua própria matriz de materialidade, aprofundando o entendimento da sustentabilidade de cada operação”

ITM: Como é realizada essa revegetação?

Marina: A revegetação é progressiva, sendo realizada a cada 5 metros de altura da pilha. Nesse processo empregamos uma tecnologia bastante avançada, com a instalação de uma biomanta, seguida do plantio de espécies nativas da flora da região. As mudas são produzidas no viveiro da MUSA, que foi reinaugurado em 2021 após passar por uma reestruturação completa para atender às necessidades de nossas áreas de preservação permanente e de revegetação. As mudas são produzidas a partir da coleta de espécies em áreas de supressão de vegetação e de sementes da região. Nossa expectativa é chegar a uma produção anual de cerca de 5 mil mudas.

ITM: O novo sistema de disposição atende integralmente ao volume de rejeitos gerados nas minas da empresa?

Marina: A capacidade instalada do novo sistema é de cerca de 4,5 Mtpa, o que atende a todo o volume de rejeito gerado na ITM Flotação, que processa o rejeito grosso da ITM Oeste e da ITM Samambaia. Já a lama gerada nas plantas Oeste e Samambaia, que não segue para a flotação, é disposta em cavas da mineração e, após um processo de secagem, levada para pilhas de rejeito drenado. Em 2022 estamos implantando um sistema de centrifugação para melhorar o desaguamento desses rejeitos nas cavas. Na planta ITM Leste, o minério é processado a seco, sem geração de rejeitos.

ITM: Como se encontra a descaracterização das barragens de rejeito?

Marina: Desde dezembro de 2021, a MUSA não utiliza mais barragens para a disposição de rejeitos. Tínhamos duas barragens a montante, a Somisa e a Central, além de uma a jusante, que é Samambaia. Em 2020 foi concluída a descaracterização da barragem Somisa, validada pelos órgãos de fiscalização em janeiro de 2021. Em fevereiro de 2022 concluímos a descaracterização da barragem Central, validada em março e maio deste ano. Já a barragem Samambaia foi desativada em dezembro de 2021, como resultado da operação do sistema Dry Stacking, de filtragem de rejeitos.

“O tema barragem era, e ainda é, bastante sensível para a mineração e achamos relevante trazê-lo para a agenda ESG da Usiminas”

ITM: Quando esse processo de descaracterização foi iniciado?

Marina: Em 2014, quando entrou em operação a ITM Flotação, um projeto idealizado para transformar rejeito em produto, com a lavra da antiga barragem Central, finalizada no início de 2022. Em 2019 foi construída uma berma de reforço a jusante dessa barragem, que fez parte do processo de descaracterização, efetivamente realizado entre 2021 e 2022, com as obras de drenagem e construção dos sumps (sistemas de contenção de sedimentos), entre outras, seguidas da revegetação da área. Assim que esse plantio estiver amadurecido, faremos a harmonização da vegetação com as áreas do entorno, de preservação permanente da empresa, formando um grande corredor ecológico.

ITM: E no caso das barragens Somisa e Samambaia?

Marina: A descaracterização da Somisa foi projetada para sua transformação em pilha e posterior incorporação a uma pilha de estéril já existente. Nela também foram realizadas diversas obras de drenagem para evitar o aporte de água. No final de 2021 teve início a lavra da pilha Somisa, também beneficiada na ITM Flotação, com envio dos rejeitos para o Dry Stacking. No caso de Samambaia, já desativada, embora não haja obrigação legal para sua descaracterização estamos trabalhando em um projeto com esse objetivo. Mas ainda é prematuro fazer previsões para sua implantação.

ITM: Quais são os maiores desafios da descaracterização de uma barragem? 

Marina: A máxima de que descaracterizar é mais complexo que implantar uma barragem é verdade. São estruturas construídas há muitos anos, o que eleva os riscos de execução de obras de movimentação de terra, em especial num país tropical com elevada incidência de chuvas no verão. Já aprendemos muito com as barragens Central e Somisa e, no caso de Samambaia, por não termos pressão legal e data limite para a descaracterização, podemos realizar um planejamento que considere o período chuvoso e os fatores mais críticos do processo. Não tenho dúvidas que será mais uma obra de sucesso. Na Somisa tínhamos cerca de 12,5 milhões de m3 de rejeitos armazenados, enquanto a barragem Central possuía cerca de 7,2 milhões m3. Empresas terceirizadas elaboraram os projetos, que foram revisados por outras empresas. A implantação também foi por empresas terceirizadas com expertises diversas – movimentação de terra, obras civis, revegetação, etc.

“Desde dezembro de 2021, a MUSA não utiliza mais barragens para a disposição de rejeitos”

ITM: Na área social, como se dá o relacionamento da MUSA com as comunidades locais? 

Marina: Esse é um dos nossos pilares estratégicos, dentro do contexto de operação sustentável do nosso negócio. A condução desse tema é baseada na transparência, num dialogo personalizado e contínuo e na geração de valor para as comunidades. Estamos falando de cerca de 18 comunidades em nossa área de influência direta e indireta, cada uma com suas particularidades. Voltamos aqui ao conceito da matriz de materialidade da MUSA, que também se aplica às comunidades. Temos pessoas de nossa equipe de Sustentabilidade dedicadas à escuta ativa dessas comunidades, além de um atendente sempre disponível e de ferramentas digitais e impressas para facilitar esse processo, como um canal no WhatsApp e um jornal impresso.

