Ele chegou à Mineração Caraíba em 2013, como CFO, motivado com a missão de criar uma nova governança nos setores financeiro e de controle da companhia e participar de grandes projetos como os de cobre em Vermelhos (BA) e Boa Esperança (PA) e o de ouro, em Nova Xavantina (MT). Em apenas dois anos, o economista Eduardo De Come, paulista de Santo André, via a empresa em uma situação até confortável apesar da queda dos preços do cobre no último trimestre de 2015 e da recessão econômica já avançado estágio no Brasil. A reestruturação financeira das dívidas junto aos credores havia sido concluída e o Projeto Vermelhos, fundamental par o futuro da mineradora, fora iniciado.
O ano de 2016 surgia, então, com um novo horizonte. Já em janeiro praticamente tornado invisível pelo maior aguaceiro já desabado sobre a pequena cidade baiana de Jaguarari. Tanta água podia ser motivo de regozijo na aridez secular da região. Para a Mineração Caraíba foi o dilúvio bíblico. A cheia do rio que margeia a empresa rompeu um dique de proteção e transformou um poço de ventilação em ralo gigante, com 3,5 m de diâmetro. Salvos os funcionários, o saldo de quatro dias de chuva ininterrupta foi uma coluna de água de cerca de 200 m (400 mil m3) no interior da mina subterrânea Morro do Pilar e 27 equipamentos submersos.
Com a produção limitada à mina Sussuarana, a céu aberto e de menor porte, o faturamento reduziu-se de R$ 35-40 milhões para R$ 6-7 milhões ao mês. Insuficiente para honrar o pagamento aos credores. Em junho, exaurido o minério, também essa mina parou. Somente em janeiro deste ano, praticamente um ano depois, a operação de Morro do Pilar seria retomada. Em fevereiro, a primeira nota fiscal do período faturava a venda de quase 2 mil t de concentrado de cobre à Paranapanema.
Nesta entrevista exclusiva a In the Mine, De Come relata como a Mineração Caraíba se manteve de portas abertas, sem demitir nenhum dos 1.180 funcionários e sem disponibilidade de aumento de capital. A aquisição pela canadense Eros Resources seria formalizada apenas em dezembro passado, após o cancelamento da recuperação judicial da empresa. Com ela, finalmente entra “dinheiro novo”, diz o economista: US$ 27 milhões. O executivo fala, ainda, da estratégia e investimentos previstos para este ano e das perspectivas otimistas para o mercado de cobre. Sobre a experiência, diz que foi “positiva e enriquecedora”. “Tendo o comprometimento dos funcionários, o apoio dos fornecedores e a confiança de investidores que enxergam o potencial da empresa, sabíamos que a solução era apenas uma questão de tempo”. Quem acreditou, vê hoje que ele estava certo.
ITM: O que levou a Mineração Caraíba a entrar com um pedido de recuperação judicial em fevereiro de 2016?
De Come: Na verdade, é preciso lembrar que, no final de 2015, a Mineração Caraíba tinha uma situação financeira boa, confortável mesmo se comparada a outras empresa à época. Havíamos concluído a reestruturação financeira da nossa dívida junto aos credores. Tínhamos também começado o desenvolvimento do Projeto Vermelhos (BA), que é muito importante para o futuro da mineradora e, como a maioria das empresas, estávamos fazendo alguns ajustes na nossa estrutura de custos e revendo alguns investimentos em função da queda do preço do cobre verificada no último trimestre de 2015.
ITM: O que mudou esse cenário?
De Come: Em janeiro de 2016, ocorreu uma chuva avaliada como a mais forte em muitos anos na região. Ela não só derrubou quatro pontes como fez transbordar um rio que margeia as instalações da empresa, rompendo um dique de proteção. Por uma infeliz coincidência, esse rompimento se deu exatamente em um local onde a empresa abria um poço de ventilação, estrutura bastante comum em minas subterrâneas. Com um diâmetro de 3,5 m, esse poço acabou se tornando um ralo gigante para a água, inundando a mina subterrânea. Nosso pessoal estava bem preparado e conseguimos resgatar os funcionários, incluindo um grupo que ficou retido por algumas horas aguardando melhores condições de resgate. Mas, passada a chuva, a mina tinha uma coluna de água de cerca de 200 m (quase 400 mil m3) e nossa frota de equipamentos estava totalmente submersa.
