Geólogo formado pela UnB (Universidade de Brasília), com carreira iniciada na Vale em 1992, passando à Noranda-Falconbridge e à BHP Billiton, Fernando Henrique Bucco Tallarico está, desde 2007, no grupo Forbes & Manhattan, banco comercial privado com sede em Toronto, no Canadá, que tem a maior parte de seu portfólio de investimentos focado no segmento de mineração.
No grupo canadense, Tallarico já estruturou os projetos de três Junior Companies – Castillion Resources, Falcon Metals e, atualmente, é o diretor técnico da Aguia Resources. Sua participação vai da concepção inicial do projeto à comprovação de sua viabilidade econômica, quando acaba “tomando outros rumos”, como diz. Perguntado se o know how adquirido em grandes mineradoras fez dele um especialista na alavancagem de projetos ainda em fase de alto risco é categórico em sua negativa, atribuindo a passagem de uma a outra empresa a nada além de “coincidência”.
Falando sobre os projetos de fosfato Três Estradas, Joca Tavares e Cerro Preto, no Rio Grande do Sul (Sul), os “mais promissores” da Aguia Resources no Brasil hoje, o geólogo destaca o primeiro, que teve seus recursos minerais atualizados no final de abril. “Passamos de 30 Mt para 70 Mt, com teores regulares de cerca de 10% para o minério oxidado e de 4% para o primário”. Mesmo “com muito trabalho pela frente”, esses resultados, somados ao potencial dos outros dois projetos abrem “perspectivas excelentes para consolidar a mineradora como uma empresa de fertilizantes do sul do País”, garante.
Nesta entrevista exclusiva à revista In The Mine, Tallarico fala de pesquisa mineral, compara o atual Código Nacional de Mineração ao futuro marco regulatório do setor e conta as diferenças entre atuar em empresas Major e Junior. Refere-se a seu pai como grande “inspiração” na vida pelos valores éticos, trabalho incansável e rigor técnico. E concorda que a mineração brasileira passa por um momento delicado afetada por um problema global – o baixo preço das commodities – e por gargalos internos, como a incerteza regulatória e a falta de infraestrutura. Mas contemporiza: “Nossa experiência tem nos mostrado que os bons projetos vão sempre, no momento certo, ser implantados”.
ITM: Qual é sua avaliação do estágio atual da pesquisa mineral no Brasil?
Tallarico: O nível de investimentos na última década tem sido satisfatório e presenciamos diversos projetos avançando nesse período. Mais recentemente, temos vivenciado os reflexos da escassez de investimento no setor, também observado em outras jurisdições.
ITM: Quais são os maiores gargalos e desafios dessa área?
Tallarico: Além do acesso a investimentos de risco, medidas internas como a desoneração fiscal e, sobretudo, maiores investimentos em infraestrutura poderiam contribuir significativamente para que o setor avançasse apropriadamente e se tornasse mais competitivo. Outro aspecto é a indefinição regulatória, que está na pauta já faz alguns anos e ainda não foi resolvida.
ITM: Falando em indefinição regulatória, qual sua opinião sobre o projeto do novo MRM (Marco Regulatório da Mineração)?
Tallarico: O foco deve ser o desenvolvimento. Como a mineração é uma atividade de risco, não há como desenvolvê-la sem investimento, obviamente. Para continuarmos a atrair esse investimento de forma satisfatória necessitamos de um código ágil e desburocratizado, que é exatamente o que já temos.
ITM: Para o senhor, o atual Código Nacional de Mineração poderia ser mantido?
Tallarico: O código atual é um instrumento maduro, que passou por ajustes ao longo do tempo e tem servido muito bem ao setor. Ele tem permitido o ingresso de investimentos e regulado satisfatoriamente, por décadas, desde os empreendimentos de pequeno porte como os de agregados para construção civil, até os de grande porte como as minas de ferro, por exemplo. Assim, eu não mudaria o Código atual em nada, a não ser por alguns ajustes menores que são insignificantes.
ITM: E quanto ao projeto do novo MRM?
Tallarico: É desastroso e vai em direção contrária ao demandado pela indústria. Acentua a burocracia com a criação de uma nova agência reguladora e de um conselho nacional e com contratos de concessão. Introduz ainda mais incerteza ao acentuar o caráter discricionário do Estado. Para as empresas Juniors, a extinção do sistema de prioridade, inicialmente proposta, seria uma catástrofe, já que elimina os aspectos mais competitivos dessas empresas que são a criatividade e a agilidade.
