Ele possui um histórico relacionado ao que seriam consideradas bandeiras de esquerda atualmente. Entre elas, o assentamento de produtores agrícolas; a elevação do imposto de propriedade rural em áreas improdutivas; e a oposição a movimentos armamentistas, ao nepotismo, às máfias da Saúde e ao pagamento de jetons a deputados e senadores. Sempre defendeu também o endurecimento das penas para abuso de autoridade, entre tantas outras causas.
Em paralelo, pelos cargos públicos que ocupou, construiu boas relações políticas e bom trânsito junto às Forças Armadas. Essa experiência o levou a ser cofundador e presidente executivo da IREE – Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa, dedicado à produção de conhecimento sobre Defesa e Segurança Nacional, com a participação de acadêmicos, militares, empresários e policy makers. Desde 1º de março de 2022, Raul Belens Jungmann Pinto ou Raul Jungmann, como é nacionalmente conhecido, é o diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) e, por atribuição inerente ao cargo, o anfitrião do maior evento do setor mineral no Brasil – a Exposibram.
Entrevistamos o executivo que iniciou a carreira na política brasileira em 1990, como secretário de Planejamento do governo de Pernambuco, seu estado natal, e ocupou cargos importantes como a presidência do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) – onde afirma ter tido interfaces com o setor de mineração -, e do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária); e os de ministro da Política Fundiária e Desenvolvimento Agrário (governo Fernando Henrique Cardoso), e da Defesa e da Segurança Pública (governo Michel Temer). Também foi eleito deputado federal por Pernambuco e vereador por Recife, capital do Estado.
Nesta entrevista exclusiva à revista In the Mine, Jungmann fala de mineração em Terras Indígenas, garimpo, desafios e obstáculos ao desenvolvimento pleno da mineração, uso de tecnologias como o blockchain para rastreamento da origem da produção mineral, projetos e parcerias do IBRAM, barragens de rejeitos e ESG (governança ambiental, social e corporativa), entre outros temas. A jovens estreantes em política, recomenda “trabalhar pelos mais pobres e ter princípios e valores éticos”.
ITM: Seu histórico nunca esteve relacionado à mineração brasileira. Como recebeu e considerou o convite ao cargo de diretor-presidente do IBRAM?
Jungmann: Pelo contrário. Meu histórico registra muitas interfaces com o setor mineral. Quando, por exemplo, presidi o IBAMA. Houve uma seleção para o cargo de diretor-presidente do IBRAM e o desafio colocado é o de conduzir estratégias de cunho institucional, estabelecer e consolidar canais de relacionamento com vários stakeholders, como com os poderes Executivo e Legislativo. Para estabelecer essa linha de ação é imprescindível ter trânsito em vários setores e respeitabilidade quanto à sua trajetória, profissional e pessoal. E acredito que reúno essas qualidades e espero desempenhar um papel de acordo com as expectativas da mineração brasileira.
ITM: Desde sua nomeação, quais foram os temas minerais que mais chamaram sua atenção?
Jungmann: Uma das primeiras questões foi o tema sobre mineração em Terras Indígenas. Logo no primeiro mês à frente do IBRAM decidimos emitir um posicionamento definitivo sobre essa questão. Há muita controvérsia e o setor mineral precisava adotar uma postura. Então, nos posicionamos contrários ao projeto de lei em tramitação no Congresso para regular a matéria e condicionamos o encaminhamento de futuras propostas nesse sentido ao amplo debate antecipado, com obrigatoriedade de que os povos indígenas sejam ouvidos e possam opinar livremente. É importante ressaltar que o setor mineral defende que a mineração, de acordo com boas práticas de sustentabilidade e segurança operacional, seja exercida em qualquer parte do território nacional. Associado a esse tema está o garimpo ilegal. O IBRAM já vinha se manifestando sobre isso e, em minha gestão, esse tema vai ganhar cada vez mais força. Estamos estruturando parcerias com entidades da sociedade civil e com o setor público, a exemplo do Bacen (Banco Central do Brasil) e da Polícia Federal, para aumentar o cerco às atividades clandestinas.