ITM: As operações foram, então, paralisadas…
De Come: Sim e com essa interrupção abrupta, nossa produção diminuiu cerca de 80% e o volume de vendas caiu de R$ 35 a R$ 40 milhões para R$ 6 a R$ 7 milhões por mês, que não seriam suficientes para honrar os compromissos que havíamos assumido, o que poderia levar a uma série de execuções de dívidas contra a empresa. Para evitar esse colapso, entramos com o pedido de recuperação judicial, ganhando tempo para buscar uma solução para o problema.
ITM: De onde vinha o faturamento restante?
De Come: Além da mina subterrânea, que responde por 80% do minério que é beneficiado em nossa planta, temos a mina de Sussuarana (BA), a céu aberto e de menor porte, que continuou a produzir. No entanto, em junho de 2016, as reservas lavráveis dessa mina se exaurem, requerendo novos recursos de investimento, que não tínhamos na época, para manter sua operação. Então, ela também teve de ser interrompida e nosso faturamento caiu praticamente a zero.
ITM: Quais medidas foram adotadas nessa fase?
De Come: Adotamos uma solução interna e uma externa. A solução interna foi manter os serviços essenciais tentando, com os recursos escassos que tínhamos, começar o processo de recuperação da operação. Os funcionários que não tinham atividade foram colocados em casa, evitando riscos de acidentes e despesas com alimentação e transporte. Entre os que ficaram, a maioria teve o turno de operação alterado para o período das 7 às 13 horas. Com isso, unificamos as linhas de transporte, eliminamos o vale-alimentação e reduzimos o consumo de energia. Passamos, ainda, a transferir recursos financeiros de nossa mina de ouro, no Mato Grosso (MT), para a mina de cobre. Até outubro de 2016, mantivemos o plano de saúde e todos os salários em dia.
ITM: E qual foi a solução externa?
De Come: Precisávamos de dinheiro novo para recuperar a operação: bombear a água que estava na mina subterrânea, retirar e consertar os equipamentos que estavam submersos e reforçar as galerias danificadas. Como os acionistas da empresa não tinham disponibilidade de fazer esse aumento de capital, fomos buscar investidores no mercado e chegamos à proposta mais interessante, sob o ponto de vista dos antigos acionistas e dos credores – principalmente os financeiros -, a da Eros Resources. Começou, então, um processo mais detalhado e aprofundado para a aquisição da empresa.
ITM: Qual foi a duração desse processo e o que foi feito?
De Come: Esse processo começa entre abril e maio e se estende até o início de dezembro de 2016, quando conseguimos fechar um acordo com os acionistas, com os bancos e com o investidor. Houve negociações com os acionistas para discutir a forma de transferência das ações, com os bancos para acordar o pagamento das dívidas e, também, com o próprio investidor, considerando as exigências da due dilligence que iria avaliar a real situação financeira e fiscal da empresa, passivos trabalhistas e condições operacionais de retomar a operação. Negociamos com os principais fornecedores o pagamento dos créditos a receber e a desistência de novos processos de execução. Com isso, no início de dezembro tínhamos condições de apresentar ao juiz nosso pedido de cancelamento da recuperação judicial, que era uma condição precedente para a entrada do investidor no negócio.
ITM: Quanto a Eros Resources investiu?
De Come: A transferência das ações dos antigos acionistas para os novos foi feita por um valor simbólico de US$ 1 e, numa primeira rodada, a Eros investiu US$ 27 milhões na companhia. Existe um compromisso, junto aos bancos, de um novo aporte até o final de 2017, de US$ 33 milhões.
ITM: Qual foi o impacto da paralisação na comunidade local?
