Por Tébis Oliveira,
Nascido em Candelária (RS), mas radicado na Bahia há 37 anos, Kurt Menchen se define como “baiúcho”, continua torcedor do Grêmio de Porto Alegre (“não se muda de time, assim como não se muda a cidade onde se nasceu”), é fã de um clássico de Bob Dylan (“Knockin’ On Heaven’s Door”) e leitor do “nada zen”, como ele mesmo admite, poeta e escritor norte-americano Edgar Allan Poe.
Engenheiro de minas, formado na turma de 1975 pela UFRS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Kurt, como é usualmente chamado, é um homem de campo ou “hands on”, atitude que, aliás, recomenda aos jovens formandos de sua carreira. Não que seja avesso às tecnologias que permitiram o acesso a um volume “brutal” de dados e o controle remoto de muitas das operações que se desenvolvem em uma mineração. Mas porque “o contato direto com as pessoas, as máquinas e as condições reais de uma frente de trabalho” são não só necessárias como insubstituíveis.
Por sua grande e rica experiência, Kurt tem absoluta moral para afirmar essa e outras tantas convicções. Recém formado, ingressou na Mineração Morro Velho (MG), seguindo para a Jacobina Mineração (BA), ambas produtoras de ouro do grupo Anglo American, na época. Foi na Jacobina que permaneceu mais tempo, passando pelas sucessivas controladoras da empresa, a William Resources (1996), a Desert Sun Mining (2003) e a Yamana (2006).
O orgulho com que se refere à Jacobina – “minha maior decepção foi fechar a mina em 1998; a maior realização foi reabri-la em 2004”, é o mesmo com que se refere agora a Vanádio de Maracás S/A (VMSA), projeto que implanta, no interior baiano, desde 2006 (veja matéria nesta edição). Nesta entrevista exclusiva a In The Mine, o diretor executivo da empresa fala de engenharia de minas, dos desafios e gargalos da mineração brasileira, da evolução de tecnologias e processos, legislação mineral e ambiental e, claro, da nova operação. Que garante: “Será a maior e melhor mineradora de vanádio do mundo”. Não é mesmo o caso de duvidar.
ITM: Como é o projeto da Vanádio de Maracás?
Kurt: Trata-se de uma mina a céu aberto, um projeto simples, sem maior complexidade. Temos um minério de ferro rico em titânio e vanádio, o que torna o projeto bastante similar ao de uma mineradora de ferro de pequeno porte. A região é relativamente plana e a extração será feita em cava. O maior diferencial é que essa é a primeira mina de vanádio primário nas Américas. Nos Estados Unidos há produtoras de vanádio, mas somente a partir da reciclagem de materiais.
ITM: Quais as particularidades da operação?
Kurt: Além dos cuidados geomecânicos e de segurança naturais, há os cuidados com drenagem para evitar a inundação da cava, mesmo não havendo aqui um índice elevado de chuvas. Também os equipamentos de transporte e apoio são comuns: caminhões rodoviários, escavadeiras hidráulicas entre 35 e 50 t, motoniveladora e tratores. Da frente de lavra até a britagem, o percurso é de cerca de mil metros por uma estrada já construída e relativamente plana, bem larga e com proteção nas laterais e outras medidas de segurança.
ITM: Como será realizado o beneficiamento do minério?
Kurt: O processo é antigo e de domínio público. Após a extração, o minério de ferro magnético (magnetita) segue para as instalações de britagem (primária, secundária e terciária), onde sua granulometria é reduzida a menos de 11 mm e, daí, para um moinho de bolas de 4,5 m x 8 m. O material passa por duas etapas de separação magnética. O rejeito não magnético é acomodado mecanicamente, formando pilhas tronco-piramidais, processo conhecido como empilhamento a seco (dry stacking). Em comparação às barragens de rejeito clássicas, esse método de0 disposição reduz o impacto ambiental, permite maior recuperação de água para reciclagem e é mais seguro.
ITM: E o concentrado magnético?
Kurt: O concentrado magnético, por sua vez, acrescido de sulfato de alumínio e soda cáustica, é encaminhado ao calcinador rotativo (115 m de comprimento x 4,5 m de diâmetro), semelhante ao utilizado pela indústria cimenteira e de níquel. Na calcinação, realizada a temperaturas de 1300°C, abre-se a molécula do ferro para liberar a molécula de vanádio, gerando o AMV (metavanadato de amônia), que é solúvel em água. Esse produto passa por uma lixiviação aquosa seguida de dessilificação, deaminiação , secagem e fusão, com produção final de “flakes “ de V2O5 (pentóxido de vanádio).