ITM: Quais são os projetos em cursos?

Marina: Investimos cerca de R$ 7 milhões em projetos esportivos, culturais e sociais nas cidades em nosso entorno, como Itatiaiuçu, Igarapé, Mateus Leme e Itaúna, através do Instituto Usiminas. Neste ano pudemos voltar aos projetos de forma presencial, caso do Educa na Luta, de esporte para crianças, do futebol de rua, da Orquestra Jovem e da caravana das artes. Entre os projetos socioambientais, o destaque, como já disse, são os projetos Mina d’Água e Mina de Mel. O Mina de Água é voltado à recuperação de nascentes, antes restrito às áreas ambientais da MUSA e, desde 2022, ampliado para comunidades na forma de educação ambiental. Esse projeto está sendo realizado na comunidade Ponta da Serra, em Itatiaiuçu, e no Parque Municipal da Barroca, em Igarapé. Já o Mina de Mel estimula a apicultura em áreas ambientais da mineração, cedidas na forma de comodato a apicultores e tendo como contrapartida a doação do mel produzido por eles a comunidades e entidades da região.

“Baseamos nosso relacionamento com as comunidades na transparência, num dialogo personalizado e contínuo e na geração de valor”

ITM: Na mineração, em particular, quais devem ser as principais tecnologias a serem incorporadas às operações nos próximos anos? 

Marina: Em termos de inovação na mineração, além do processo de manuseio e recuperação dos rejeitos das antigas barragens, investimos em uma sala de controle que monitora nossa operação durante 24 horas por dia, nos sete dias da semana. Acredito que o foco, nos próximos anos, será a maximização da recuperação dos resíduos industriais, o que resultará no uso mais racional dos recursos minerais e do consumo de água e energia. Nesse contexto, ganha força o desenvolvimento do projeto MUSA 4.0, que visa a agregação de tecnologias avançadas que estão mudando a forma de produção e os modelos de negócio, gerando valor para a empresa e para a comunidade. Falando ainda de tecnologia e futuro, temos o projeto Compactos, em desenvolvimento, que substituirá a lavra do minério friável, após sua exaustão, pela de minério compacto, o que implicará em mudanças na nossa planta de beneficiamento. É um projeto que ainda não foi aprovado, mas que certamente representa o futuro da MUSA aqui na região.

Perfil:

Nasceu em: Itabira (MG), em 04/03/1979

Mora em: Belo Horizonte (MG)

Formação Acadêmica: Engenheira civil pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com MBA em Gestão Estratégica Socioambiental em Infraestrutura pela Fundação Getúlio Vargas (FGV)

Trajetória Profissional: Estou há 20 anos no setor mineração. Inicialmente na Vale, onde fiquei por 12 anos, cinco deles na Malásia, como gerente de Meio Ambiente do Projeto Omã, de minério de ferro. Em 2016 fui para a Gerdau, também na área ambiental. Passei por uma empresa da indústria cimenteira e, em 2020, assumi a Gerência Geral de Sustentabilidade na Mineração Usiminas, com o desafio de reestruturar essa área e construir a agenda ESG, entre outros objetivos

Família: Casada com Antonio, mãe do Pedro (10) e da Teresa (8)

Hobby: Atividade física, viagens e meditação

Time de futebol: Cruzeiro, a única em casa, uma herança das famílias dos meus pais

Um ídolo ou mestre: Minha mãe Dirce e meu pai Agostinho, meus pilares na vida

Maior decepção: Vou substituir pela maior apreensão. Em 2009 tive um problema súbito de saúde que quase me impediu de ir para a Malásia. Felizmente, me recuperei e pude participar desse projeto

Maior realização: Conseguir, desde que meus filhos nasceram, equilibrar os desafios que tenho na vida pessoal e profissional, sendo uma mãe e esposa presentes

Um projeto: Buscar a perenidade da empresa conciliando os aspectos econômicos, ambientais e sociais. O projeto de vida, sem dúvida, é estar próxima dos meus filhos, participando de cada fase de suas vidas e sendo sempre seu porto seguro

Um “conselho” a jovens engenheiros civis: Independente da área de atuação, é importante pensar na carreira como ciclos, vivenciando cada um deles com persistência e demonstrando entregas, para formar uma base consistente e buscar seu crescimento a partir daí. Para os que forem para a área de Sustentabilidade, conhecer o negócio e estar em contato com as diversas áreas da empresa, para que a agenda ESG esteja bem amparada pelas necessidades de todos os agentes internos e externos envolvidos. Por fim, para os que optarem pela mineração, diria que as oportunidades de sustentabilidade nesse setor são inúmeras e não param de crescer. É muito gratificante vivenciar a experiência de ver uma área que foi necessária à operação da mina voltando a suas configurações originais.

Fotos: MUSA/Divulgação

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