ITM: Porque a Agência Nacional de Mineração e o Conselho Nacional de Política Mineral aumentariam a burocracia?
Tallarico: No sentido de se configurarem em novas instâncias administrativas. Já há um excesso dessas instâncias hoje, gerando morosidade em um setor onde o tempo é crucial. A espera de seis ou sete meses para obter uma licença, na prática, acaba penalizando as empresas. Precisamos ser ágeis. Claro que, se a agência e o conselho permitirem essa agilidade e a desburocratização dos processos, serão muito benvindos.
ITM: Com base em sua trajetória profissional, quais são as principais diferenças de atuar em grandes empresas de mineração e em Junior Companies?
Tallarico: Do ponto de vista técnico, a atividade em pesquisa mineral é sempre um desafio seja numa Major ou numa Junior. Na minha percepção, elas diferem fundamentalmente na sua gestão. A Junior permite uma gama maior de experiência, na medida em que os quadros são bem mais enxutos e todos precisam fazer de tudo um pouco, o que é fantástico. Atrai-me também a velocidade no processo de tomada de decisão, que tem que ser obrigatoriamente muito rápido para garantir a competitividade. Já a Major oferece um elenco diferente de experiências, treinamentos e instrumentos de gestão que, por vezes, não são usuais em empresas menores. Fazendo um retrospecto da minha carreira, fico muito satisfeito por ter transitado em ambas.
ITM: Como estão os projetos da Aguia Resources no Brasil?
Tallarico: Iniciamos as atividades da Aguia Resources em 2010 e avançamos muito desde então. Hoje, o foco da companhia está no Rio Grande do Sul (RS), onde temos os projetos mais promissores. O mais avançado é o Três Estradas, um carbonatito com minério oxidado aflorando. Completamos, recentemente, uma bem sucedida campanha de sondagem e, em 27 de abril, divulgamos uma atualização dos recursos minerais, que cresceram substancialmente passando de 30 Mt para 70 Mt, com teores bastante regulares, da ordem de 10% para o oxidado e de 4% para o primário. Estamos, também, finalizando uma sequencia de testes de bancada para melhorar a recuperação global do fosfato via flotação. Esses resultados serão divulgados no decorrer de maio próximo. De posse dos novos recursos e de dados metalúrgicos otimizados, procederemos à avaliação econômica preliminar do depósito, que será concluída ainda no primeiro semestre de 2015.
ITM: E quanto aos demais projetos?
Tallarico: Temos o Projeto Joca Tavares, um segundo carbonatito, que também retornou excelentes resultados de superfície e será objeto de sondagem a partir do segundo semestre deste ano.
Recentemente, ainda, fizemos uma descoberta inédita de fosforitos sedimentares na região. Esse projeto, chamado Cerro Preto, inclui camadas de fosforito que se estendem por quase 10 km, com teores altos em superfície. As análises preliminares mostram muita semelhança desses depósitos com os do noroeste dos Estados Unidos (EUA), como os de Idaho, que são lavrados há mais de um século e continuam a fomentar novos projetos. Portanto, temos muito trabalho pela frente e perspectivas excelentes para consolidar a Aguia Resources como uma empresa de fertilizantes no sul do País.
ITM: A Região Sul é conhecida pela mineração de carvão. Quais são as expectativas de obtenção da Licença Ambiental para os projetos de fosfato da Aguia Resources?
Tallarico: A aceitação do projeto na região tem sido fantástica. É claro que temos que seguir um protocolo e estarmos bem assistidos para conduzir o processo de licenciamento. Mas não porque haverá resistência. A Região Sul é uma grande produtora agrícola, que consome mais de 1 Mtpa de P2O5. Nossos projetos vêm de encontro a essa grande demanda por fertilizantes e são extremamente benvindos na sociedade gaúcha em termos da geração de renda e emprego que deverão proporcionar.
ITM: A demanda brasileira de fertilizantes favorece a captação de investimentos para os projetos?