“Meu papel é abrir e consolidar canais de relacionamento. Abrir espaços para comprovar que a mineração brasileira é um dos setores essenciais para o desenvolvimento social, ambiental e econômico do país”
ITM: E quanto às mineradoras?
Jungmann: Esse foi outro fator que chamou minha atenção: a seriedade dos executivos do setor mineral, com os quais passei a conviver mais intensamente e que conduzem a governança das companhias mineradoras. É intenso o compromisso com as boas práticas, com o aperfeiçoamento dos processos produtivos, de modo a torná-los mais competitivos, seguros e sustentáveis. Com essa atitude, o setor gera indicadores muito positivos e uma das preocupações do IBRAM é reunir esses dados setoriais e mostrá-los em sua grandeza à sociedade. Os grupos temáticos, formados por associados IBRAM para o ESG (governança ambiental, social e corporativa) da Mineração, esperam reportar anualmente à sociedade sua evolução. Os primeiros dados estarão sendo mostrados no Talk show “ESG do Setor Mineral”, em 13 de setembro, no Congresso Brasileiro de Mineração, parte da programação da Exposibram 2022. Também na Exposibram, lançaremos um “livro verde”, que reunirá as principais experiências e projetos das mineradoras em termos de preservação e conservação ambiental. Vai surpreender muita gente, em especial, aqueles que não conhecem muito sobre o setor. Outro projeto que abracei com entusiasmo é o PROX, em parceria com a CEMIG (Cia.Energética de Minas Gerais).
ITM: De que trata esse projeto?
Jungmann: É um aplicativo para celular que vai fornecer informações atualizadas em prol da segurança das pessoas, inclusive sobre a situação das barragens de mineração. Também trará dados sobre previsão do tempo e riscos de enchentes em determinadas áreas ou de outras ocorrências naturais. É uma forma engenhosa de o setor mineral se aproximar ainda mais das pessoas e tornar sua relação com elas cada vez mais transparente, sincera e objetiva.
“O IBRAM se posicionou contrário ao projeto de lei em tramitação no Congresso para regular a mineração em Terras Indígenas e condicionamos o encaminhamento de futuras propostas nesse sentido ao amplo debate antecipado”
ITM: O senhor tem exercido uma interlocução constante com políticos, entidades e representantes do setor mineral. Qual é o objetivo desses encontros?
Jungmann: O IBRAM é o porta voz da mineração brasileira desde 1976. Esse protagonismo só é possível dialogando com políticos, entidades nacionais e internacionais, e claro, empresas e fornecedores do setor. Meu papel é abrir e consolidar canais de relacionamento. Abrir espaços para comprovar que a mineração brasileira é um dos setores industriais essenciais para o país se desenvolver social, ambiental e economicamente. Precisamos ter essa determinação para obtermos apoio à expansão dessa indústria. Temos muitos gargalos a superar, como excesso de tributos, burocracia, aprimoramentos à regulação e fortalecimento de nossas instituições públicas, entre outros. A mineração gera importantes contribuições à economia brasileira, ao atrair bilhões de dólares em investimentos e movimentar negócios em extensas cadeias produtivas. O Brasil precisa multiplicar essa força.
ITM: O garimpo ilegal é um fator de desestabilização da mineração brasileira sustentável. Sob sua presidência, o IBRAM planeja adotar ações mais incisivas de contestação a essa prática?
Jungmann: As mineradoras associadas ao IBRAM já são referência em sustentabilidade empresarial. O que é preciso – e estamos caminhando nesse sentido – é articular forças entre o setor privado, entidades da sociedade civil e setor público, debatendo profundamente a questão, propondo soluções e adotando-as, tudo com prazo determinado. Até agora, há denúncias e o poder público toma suas providências, mas a atividade ilegal continua se expandindo e alimentando o crime organizado. Até mesmo a legislação, o poder de fiscalização e punição das instituições precisam ser aperfeiçoados.
“A desativação das barragens leva tempo e requer muito estudo técnico e acompanhamento do órgão ambiental e da ANM”
ITM: Apesar de várias mineradoras estarem investindo na filtragem e disposição a seco de rejeitos, as barragens de rejeitos ainda são um tema sensível. Qual o comprometimento e ações efetivas do IBRAM para minimizar a ocorrência de novas tragédias como as de Mariana e Brumadinho?