ITM: Embora conhecido, esse processo apresenta evoluções?
Kurt: As principais evoluções na rota de processamento do minério se deram primeiro, pela mecanização das operações, seguida de sua automação e, por fim, dos controles mais precisos do processo. Nesse sentido, a planta da VMSA não tem novidades em relação a outras da África do Sul, por exemplo. O maior diferencial é o nosso minério, com teor até três vezes maior que o de outras minas no mundo. Também contribui a alta concentrabilidade que o minério tem, produzindo concentrados de alto teor- duas a três vezes maior, quando comparado a outras operações no mundo. Essa qualidade impacta positivamente o alto custo de calcinação, tornando nossa operação a de menor custo nesse aspecto.
ITM: O senhor tem grande experiência em mineração de ouro. Quais são os principais desafios dessa operação?
Kurt: O maior desafio ainda é a disposição dos rejeitos. Diante de exigências ambientais cada vez mais severas, como não poderia deixar de ser, como dispor os grandes volumes de rejeitos gerados na mineração de ouro com cianeto residual em sua massa? Inclusive porque, com teores cada vez menores de ouro contido é preciso ampliar o volume de lavra, aumentando o volume de rejeitos. Ao longo dos últimos 30 anos, observamos progressos na recuperação do minério de ouro, como o uso do carvão em polpa (CIP), da concentração gravimétrica e da eletrodeposição. No entanto, o problema do tratamento dos rejeitos, devido ao emprego de cianeto, sempre persistiu e sua neutralização, apesar de bem dominada, possui um custo elevado. Outros desafios, comuns à mineração em geral, são a localização remota dos projetos e a falta de infraestrutura local e logística.
ITM: Qual a sua avaliação dos novos engenheiros de minas?
Kurt: Não vemos mais engenheiros operando minas. Não há mais o envolvimento direto do engenheiro de minas com as máquinas, as pessoas, os aspectos operacionais. Hoje a TI (Tecnologia da Informação), o acesso à informação em volumes brutais, a possibilidade de controlar remotamente uma operação, tem tirado engenheiros de minas e geólogos do campo. O que provoca várias deficiências na frente de trabalho, já que a função desses profissionais acaba sendo delegada. Claro que há pontos positivos no desenvolvimento da TI, que acelerou o poder e a qualidade de decisão, na tecnologia embarcada nos equipamentos, que aumentou sua produtividade. Mas nada substitui o trabalho de campo.
ITM: E quanto aos cursos de engenharia de minas?
Kurt: Acredito que eles não evoluíram quanto ao domínio da economia da atividade. Faltam ainda cadeiras de Economia Mineral com claro foco no mercado consumidor das commodities minerais e nos investidores. O engenheiro pode ver um projeto de mineração sob vários aspectos, mas não tem, ainda, uma atitude proativa em relação às questões econômicas, que falam diretamente aos investidores.
ITM: Outro problema é a falta de mão de obra…
Kurt: É um problema geral da indústria brasileira e a velocidade que a mineração brasileira adquiriu nos últimos anos, aliada à condição remota de suas operações, dificultou bastante a disponibilidade de pessoal. Em particular, de técnicos de nível médio preparados para lidar com a alta tecnologia dos equipamentos e plantas de processamento.
ITM: Como senhor vê a interação entre academia, fundações e institutos de pesquisa e mineradoras?
Kurt: O desenvolvimento tecnológico tem que passar pela academia, que tem a função de produzir ciência, mas não ciência aplicada. Já o pequeno e médio minerador é extremamente conservador. Até por seu caráter pioneiro, em muitos casos, ele tende a achar que pode resolver sozinho qualquer problema. Ao contrário das grandes empresas, que já tem parcerias com academias, instituições de pesquisa e fundações, quando não possuem seus próprios centros de pesquisa e desenvolvimento.
ITM: E o que falta para essa aproximação?
Kurt: Acredito que falta fazer essa ponte, função que caberia muito bem às associações e sindicatos. Não que essas entidades devam abrir mão de discutir a legislação mineral e ambiental ou a tributação sobre o setor. Mas que incluam, entre suas atividades, a intermediação das pequenas e médias mineradoras com universidades, institutos e fundações, possibilitando a disseminação da ciência e da tecnologia.
