Realizada de 3 a 6 de fevereiro na Cidade do Cabo, África do Sul, a 20ª edição da Mining Indaba recebeu mais de 7000 profissionais, especialistas e investidores do setor de mineração, incluindo 37 delegações governamentais do continente africano.
Durante o evento, líderes políticos e empresas confirmaram o atual ambiente de investimentos na África, que possui um altíssimo potencial, mas ainda enfrenta problemas estruturais. Evidente que não faltaram homenagens a Nelson Mandela, ícone mundial que faleceu em dezembro de 2013 e que sempre lutou pela igualdade racial no país sul-africano, sendo um dos grandes responsáveis pelo fim do regime do apartheid.
A expectativa dos especialistas africanos é de que a extração dos recursos naturais contribua para o desenvolvimento de uma economia mais diversificada nas diversas nações. A África tem gigantescas jazidas minerais e cerca de 30% das reservas mundiais. Seja o ouro da África do Sul e Gana, o fosfato do Marrocos e da Tunísia, o cobre da Zâmbia e Uganda, o urânio da Nigéria e Namíbia, o zinco do Sudão, dentre tantos outros. E o discurso dominante entre os vários governantes é que a dinâmica da exploração mineral seja reproduzida também na criação de indústrias manufatureiras e terciárias. Reconhecendo-se, porém, que a mineração deve permanecer como carro-chefe de grande parte das economias africanas.
A atmosfera é bastante positiva no continente. Desde a década de 60, o número de democracias aumentou em quase cinco vezes. No início dos anos 90, eram 52 países com crescimento negativo. Hoje, são apenas 10. Os investimentos aumentam constantemente, muito por conta da maior segurança em vários países, como Angola, Ruanda e Moçambique, graças à diminuição do tráfico de armas após o término da Guerra Fria, que levou ao fim de muitas das guerras civis que assolavam o continente. Na França, encontra-se em trâmite um julgamento sobre os culpados pelo genocídio de Ruanda, em 1994 – estima-se que tenham morrido 800 mil pessoas em apenas 100 dias. “Estamos presenciando a história sendo feita. Sempre nos perguntamos por que levou 20 anos para isso. Apesar de tarde, é um ótimo sinal”, reconheceu Johnston Busingye, ministro da Justiça de Ruanda.
Várias iniciativas foram reveladas ao longo do evento. E, como sempre, os vários auditórios do centro de exposições de Cape Town estavam abarrotados de estrangeiros para acompanhar a apresentação dos vários projetos, potenciais ou em diferentes estágios de desenvolvimento. A Global Business Reports, consultoria com sede em Cingapura, listou as “20 jurisdições minerais mais empolgantes da África”, apontando países como África do Sul, Botsuana, Madagascar, Ruanda, Zimbábue, Uganda, Quênia, Moçambique, Malawi, Tanzânia e Namíbia. A primeira edição do “Guia de Investimento de Mineração na África”, em conjunto com o Relatório de Investimento Global, por exemplo, fornece informações detalhadas de 20 projetos minerais pouco conhecidos e considerados excelentes oportunidades para os investidores.
O ministro de Geologia e Minas de Angola, Francisco Queirós, apresentou os novos projetos do País, que tem como grandes investidores os grupos de diamante Alrosa e De Beers. Queirós fez um apelo para a entrada de mais empresas estrangeiras no setor mineral angolano, assegurando que, dentro de alguns anos, o segmento ultrapassará o petrolífero.
A Fundação Tony Elumelu patrocina o inovador projeto de mapeamento na Nigéria, executado pelo Instituto de Tecnologia Africana (AFRIT). O objetivo é detalhar os tipos de tecnologias empregados por empresas de mesmas indústrias em todo o país nigeriano, divulgando informações e ajudando as empresas a se agruparem. “A Fundação Tony Elumelu se concentra no empreendedorismo e ajudará a divulgar as tendências de negócios e atividades em andamento ou com alto potencial”, afirmou Wiebe Boer, CEO da Fundação.
A África não pode ser vista como um todo. É um continente com culturas bastante diversificadas e diferentes estágios de desenvolvimento entre os países. No que diz respeito á mineração, existem preocupações comuns. O ano passado foi bastante delicado para o setor no continente. “Os custos de trabalho subiram, enquanto os preços das commodities declinaram. Houve perdas consideráveis em especial para as indústrias de ouro e platina nos últimos anos. Houve ainda prejuízos por conta dos protestos de trabalhadores”, lembrou Lauren Patlansky, diretora geral da Grant Thornton. Greves mineiras têm sido práticas comuns. A África do Sul sofre com a paralisação do trabalho de cerca de 50 mil funcionários desde 23 de janeiro, quando a Associação dos Mineiros e União do Trabalho (AMCU), principal sindicato da mineração no país, passou a reivindicar o dobro do que os trabalhadores recebem atualmente.
A África tem ainda dois graves problemas na atividade mineral: a extração ilegal e a escassez de eletricidade. A ministra dos Recursos Minerais da África do Sul, Susan Shabangu, anunciou ações mais firmes para acabar com a mineração ilegal no País. “Precisamos de métodos melhores e mais sustentáveis para o fechamento permanente de minas e túneis subterrâneos, evitando que mineiros ilegais reabram os pontos de acesso”, afirmou. Susan pretende tomar medidas rígidas nas regiões de East Rand e West Rand, na área metropolitana da capital Joanesburgo. Sua declaração foi dada após o resgate de 25 mineiros ilegais de uma mina de ouro próximo à capital.