Jungmann: O IBRAM e as mineradoras associadas têm adotado, desde as tragédias, diversas providências para tornar suas operações mais seguras e isso pode ser acompanhado com toda a transparência. Essas medidas são sempre divulgadas pela imprensa e nos canais de comunicação das companhias. Até mesmo as fiscalizações da Agência Nacional de Mineração (ANM) sobre a segurança operacional têm mostrado avanços. A desativação das barragens leva tempo e requer muito estudo técnico e acompanhamento do órgão ambiental e da ANM. É preciso compreender que é um processo muito complexo, inédito no país. Então cautela é necessária para evitar maiores riscos nessa providência. Para as comunidades do entorno de barragens no Brasil ou para alertar a população, estamos divulgando e trazendo cada vez mais parceiros para o aplicativo Prox. Façam uso dessa ferramenta que está à mão, em seu celular, e é gratuita.
ITM: A ANM acaba de publicar uma nova legislação para as barragens de mineração. Qual é a posição do IBRAM sobre essa regulação?
Jungmann: A posição do IBRAM e de suas mineradoras associadas é cumprir a legislação à risca. Qualquer aperfeiçoamento legislativo é bem-vindo. E o setor mineral espera sempre ser chamado a apresentar suas contribuições para que isso continue a ocorrer.
ITM: Hoje, a tecnologia de blockchain permite o rastreamento da procedência de minerais. Como o IBRAM se posiciona em relação a esse rastreamento?
Jungmann: Trata-se de um assunto em desenvolvimento. Não foi discutido ainda entre o IBRAM e associados. Cada empresa está avaliando seus cenários e as possibilidades de uso dessa tecnologia. Mas há interesse do IBRAM em conhecer mais sobre o assunto. Tanto que está em discussão o uso do blockchain para rastrear a cadeia produtiva do ouro, através de parcerias entre o IBRAM e o Instituto Escolhas, além do Instituto Socioambiental, o Instituto Ethos e o Banco Central.
ITM: O conceito de ESG chegou à mineração brasileira. Quais são os pontos fortes e os pontos ainda fracos na implementação dessa cultura?
Jungmann: O conceito ESG está na mineração há muitos anos, na verdade. Só recentemente é que essa nomenclatura foi adotada internacionalmente por vários segmentos. As mineradoras associadas ao IBRAM têm plena consciência de que as práticas ESG estão diretamente associadas a qualquer atitude corporativa. Sem o ESG não há futuro para as empresas no mercado. Adotamos a Agenda ESG da Mineração do Brasil e as mineradoras aderiram voluntariamente a uma série de compromissos, metas e ações concretas já em curso. O objetivo é aperfeiçoar os indicadores de sustentabilidade e de governança e tornar o setor ainda mais responsável com as pessoas e com o meio ambiente. Os progressos dessa agenda podem ser acompanhados por meio dos canais de comunicação do IBRAM, por exemplo. Na Exposibram 2022 faremos um relato sobre os mais recentes avanços.
ITM: Hoje, quais são os interesses mais prementes dos associados do IBRAM em termos de regulamentação de direitos minerários, licenciamento de projetos e questões ambientais?
Jungmann: Em termos de direitos minerários, o principal ponto é a maior agilidade na concessão de portarias de lavra e alvarás de pesquisa. Obter esses títulos em menor tempo é importante para o setor. Existem outros pontos que demandam atenção, não só da ANM, como a questão do acesso à área e os bloqueios de área para a pesquisa mineral. É importante também rever o acesso às áreas da faixa de fronteira por empresa de capital estrangeiro, assim como a de aquisição de terras necessárias à operação por essas empresas. Para o licenciamento, também é necessária uma maior agilidade na análise dos processos, de forma a reduzir o tempo demandado para a emissão das licenças. Para as questões ambientais, é importante a apreciação do decreto sobre espeleologia. Outro ponto particularmente caro ao empreendedor brasileiro são as opções de capitalização ou financiamento de projetos em fase de pesquisa e as garantias necessárias ao projeto na fase de registro da ANM, que ainda precisam ser melhor trabalhadas.
