Por Tébis Oliveira | Ilustração Heder Oliveira
Durante a recessão econômica da década de 1980, um engenheiro paulista decidiu mudar de profissão ao ser demitido e abriu uma lanchonete chamada “O Engenheiro Que Virou Suco”, parodiando o nome de um filme de sucesso à época. A trajetória de Hélcio Guerra, formado na mesma “década perdida”, em 1983, como engenheiro metalurgista foi diametralmente oposta. Longe de “virar suco”, ele se tornou, há sete bons anos já, o vice-presidente sênior das Américas da AngloGold Ashanti, a maior mineradora de ouro do Brasil e uma das maiores do mundo.
O enfoque mais técnico fez parte de seu início de carreira. No caso, na antiga Companhia Vale do Rio Doce, atual Vale, onde entrou em 1984, saindo somente em 2007. Nesses 23 anos, atuou nos negócios de ouro, fertilizantes, caulim e níquel da mineradora e chegou a diretor de Minerais Industriais e Metais Nobres. Como gestor, brinca, “estamos mais para psicólogo, advogado e administrador do que para engenheiro”.
Mais foi exatamente essa posição de gestor que ele construiu com solidez aliando o conhecimento técnico ao acadêmico, em cursos de especialização junto a institutos como o J.L.Kellog e o MIT, entre outros. E advém dessa combinação o equilíbrio que ele aconselha aos jovens engenheiros na tomada de decisões que, num mercado cada vez mais competitivo e complexo, “não podem ser lineares”.
Nesta entrevista exclusiva à In The Mine, Guerra analisa o contexto global e nacional da mineração, a legislação ambiental brasileira e a importância da comunicação institucional e social do setor. Detalha conceitos de sustentabilidade e destaca a necessidade de “regras claras, práticas e competitivas” no novo Marco Regulatório da Mineração. Para o atual momento econômico, recomenda: “Se não estamos com o modo crescimento ligado, devemos ligar o modo melhoria de eficiência, produtividade e custos”.
ITM: Qual é a sua análise da mineração brasileira hoje?
Guerra: Como qualquer atividade econômica, a mineração está inserida num cenário global onde as altas taxas de crescimento de países emergentes, como a China, não estão mais ocorrendo. Essa retração externa se reflete no cenário interno, gerando impactos no nível de investimento. As empresas se endividaram para ampliar sua capacidade de produção e, com a queda dos preços das commodities, tiveram de recuar um pouco. O lado positivo desse contexto é que momentos como esses são muito propícios a movimentos de melhorias de eficiência, produtividade e custos. A menor demanda por atividades de crescimento propicia que as empresas se voltem a seus processos internos. É um momento de gestão – interna e externa.
ITM: Como a AngloGold Ashanti se coloca nesse cenário?
Guerra: O ouro não é diferente de outros mercados. Até 2012, ele atingiu uma cotação de cerca de US$ 1,9 mil por onça. A partir de 2013, houve uma queda acentuada das cotações. A AngloGold Ashanti aproveitou essa oportunidade de aumento dos preços. Estávamos preparados para realizar nossa expansão no Brasil com recursos próprios e colocamos nossos projetos em operação com sucesso. Na queda de preços, já tínhamos feito a maior parte dos investimentos. Agora, seguimos com a operação dessas minas, dentro dos padrões de produtividade e custos adequados a este momento.
ITM: Como o senhor avalia a evolução da mineração, com destaque para operações subterrâneas como as da AngloGold Ashanti?
Guerra: Em paralelo ao crescimento econômico mundial, houve uma expansão da demanda por minerais. Toda expansão gera oportunidades de otimização da cadeia de valor do negócio. As grandes questões são os benefícios, em termos de oferta, de maior competitividade, de inserção num contexto mais global. Outra coisa importante é que a mineração começou a utilizar tecnologias de outros setores.
ITM: O senhor pode exemplificar?
Guerra: Em uma mina subterrânea, por exemplo, trabalhamos com o controle remoto de equipamentos, melhorando e ampliando a segurança operacional, eliminando riscos desnecessários e evitando a exposição de pessoas. Outro exemplo é a automatização bem maior do comando de ventilação das minas que temos hoje, com maior eficiência energética. A mineração amadureceu dentro de um conceito de sustentabilidade. Essa grande evolução trouxe também um salto de qualidade, na medida em que tornou possível atender às demandas num curto período de tempo.
