Por Gláucia Cuchierato(1)
O caminho da excelência e sabedoria – em todos os setores do conhecimento – é longo e pode ser dividido em várias etapas:
- Aquele período da ignorância inicial (em referência à sua definição: “estado de quem não tem conhecimento, cultura, por falta de estudo, experiência ou prática”), onde você não sabe que não sabe. E isso não faz diferença alguma na sua existência pois desconhece aquilo a que não tem acesso;
- Após essa fase, pela inerente necessidade humana quanto à compreensão de si mesmo e do mundo à sua volta, que varia de lampejos de curiosidade a uma ávida busca por entendimento, você sabe que não sabe. Aquela lacuna, não preenchida, o motiva a crescer e avançar;
- Depois de muito comprometimento com o estudo e o aprimoramento, em geral desenvolvido por metodologias bem definidas e bastante trabalho árduo – jamais por “acaso” e “sorte” – você, enfim, sabe que sabe! Nesta situação, é possível seguir dois diferentes rumos:
- Adentrar a bolha da arrogância, como se atingisse o pedestal dos sábios imortais – grupo daqueles que ACHAM QUE SABEM. Talvez os grandes atrasos na evolução coletiva são causados por esta escolha; ou
- Perceber-se no paradoxo socrático, da narrativa de Platão sobre Sócrates, de que “SÓ SEI QUE NADA SEI”, e, com humildade e motivação, permanecer sempre em busca de especialização, novas tecnologias e demais recursos disponíveis para se manter atualizado, ampliando seu conhecimento, tornando-se cada vez melhor e reconhecido em sua especialidade.
Decisões são realmente pautadas por informação de qualidade
Preâmbulos filosóficos à parte, as empresas brasileiras do setor mineral – de forma analóga – situam-se em todas estas classes da excelência, quanto à consciência sobre se suas decisões são realmente pautadas por informação de qualidade.
Questiono se algumas empresas – seus CEOs, diretores, conselhos administrativos, gerentes e todos os profissionais de áreas técnicas e operacionais – realmente sabem o quanto a qualidade e quantidade dos dados geológicos, utilizados para a definição e classificação de recursos e reservas minerais podem, efetivamente, impactar – positiva ou negativamente –na valoração de seus ativos, na mensuração do risco de seus projetos e, consequentemente, na eficiência operacional.
Não há milagres ou sorte quanto à descoberta de minérios e viabilidade de projetos – é necessário o entendimento e planejamento de processos, de forma padronizada e customizada, com o intuito de evitar erros, negligência e fraudes, para garantir que a produção seja constante, previsível e permanente, com credibilidade demonstrada (financeira e operacional).
Neste contexto são incluídos diversos trabalhos de aquisição e gestão de dados– posicionamento preciso de sondagens, trincheiras e amostras; tipo da sondagem escolhida e equipamento utilizado;procedimentos adequados para descrição geológica e geotécnica;condições ideais de amostragem e protocolos de preparação das amostras e análises laboratoriais; programa de garantia e controle de qualidade (QualityAssurance | QualityControl – QA/QC); forma de armazenamento e validação dos dados em sistemas relacionais; ecadeia de custódia da materialidade, dentre outras orientações.
Boas práticas por padrões internacionalmente aceitos
É também disto que se fala quanto à adoção das boas práticas recomendadas pelos padrões internacionalmente aceitos (NI 43-101, JORC, Guia CBRR, CRIRSCO), exigidos pelas empresas de mineração listadas nas bolsas de valores de valores com regras aplicadas para a comprovação do risco da mineração (TSX/TSXV, ASX, LSM/AIM) e amplamente utilizados em negociações privadas. Garante-se, desta forma, que todos os cálculos, estimativas e classificação de recursos e reservas minerais são realizados com metodologia reconhecida e validada.
Por essas razões, enfatizo que o setor mineral brasileiro deverá iniciar o planejamento para se adequar ao Sistema Brasileiro de Certificação de Recursos e Reservas (SBCRR) quando a resolução ANM que o regulamenta for publicada, pois as empresas brasileiras situam-se em diversas fases quanto ao acervo de dados que tem, para necessidade ao real atendimento à estas práticas.
Alvin Toffler, escritor e futurista norte-americano, conhecido pela abordagem tecnológica sobre revoluções digital e das comunicações, diz:
”O analfabeto do século XXI não será aquele que não consegue ler e escrever, mas aquele que não consegue aprender, desaprender e reaprender”.
Comparando a escala evolutiva da excelência, ouso classificar as empresas da mineração brasileira:
- SABEM QUE SABEM: Grandes players produtores de commodities minerais e Junior Companies– muito acostumados com essas práticas por já atenderem aos requisitos há anos, irão aprimorar ainda mais seus trabalhos conduzidos por Profissionais Qualificados, com melhores oportunidades de agilidade dos processos na ANM;
- SABEM QUE NÃO SABEM: Pequenos e médios mineradores, produtores de commodities – já ouviram muito falar dos famosos “NI43-101/JORC”, provavelmente já foram requisitados para obtê-los por potenciais investidores, mas ainda não sabem como poderão avançar para este caminho;
- NÃO SABEM QUE NÃO SABEM: Empresas, de micro, pequeno, médio ou grande porte, produtoras de substâncias de simples extração e comercialização local ou regional – internacionalmente, todas as empresas e substâncias minerais se enquadram às mesmas condutas. A simplicidade da pesquisa mineral deverá ser complementada com o cumprimento integral dos princípios de transparência, materialidade e competência, mas todas deverão se adequar.
Minha opinião é que, em geral, considerando o universo de quase 10 mil empresas em todo o Brasil, “o setor ainda não sabe que não sabe”. Por tal, há uma grande demanda em entendimento sobre o alcance do real significado deste momento que estamos vivendo.
(1)Geóloga e Mestre em Recursos Minerais pelo IGc-USP, Doutoranda em Engenharia Mineral pelo PMI-EPUSP (Projeto: “O valor da qualidade da informação no processo de declaração de recursos minerais”) e Diretora Executiva da GeoAnsata Projetos e Serviços em Geologia