Convivem também com a mineração clandestina países como Moçambique, Gana, Costa do Marfim e República Democrática do Congo. “Muitas empresas compreendem a importância do desenvolvimento sustentável na mineração, mas seguem com dificuldades para implementar”, complementou Simon Herriot, diretor da DuPont Global. De acordo com Herriot, a mineração ainda passa uma imagem negativa para muitos povos africanos. Ele acredita que a abordagem deveria ser mais abrangente, mostrando a importância do setor e os benefícios.
O problema do suprimento de eletricidade é cada vez maior, em contraste a uma demanda também crescente. Tanto que alguns países precisam reduzir o alto consumo. “Como uma das soluções para o problema de eletricidade, precisamos de parceiros para desenvolver o potencial hidroenergético de nosso distrito de Kouilou”, constatou Denis Sassou N’Guesso, presidente do Congo. A princípio, o projeto tem capacidade potencial de 1000 MW.
Os líderes africanos veem a irregularidade do clima global como questão prioritária para discussão em 2014, em sintonia com o Conselho Mundial de Energia (World Energy Council – WEC). “Pela primeira vez, a África vê as mudanças climáticas como o ponto mais crítico e acredita que não são apenas os países com grandes emissões de gases de efeito estufa que devam se preocupar. É um contraste em relação ao resto do mundo, que ainda acredita nos preços altos como a questão primordial”, diz Bonang Mohale, vice-presidente do WEC para a África.
Mudanças futuras
Ganha força também a visão de que a chave para as mudanças e para um futuro melhor são as Parcerias Público-Privadas (PPPs), com planejamentos a longo prazo. Ou seja, para melhorias na infraestrutura, será necessário criar projetos financiáveis, baseados em estudos de viabilidade. E ainda que, para competir no mundo globalizado, a África dependerá inicialmente de integrações regionais.
“A mineração de cobre vai desempenhar um papel crucial no desenvolvimento dos nossos próximos anos”, afirmou Robert Friedland, presidente da Ivanhoe Capital Corporation. Vale lembrar que a Zâmbia já é uma das maiores produtoras mundiais do minério. Ali, inclusive, a Grindrod e a Northwest Rail Company constroem uma ferrovia de 590 km, para o transporte de cobre, passando pelo centro da Zâmbia e atingindo seu extremo leste, próximo à fronteira com a Angola.
Com melhor infraestrutura, muitas nações africanas deixarão de ser consideradas como supostos riscos para o investimento estrangeiro. Outro fator positivo é que um número cada vez maior de empresas nacionais mostra transparência em relação ao pagamento de impostos. Dessa forma, a expectativa é de um futuro muito mais promissor para a África, com a manutenção da mineração como principal atividade econômica, mas com os setores financeiros e comerciais mais fortalecidos. Ao longo da próxima década, a expectativa média de crescimento do Produto Interno Bruto dos países africanos é de 6% ao ano.
Disputa na Guiné
No sudeste da República da Guiné, mais especificamente nas montanhas Simandou, encontra-se uma das maiores reservas de ferro do mundo. O minério dali precisaria apenas de um processamento mínimo antes de ser levado para altos-fornos de siderúrgicas. No entanto, a jazida ainda não começou a ser explorada.
A disputa foi e ainda é intensa, devido à alta quantidade e qualidade mineral da região. A Rio Tinto adquiriu os direitos exclusivos em 1997, mas de acordo com o governo ditatorial da Guiné, a operação andava lenta demais. Por conta disso, parte da licença foi concedida em 2008 para a Beny Steinmetz Group Resources (BSGR) que, por sua vez, dois anos depois, vendeu 51% de sua participação para a Vale. O acordo seria de US$ 2,5 bilhões pela parte norte de Simandou. A Vale pagou US$ 500 milhões de forma adiantada.
Nas eleições presidenciais do mesmo ano, em 2010, consideradas as primeiras de fato democráticas do País, Alpha Condé sagrou-se vitorioso e prometeu maior transparência, principalmente no setor mineral. Com a adoção de um novo Código da Mineração, o Governo passou a verificar todos os contratos do segmento firmados nos anos anteriores, por meio de uma comissão. A BSGR passou a ser investigada a fundo, pois teria supostamente subornado em 2008 o então ditador da Guiné, Lansana Conté. Órgãos antifraude dos Estados Unidos, do Reino Unido e da Suíça também passaram a investigar o caso.
A Vale não foi acusada de nenhum tipo de delito. Além disso, a empresa não pagou o restante do acordo, pois a BSGR não cumpriu certos progressos prometidos contratualmente em relação à construção de uma ferrovia e de um porto. De qualquer forma, Condé deve cancelar os direitos da BSGR e da companhia brasileira, alegando que a aquisição inicial foi ilegal. Caso isso aconteça, o grupo do empresário israelense Benny Steinmetz promete entrar com um pedido de arbitragem internacional contra a República da Guiné.
Ao mesmo tempo, a Rio Tinto conseguiu reassegurar seus direitos na parte sul das montanhas, com o pagamento de US$ 700 milhões, concedendo ao Governo de Condé uma participação de 35% na mina. Como demonstração de idoneidade, o acordo foi divulgado na íntegra pela internet. Os investimentos da Rio Tinto devem atingir uma marca de até US$ 20 bilhões, com a produção inicialmente prevista para 2018.
Ainda intacta, a reserva de Simandou pode gerar enormes benefícios para a população, com uma estimativa até de dobrar o PIB. Requer a construção de uma ferrovia e saída para o mar, especialmente para transportar o minério de ferro para a China. Guiné ainda possui uma das maiores reservas mundiais de bauxita, além de grandes quantidades de diamante e ouro.