ITM: Comparado a outros países mineradores, como se situa o Brasil em termos de processos produtivos e de gestão?
Guerra: Há algumas questões de âmbito institucional, como a dos licenciamentos minerários e ambientais. Num contexto geral, a mineração brasileira compete com outros mercados, que são mais ágeis e mais eficientes sob esses aspectos. De outro lado, precisamos melhorar a produtividade da nossa mão de obra. Também a nossa legislação ainda está atrasada em muitas áreas e as empresas devem investir mais em conhecimento e planejamento técnico. A competitividade da mineração brasileira não se sustenta apenas pela qualidade intrínseca dos seus recursos minerais. Esse é um conceito do passado. Há um conjunto de fatores que confirmam a condição de competitividade. Entre eles, custos, logística, legislação, gestão, conhecimento. Há muito que caminhar ainda nessa direção.
ITM: Aproveitando a referência, quais são os principais gargalos logísticos do setor em sua opinião?
Guerra: A dependência da logística ocorre em maior ou menor grau, dependendo do mercado em que se trabalha, mesmo em mineração. No caso do ouro, em termos de quantidade, de volume, não há uma dependência tão grande quanto à logística de escoamento. Há questões mais importantes como os custos internos – a logística interna de suprimento – e externos.
ITM: E no que se refere à legislação ambiental brasileira? O senhor a considera rigorosa em relação à de outros países?
Guerra: Em primeiro lugar, não vejo nada de errado em termos uma legislação mais rigorosa. Enquanto país, se queremos uma mineração sustentável temos que nivelar por cima a nossa legislação. Quanto à eficiência dos processos, é preciso buscar a excelência sempre. As empresas não vão confrontar uma exigência ambiental. Elas querem que o processo de licenciamento tenha demandas objetivas que, uma vez atendidas, garantam um resultado certo. O licenciamento ambiental se confunde, hoje, com um licenciamento quase social. Como não temos uma referência, em termos objetivos, ele se transforma em crítica à atividade.
ITM: O que também decorre da dificuldade de comunicação das mineradoras com a sociedade civil…
Guerra: Essa questão é sempre levantada como um dos nossos principais desafios. Acredito que os modelos que temos trabalhado são perspectivas institucionais da mineração. Sou conselheiro do IBRAM (Instituto Brasileiro da Mineração), onde temos um grupo técnico de comunicação, que busca tangenciar e trabalhar esse tema da melhor forma possível. Sob o ponto de vista da empresa, o processo é um pouco diferente. A mineração tem uma interação e uma integração muito forte com a comunidade onde atua, que é quem concede, localmente, a licença social à atividade. Assim, contribuir para o desenvolvimento sustentável dessas áreas de influência é o grande trabalho que a mineração deve realizar.
ITM: E esse trabalho é reconhecido?
Guerra: Sim. Hoje, verificamos que o sentimento negativo em relação à mineração está muito mais presente em municípios que não possuem operação mineral. É algo até irônico. Basta conferirmos o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) das comunidades onde temos mineração. Um exemplo, no nosso caso, é Crixás, em Goiás, que teve uma evolução de 75% em seu IDH, entre a década de 1990 e 2010. Sem a mineração, ela não estaria sequer na média do estado, muito menos acima dela como está agora. Aliás, nos principais municípios mineradores, a média do IDH é superior à média regional.
ITM: Até porque a mineração, em muitos locais, é a única indutora do desenvolvimento local.
Guerra: Com certeza. O segredo, na verdade, a chave do sucesso, é ser mais responsável. Não apenas aproveitar o momento, mas preparar a comunidade para o dia que não estivermos mais ali. Esse é um trabalho que deve ser feito em conjunto com a comunidade.
ITM: Qual é sua posição quanto ao projeto do novo Marco Regulatório da Mineração?
Guerra: Estamos tratando desse assunto, de uma forma geral, através do IBRAM. Conceitualmente, há princípios que devem, na minha opinião, nortear esse processo. Temos muitas empresas de capital estrangeiro atuando no setor e eu, como bom brasileiro, quero trazer esses recursos para o país. Para isso, precisamos de boas condições de investimento e regras claras, práticas e competitivas, equiparáveis às melhores do mundo. Cabe ao novo MRM preservar a competitividade e as condições de atração de capital, não só de produção, mas principalmente para a exploração mineral e a pesquisa geológica.