“É importante rever o acesso às áreas da faixa de fronteira por empresa de capital estrangeiro, assim como a de aquisição de terras necessárias à operação por essas empresas”
ITM: Quais são os principais desafios atualmente, no Brasil, para o pleno desenvolvimento da mineração?
Jungmann: A pesquisa mineral é uma lacuna que exige atenção e providências. Pouca parcela do território possui mapeamento na escala adequada. O Brasil precisa de mais áreas pesquisadas para aumentar a oferta e diversificá-la, já que sua produção é muito concentrada em minério de ferro. Outro ponto que necessita mais atenção é a criação de linhas de financiamento para projetos minerários. O IBRAM e outras organizações estão envolvidas na estruturação da rede Invest Mining, voltada a esse objetivo. Mas é preciso que os investidores abram os olhos para as oportunidades que a mineração oferece em termos de capitalização. É um setor que tem boas perspectivas de expansão.
ITM: Como o IBRAM tem atuado para minimizar essas restrições?
Jungmann: Quando há algum tipo de restrição ao desenvolvimento de projetos minerários, que envolvam questões setoriais, o IBRAM avalia cada questão e define estratégias para agir em resposta. Apresentar e defender argumentações técnicas são a base de atuação nesses casos. Sempre que possível, estamos dialogando com atores e levando a público as dificuldades comuns do associado IBRAM. Um exemplo são as contribuições que realizamos em 2021 ao Grupo de Trabalho na Câmara dos Deputados, que estava sugerindo alterações ao Código de Mineração. Com a retomada dos trabalhos da Casa no segundo semestre, esperamos da mesma forma, contribuir com nossas sugestões ao legislativo.
ITM: Quais são as ações do IBRAM voltadas ao desenvolvimento dos chamados minerais estratégicos que podem contribuir com a transição energética da própria mineração e também dos países em nível global?
Jungmann: Em seus contatos com os stakeholders, o IBRAM busca associar a necessidade de o Brasil expandir a mineração, a fim de produzir minérios estratégicos para a inovação tecnológica. Essa é a inovação que origina as tecnologias que vão efetivar a transição energética, a descarbonização da economia e gerar bons impactos nas mudanças climáticas. O público em geral não tem essa noção de que a oferta desses minérios está associada a essas conquistas e que o Brasil apresenta fortes indícios de que conta com jazidas de qualidade em seu subsolo.
“Espero que o setor mineral exponha livremente, na Exposibram 2022, todos os seus projetos para o país. Não apenas aqueles relacionados à mineração, mas as iniciativas de cada empresa voltada ao bem coletivo dos brasileiros”
ITM: Como anfitrião da Exposibram 2022, o que o senhor tem a dizer – ou a recomendar – ao setor mineral brasileiro?
Jungmann: Espero que o setor mineral exponha livremente, na Exposibram 2022, todos os seus projetos para o país. Não apenas os projetos relacionados à mineração propriamente dita, mas as iniciativas de cada empresa voltadas ao bem coletivo dos brasileiros. São ações sociais, culturais, esportivas, ambientais, de um imenso valor agregado e que muitos brasileiros desconhecem. E, também, que destaquem ao público da exposição e do Congresso Brasileiro de Mineração suas boas práticas em ESG e os resultados dessa política corporativa para o bom desempenho no dia a dia. Essa é a mineração que precisa ser conhecida dos brasileiros, já que seus indicadores econômicos já estão consagrados junto ao público.
Perfil
Nasceu em: Recife, Pernambuco, em 1952
Mora em: Brasília (DF)
Trajetória Profissional: Ministro da Reforma Agrária, presidente do Incra e do Ibama, Presidente do Conselho do BNDES, Ministro da Defesa, Ministro da Segurança Pública, Deputado Federal, Conselheiro da Light e Complexo de Suape e consultor de empresas
Família: Casado, 2 filhos
Hobby: Ler e ver filmes
Time de futebol: Sport Clube do Recife
Um ídolo ou mestre: FHC (ex-presidente Fernando Henrique Cardoso)
Maior decepção até hoje: A Copa de 1998
Maior realização até hoje: Meus filhos
Um projeto de vida ou profissional: Um país mais justo e menos desigual
Um “conselho” a jovens aspirantes da política nacional: Trabalhar pelos mais pobres e ter princípios e valores éticos