Tallarico: O mercado de fertilizantes difere em fundamentos do de mineração. Apesar de depender basicamente da geologia, ele é essencialmente governado pela demanda da agroindústria. No setor, é costume afirmar que quanto “mais pessoas, mais fertilizantes, mais alimentos”. Essa relação abre a perspectiva de captação de investimentos, já que projetos de potássio e fosfato além de interessarem aos investidores tradicionalmente atuantes na mineração, interessam também àqueles ligados à indústria de fertilizantes e agronegócios.
ITM: Uma crítica comum às Junior Companies é a de capitalizar seus ativos para repassá-los a empresas de maior porte, sem criar vínculos com os países onde atuam. Qual é sua opinião a respeito?
Tallarico: Eu descreveria a situação de forma diferente. Um empreendimento mineral, seja por uma Major ou uma Junior, é um negócio e, como tal, só avança se for rentável. Captamos recursos para investimentos de risco, que devem ser remunerados. Impressiono-me como a maioria das pessoas não tem nenhuma noção dos riscos que uma empresa Junior assume e do custo altíssimo das sondagens para realizar uma descoberta mineral. Um furo exploratório para potássio na bacia Amazônica, por exemplo, custa mais de US$ 1 milhão e não existe qualquer garantia de que o resultado seja positivo. As descobertas são raríssimas: a cada mil projetos, talvez somente um seja bem sucedido. A venda do ativo é uma forma de recompensar quem arriscou. Acho muito justo que esse investidor seja suficientemente remunerado. E há muitos casos, inclusive no Brasil hoje, em que a própria Junior cuida do desenvolvimento e operação do projeto.
ITM: Ou seja, essa crítica não se fundamenta?
Tallarico: Para mim, qualquer que seja a opção não há demérito, pois o que é importante para o País é que esses investimentos ocorram. Na fase de pesquisa são contratados diversos profissionais e empresas prestadoras de serviço. Na operação, o nível de investimento e emprego cresce substancialmente e o projeto passa a pagar royalties. O beneficio não deixa de existir se, eventualmente, houver mudança de controle do projeto. É bom salientar, ainda, que a atuação de empresas Junior e Major se complementam. As primeiras são especializadas nas fases iniciais de maior risco, desde a pesquisa e descoberta até os estudos de viabilidade técnica e econômica, enquanto as outras são operadoras experientes, com capital e capacitação técnica para a implantação de operações de grande porte.
ITM: Qual o contingente de profissionais empregados no Brasil pela Aguia Resources e quais os investimentos já realizados?
Tallarico: Temos uma equipe muito enxuta atualmente. São aproximadamente 20 empregados nos projetos, além do corpo administrativo em Belo Horizonte (MG), no Canadá e na Austrália. Essa equipe deve crescer com o avanço dos trabalhos. Quanto aos investimentos já realizados pelo grupo Forbes & Manhattan no Brasil foram de R$ 560 milhões, desde 2007 até março de 2015. Esse montante inclui, principalmente, os recursos aplicados na Potássio do Brasil (SE) desde 2009, totalizando R$ 221 milhões, e os destinados à Aguia Resources, que se iniciaram em 2010 e já somam R$ 51 milhões. Esse valor será ampliado com os investimentos previstos para os estudos de impacto ambiental e social e para a engenharia detalhada do projeto, visando à instalação da operação, caso sua viabilidade seja confirmada.
ITM: Como foi desenvolvido o programa de sondagem do projeto Três Estradas?
Tallarico: Iniciamos a sondagem após uma etapa rápida de mapeamento, amostragem de superfície e geofísica terrestre. Até o presente foram 12 mil metros sondados, numa combinação de roto percussiva e diamantada para investigar o oxidado e o carbonatito primário em profundidade, respectivamente.
ITM: Em sua opinião, como está o mercado de trabalho para geólogos no Brasil?
Tallarico: Já vimos dias melhores. O contexto atual reflete essencialmente a queda do preço das commodities e, com maior impacto no Brasil, o preço do minério de ferro. Isso acaba influenciando o mercado de trabalho. Mas os mais experientes já aprenderam que esses ciclos são inerentes ao setor.
ITM: A formação acadêmica dos jovens geólogos no País atende às necessidades atuais das empresas mineradoras?
Tallarico: Posso assegurar que os profissionais recém-formados que ingressaram em nosso grupo tem muito talento e receberam uma formação acadêmica muito boa. Contamos com muitos estagiários da UFMG e UFOP (MG), da USP (SP), da UnB (Brasília) e da UFPel e da UFSM (RS).