ITM: Houve um grande prejuízo a junior companies que atuavam em pesquisa mineral no Brasil devido ao projeto do novo MRM.
Guerra: Sim. As junior companies têm um papel importante na cadeia de valores do Brasil. São empresas dotadas de excelente capital humano, tecnologia e acesso ao capital de risco, fatores que, às vezes, não encontramos aqui. Elas precisam de condições para uma boa operação. Eu tenho certeza de que essa questão será abordada adequadamente. Como as interações da mineração são muito amplas – de interesse de comunidades locais, da União, dos órgãos reguladores, etc –, o equilíbrio dessas forças é complexo e a discussão requer os melhores caminhos. Sou otimista e acho que conseguiremos, agora, avançar nesses pontos.
ITM: Qual o impacto da crise hídrica e da potencial crise energética sobre as operações da AngloGold Ashanti no Brasil?
Guerra: Sem dúvida, há impacto, embora ainda não consigamos quantificar sua extensão hoje. Internamente, já acionamos os nossos planos de contingenciamento de risco. Primeiro, como prática de gestão, a energia integra nosso conceito de sustentabilidade. Há uma série de ações voltadas ao uso racional de recursos, que vai muito além da questão de responsabilidade social. Não é uma imposição. É uma característica do negócio. Então, já temos vários programas internos para minimizar o consumo de água e energia. No caso da energia, somos produtores e consumidores. E estamos trabalhando em arranjos operacionais que nos tornarão plenamente preparados para responder a um potencial cenário de racionamento.
ITM: Inclusive, já tivemos experiências anteriores…
Guerra: Sim.Tivemos o racionamento de 2001, quando o compromisso da população brasileira em ser mais eficiente gerou mais de 15% de redução do consumo. Como sociedade, eu acho que teremos um caminho. Embora o melhor dos mundos não é reagir a uma situação de crise. Precisamos, cada vez mais, de planejamento e gestão. Porque, efetivamente, o problema não é a seca ou o aumento demasiado da demanda.
ITM: Considerando a experiência bem sucedida da AngloGold Ashanti, quais são os conceitos que devem nortear os programas de sustentabilidade e quais os erros comuns nesse processo?
Guerra: Temos tido, realmente, uma trajetória de muito sucesso nas questões ligadas à responsabilidade social corporativa, com amplo reconhecimento público, ainda que não seja esse o objetivo de nossos programas. Alguns conceitos são básicos. Um deles é ter a licença social não só concedida como compartilhada. E não apenas no que se refere ao relacionamento com as comunidades e às questões ambientais, mas de forma a garantir apoio e suporte à operação mineral. Ela tem que ser percebida pela comunidade como algo que tornou essa comunidade melhor do que era antes. Como nossas atividades são muito interligadas a centros urbanos, próximas ou dentro desses centros, temos que ter um cuidado a mais porque a mineração é vista como mais impactante ambientalmente do que outras atividades. O que é bastante discutível tanto em termos qualitativos quanto quantitativos.
ITM: Essa visão também se reflete na própria operação…
Guerra: Claro. Nossa operação de mineração é basicamente subterrânea, onde o nível de risco é mais alto. Essa característica exige condições de segurança e saúde diferenciadas devido ao ambiente confinado de trabalho. O importante é que a sustentabilidade esteja integrada à gestão da empresa, já que ela faz parte do negócio. Um dos erros mais comuns é não enxergar essa necessidade de integração plena e constante, em lugar de obrigação ou atividade adjetiva. Outro erro, talvez o principal, é colocar o tema no discurso e não efetivá-lo na prática. Se não houver uma evidência concreta do que se está fazendo e de como isso é percebido, você não está conseguindo passar sua mensagem.
ITM: Dentro das atuais projeções econômicas, quais os investimentos mantidos pela AngloGold Ashanti para este ano?
Guerra: Se não podemos ligar o modo de crescimento e expansão, ligamos o de melhoria de eficiência, produtividade, custos, etc. Assim, neste momento, nossos investimentos estarão relacionados à reposição e melhoria de equipamentos, introdução de novas técnicas de processo e inovação tecnológica, além de garantir a reposição de reservas de qualidade através da pesquisa mineral.