De Come: São vários impactos. Menos pessoas hospedadas no hotel, menor consumo de produtos e combustível, etc. O funcionário afastado passa a evitar uma série de gastos, antes normais. A Prefeitura da cidade deixa de receber o ISS (Imposto Sobre Serviços) que pagamos sobre os serviços de nossos prestadores. A CFEM (contribuição sobre a exploração mineral), que passa a não ser recolhida. Procuramos. de alguma forma, minimizar esses efeitos. Tivemos uma assistente social visitando funcionários e fornecedores em dificuldades. Chegamos a pagar contas de energia elétrica de alguns funcionários e distribuímos cestas básicas.
ITM: Como foi a retomada da operação?
De Come: Foi gradual. Em dezembro de 2016, pagamos aos funcionários os salários atrasados desde outubro e também o 13º salário e começamos a trazê-los de volta ao trabalho. Primeiro, os funcionários da mina a céu aberto e, na sequência, os da mina subterrânea. Em janeiro, voltam os funcionários da planta de beneficiamento e começamos a produzir. Em 20/02/2017, emitimos nossa primeira nota fiscal de venda de concentrado de cobre para a Paranapanema. Faturamos cerca de 2 mil t de uma produção total de 4,8 mil t nesse mês. Hoje, a operação é normal, de acordo com o nível de produção que imaginamos. Temos, ainda, uma limitação da planta de beneficiamento por conta da necessidade de novos alvos de exploração para aumentar a disponibilidade de minério. Mas podemos tranquilamente quase dobrar a nossa produção atual.
ITM: Quais são os planos da Mineração Caraíba hoje?
De Come: Nossa estratégia está baseada em três focos. O primeiro é a recuperação plena dos 27 equipamentos da mina subterrânea, o que nos dará maior eficiência operacional. Esse cronograma vai até 06 de junho próximo, inclusive porque os próprios fornecedores têm limitações de prazo devido à importação de peças. O segundo foco é o Projeto Vermelhos, que já está com 70 funcionários alocados e com uma empresa contratada para desenvolver a rampa principal de acesso à mina. Nossa expectativa é iniciar a produção em 2019. Planejamos um investimento de R$ 210 milhões par produzir numa primeira etapa, em 4 anos, cerca de 82 mil t de cobre. Com mais pesquisas durante o processo de lavra, devemos ampliar esse volume e a vida útil da mina.
ITM: E o terceiro foco?
De Come: É a pesquisa geológica. Já temos indicações de longa data, que estão sendo confirmadas pela Eros agora, que a região do Vale do Curaçá, onde ficam a planta de Morro do Pilar e os alvos de Sussuarana e Vermelhos, tem um potencial de desenvolvimento muito grande. Estamos investindo cerca de R$ 20 milhões em pesquisas neste ano para descobrir novos alvos de minério e, dependendo dos resultados das sondagens iniciais, podemos ampliar esses recursos. Também estamos realizando novas pesquisas nas minas de Angico dos Dias e Surubim, que operamos até parte de 2015, para verificar se a continuidade de seu desenvolvimento é viável.
ITM: O projeto Boa Esperança, em Tucumã (PA), também será continuado?
De Come: Em Boa Esperança já avançamos bastante nos últimos anos, adquirindo as terras necessárias e realocando os superficiários. O projeto está pronto para ser desenvolvido, mas não integra essa primeira fase de investimentos.
ITM: Há outros investimentos previstos para este ano?
De Come: Temos planos de adquirir novos caminhões, jumbos e carregadeiras, principalmente para renovação da frota visando a otimização de custos. Estamos quantificando essa necessidade e devemos aprovar a compra junto ao Conselho de Administração ainda neste semestre.
ITM: Há uma expectativa positiva, então, para o mercado de cobre?