ITM: Qual sua opinião sobre o novo marco regulatório do setor?
Kurt: Penso que ele deveria refletir a média das práticas adotadas nos países da moderna mineração, com o cuidado de não criar medidas arbitrárias. A mineração é uma atividade primária. Como tal, não decide o preço de seus produtos como uma fábrica de geladeiras. Não adianta impor tributos e taxas que não podem ser transferidos para o valor do produto. Esse é o problema que me assusta mais. É forçoso que haja compensações financeiras para não inviabilizar a atividade, considerando a volatilidade dos preços das commodities minerais. Outros problemas são a falta de celeridade, transparência e discussão pública do assunto.
ITM: A questão ambiental é um obstáculo à mineração?
Kurt: Considero essa uma questão inescapável e inelutável. O minerador não pode ser incompetente nesse aspecto. No entanto, tenho duas críticas. A primeira é que o licenciamento ambiental de um projeto de mineração deveria ser feito por câmaras especializadas, de preferência, vinculadas ao DNPM, que é o órgão regulador e fiscalizador do setor. Uma atividade com impactos ambientais tão severos não pode ser licenciada como se fosse um posto de gasolina.
ITM: E a segunda crítica?
Kurt: É a falta de agilidade do processo. A mineração tem janelas de investimento de pouca duração, que precisam ser aproveitadas de forma diligente e rápida. Há ciclos de investimento e ciclos de retração. É preciso que os órgãos responsáveis pelo licenciamento ambiental estejam conscientes dessa limitação.
ITM: Quais são as premissas de um bom projeto de mineração?
Kurt: A primeira é realizar um bom projeto de exploração geológica, que é a fase de fundamentar ou não a viabilidade econômica do empreendimento e que responde por 60% de seu sucesso ou insucesso. Não apenas dimensionar os recursos minerais como certificá-los, a exemplo do que ocorre na Austrália, com a JORC (Joint Ore Reserves Committee), e no Canadá com o NI43-101, mecanismos ainda inexistentes no Brasil e fundamentais para atrair e dar segurança aos investidores. Em segundo lugar, a engenharia, principalmente quanto ao desenvolvimento do projeto conceitual e básico, que vão determinar o curso do investimento.
ITM: E por fim?
Kurt: Por fim, a implantação rápida, respeitando, é claro, a velocidade de cada projeto – diferente para um projeto de US$ 5 bilhões e para um de US$ 500 milhões. Complicadores como o licenciamento ou os direitos superficiários devem ser antecipados na fase de pesquisa e desenvolvimento, através de um plano de trabalho de qualidade. Nesse ponto, há também uma dificuldade em convencer o investidor da necessidade de custear um planejamento de qualidade. Mas essa resistência tem de ser vencida.
ITM: O que pode acarretar insucessos na operação? É possível revertê-los?
Kurt: Eles podem decorrer do dimensionamento inadequado dos recursos, de equívocos do projeto conceitual, emprego de equipamentos de baixa qualidade, entre outros. A possibilidade de correção desses problemas depende do erro primordial. Ele pode ser revertido, por exemplo, se o processo de beneficiamento é inadequado. Mas, dificilmente, se a base dos recursos minerais existentes for menor que a projetada. Posso acrescentar um britador na planta, mas não posso resolver o problema do recurso mineral mal testado ou dimensionado inadequadamente. Por isso, a mineração é um investimento de risco.
ITM: Qual operação o senhor classificaria como exemplar no Brasil?
Kurt: A da CBMM (Cia.Brasileira de Mineração e Metalurgia), de Araxá (MG). Porque opera de maneira irrepreensível e porque desenvolveu processos tecnológicos e mercadológicos que a tornaram a maior fornecedora de nióbio do mundo. E, em breve, com certeza, o projeto da Vanádio Maracás.
ITM: Como o senhor avalia o estágio atual da mineração brasileira?
Kurt: Estamos num processo de crescimento acelerado. Embora o potencial do Brasil, nesse setor, esteja mascarado pela mineração de ferro, possuímos expertise e bases minerais para tornar o País um grande player da mineração internacional. Para isso, devemos resolver nossos gargalos de infraestrutura, logística e financiamento.
(Fevereiro/março 2013)