De Come: Sim. Passamos momentos difíceis de queda de preços, que levaram empresas do setor a fecharem algumas operações. Criou-se, então, um ponto de equilíbrio na oferta do produto, que influenciou positivamente os preços. Fora isso, a China, maior consumidor mundial de cobre hoje, continua com um nível de desenvolvimento muito grande. Nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump anunciou a retomada dos investimentos em infraestrutura, o que implica em consumo de cobre. Por fim, temos novas tecnologias como os carros elétricos e a energia solar, entre outras, que também demandam cobre.
ITM: Como a Mineração Caraíba se insere nesse contexto?
De Come: A Mineração Caraíba ainda tem um nível de produção tímido, tanto em escala nacional quanto mundial. Mas, para o estado da Bahia e o município de Jaguarari teremos um papel extremamente importante já em 2017 e 2018. A partir de 2019, com a entrada do Projeto Vermelhos em operação, entramos em um novo patamar, produzindo 17 mil tpa de cobre e passando a cerca de 50 mil tpa em 2020, o que nos tornará um player muito mais relevante.
ITM: No geral, quais são os principais gargalos da mineração brasileira?
De Come: Há um grande gargalo no licenciamento, seja por restrições de regulamentação ou por limitação de recursos dos órgãos responsáveis, no prazo de liberação das licenças para as empresas. A mineração é uma operação agressiva ao meio ambiente e estamos totalmente de acordo que regras rígidas sejam criadas e obedecidas. Essa demora penaliza a mineração que vai onde o minério está e leva consigo um potencial muito grande de investimentos nessa região, muitas vezes imprópria a outras atividades econômicas. No caso da Mineração Caraíba, são 12 mil pessoas, em Pilar e no entorno, que se beneficiam de nossa operação. A produção mineral tem, ainda, uma participação importante na balança comercial do país. Também há indefinições que atrasam a questão regulatória, como a criação de uma Agência Nacional de Mineração. E, ainda, a questão da infraestrutura local, que acaba repassada pelo poder público à mineradora e também atrasa a implantação dos projetos.
ITM: Qual é sua avaliação do projeto do novo Código de Mineração?
De Come: Eu tenho uma visão otimista. Acredito que ele vá simplificar algumas etapas. Ainda que contenha algumas imperfeições, ter um novo código será sempre melhor do que a indefinição atual que vivemos. Depois, podemos ir aperfeiçoando aos poucos.
Perfil:
Nasceu em: Santo André (SP), em 27/01/1966
Mora em: São Bernardo do Campo (SP), onde ficam os setores financeiro e legal da empresa
Trajetória Acadêmica: Economia pela Fundação Santo André. Mestrado em Finanças pela USP. MBA em Finanças pela Universidade de Manchester
Trajetória Profissional: Analista, supervisor, gerente e controler da área financeira da Interlocadora (locadora de veículos formada pela antiga Varig e Volkswagen). Gerente de Desenvolvimento de Negócios da Volkswagen. Diretor Financeiro e de Relações com Investidores na DF Vasconcelos, fabricante de equipamentos hospitalares. Diretor Financeiro da Brasil Ecodiesel, atual Terra Santa Agro. CFO da Mineração Caraíba desde 2013
Família: Casado há 25 anos, dois filhos: o menino cursando Engenharia Mecânica e a menina planejando cursar Engenharia Agrônoma
Hobby: Tênis. Não com muita frequência, ultimamente
Um “ídolo”: Ayrton Senna
Maior realização até hoje: Ter participado e ajudado a Mineração Caraíba a se recuperar de uma situação tão adversa
Maior decepção até hoje: Perder a Copa do Mundo de 1982
Uma definição para a mineração: É um setor fundamental para o desenvolvimento de qualquer economia. Não visualizo o avanço de um país sem o seu acesso a recursos minerais principalmente, caso do Brasil, quando esses recursos são próprios.
Um “conselho” a jovens economistas: Atualizar-se sempre: a economia trabalha com tendências e expectativas e é muito dinâmica. Estudar muito para conhecer e dominar os fundamentos. Não basta ler sites na Internet. Em terceiro lugar – e não só para economistas -, trabalhar com disciplina e persistência. As coisas podem demorar, mas vão acontecer. Acredito e vivenciei isso.