O ” CORAÇÃO” DOS ESTUDOS DE VIABILIDADE TÉCNICO-ECONÔMICA

Glaucia

Qualidade da informação no processo de declaração de recursos minerais: definições iniciais

Esta edição (In The Mine nº 103 – maio/junho 2023) inicia uma nova série de artigos técnicos, com a discussão sobre a influência da qualidade da informação, utilizada para a definição de classes padronizadas, pelos instrumentos nacionais e regionais de declaração de recursos e reservas minerais.

Desde as fases iniciais de exploração geológica até o início de um empreendimento mineiro, bem como durante todo o planejamento para sua operação e para efetivo controle de teores, são realizados altos investimentos em informação, com a finalidade de melhor compreender e modelar o comportamento do minério de interesse. O “coração” da confiança nos estudos de viabilidade técnico-econômica dos empreendimentos mineiros, em todas as fases do ciclo de vida, é a qualidade da informação utilizada no processo de classificação e declaração de recursos e reservas minerais.

As amostras – de onde são extraídas as informações mais importantes – utilizadas para a estimativa de volumes e teores, devem fielmente representar todo o corpo mineralizado, quanto à localização espacial dos dados dos diversos tipos de amostras e sondagens, e a todos os demais parâmetros.  Especialmente, em depósitos de baixos teores ou alta variabilidade geológica, torna-se ainda mais importante a garantia do correto posicionamento de todas as amostras, associado à eficiência nas etapas de coleta, preparação e análise, para garantia dos níveis de lucratividade e produtividade.

As orientações para classificação dos padrões internacionais são todas relacionadas à confiabilidade geológica e à fase do projeto, que estão diretamente associadas aos métodos de aquisição de dados e à qualidade do processo. Sinclair e Blackwell (2002) apresentam a introdução do seu livro Applied Mineral Inventory Estimation com a frase de autoria anônima, citada por Champigny & Armstrong (1994 apud SINCLAIR & BLACKWELL, 2002), que sinaliza o quanto se gasta em tempo e dinheiro na coleta de informações:

“A vida da mina não começa no dia em que a produção inicia, mas muitos anos antes, quando a empresa almeja explorar um depósito mineral. Grandes investimentos em tempo e dinheiro são gastos apenas procurando, localizando e quantificando uma ocorrência mineral promissora. (SINCLAIR & BLACKWELL, 2002).”

O Quadro 1 apresenta algumas definições, por diversos autores, de termos relacionados a dados, informação, sistemas de gestão e governança, relevantes para o tema.

Quadro 1 – Conceitos relacionados a dados e informação

Fonte Termo Definições
Davenport & Prusak (1998) Dados Conjunto de fatos distintos e objetivos, relativos a eventos. Não têm significado inerente e nada dizem sobre a própria importância ou irrelevância. Descrevem parte do que aconteceu, mas não fornecem julgamento nem interpretação e nem qualquer base sustentável para a tomada de ação. São facilmente estruturados e capturados por máquinas. São frequentemente quantificados.
Informação Mensagem, geralmente na forma de um documento ou uma comunicação audível ou visível, que tem emitente e receptor, com a finalidade de mudar a visão do destinatário sobre algum assunto e exercer algum impacto sobre seu julgamento e comportamento. Tem significado, relevância e propósito. Exige consenso sobre seu significado e necessária mediação humana.
Takai et al. (2005) Dados Valor de um campo armazenado, matéria-prima para obtenção de informação.
Informação Dados compilados e processados de acordo com solicitação de consultas e análises.
Base de Dados Coleção de dados relacionados.
Modelo de dados relacionais Modelo simples, formal, com estrutura de dados uniforme, que representa os dados da base de dados como uma coleção de relações, em que cada relação pode ser entendida como uma tabela ou um simples arquivo de registros.
Sistema Gerenciador de Base de Dados (SGBD) Coleção de programas que permitem aos usuários criarem e manipularem uma base de dados. É um sistema de software de propósito geral, que facilita o processo de definir, construir e manipular bases de dados de diversas aplicações.
Sistema de Base de Dados Composição da base de dados com um software de gerenciamento
STI/MP (2016) Governança de Dados Conjunto de políticas, processos, pessoas e tecnologias que visam estruturar e administrar os ativos de informação. Visa aprimorar a eficiência dos processos de gestão e qualidade dos dados, afim de promover eficiência operacional e garantir a confiabilidade das informações que suportam a tomada de decisão.
Barbosa & Lyra (2019) Dados Base de todo o processo de geração da sabedoria organizacional e o primeiro estágio a ser atingido. Representam fatos por meio de um conjunto de caracteres primitivos e isolados, geralmente representados através de textos, números, imagens, sons ou vídeos. Os dados não possuem qualquer significado relevante dentro de um contexto de negócio (dados sem contexto).
Metadados Representam os significados dos dados, obtidos por: informações sobre estrutura, formato, tamanho e restrições (metadados técnicos); e informações sobre definições, conceito, relevância e regras de negócio dos dados envolvidos (metadados de negócio).
Informação Correspondem aos dados processados com algum significado.
Conhecimento Processamento das informações com significados, premissas, padrões de comportamento, tendências e valores agregados, a partir de um conjunto de regras de manipulação e características dessas informações. São o subsídio para soluções de problemas e tomadas de decisão.
Gerenciamento de dados Desenvolvimento, execução e supervisão de planos, políticas, programas e práticas que entregam, controlam, protegem e aprimoram o valor dos ativos de dados e informações durante todo o seu ciclo de vida.
Informação de qualidade Deriva de dados qualificados, característica essencial que determina a confiabilidade dos dados para a tomada de decisões.

Barbosa & Lyra (2019) consideram os dados como um “ativo da organização” e apresentam diversas características, sintetizadas no Quadro 2.

Quadro 2 – Características de dados de qualidade, por Barbosa & Lyra (2019)

Tópico Características
Características gerais dos dados Dados ainda não são contabilizados no balanço da maioria das organizações. É complexo atribuir-lhes um valor monetário e difícil mensurar como contribuem para o sucesso organizacional. São duráveis e não se desgastam e, embora fáceis de copiar e transportar, não podem ser reproduzidos se perdidos ou destruídos. São dinâmicos e podem ser usados para várias finalidades e por várias pessoas ao mesmo tempo.
Valor do dado O valor dos dados pode e deve ser expresso em termos econômicos: chamar dados de um ativo implica atribuir seu valor. Os dados não são consumidos quando usados, como os ativos financeiros e físicos. Têm características únicas que os diferenciam de outros ativos e não são tangíveis como ativos físicos ou contabilizáveis como ativos financeiros. Embora existam técnicas para medir seu valor qualitativo e quantitativo, ainda não existem padrões para isso. As organizações que desejam tomar melhores decisões sobre seus dados devem desenvolver maneiras consistentes de quantificar seu valor. Também devem medir os custos de dados de baixa qualidade e os benefícios de dados de alta qualidade.
Riscos Dados mal gerenciados apresentam riscos éticos e de segurança. Dados imprecisos, incompletos ou desatualizados indicam riscos, porque suas informações não estão corretas. Dados podem ser facilmente copiados e replicados e, assim, podem ser violados sem serem “retirados” de seus legítimos proprietários. Ameaças: 1) Uso indevido: se os consumidores de dados não tiverem informações suficientes e corretas (metadados) sobre os dados que usam, existe o risco de utilizá-los ou compreendê-los mal; 2) Não Confiabilidade (Unreliability): se a qualidade e a confiabilidade dos dados não forem estabelecidas por normas e métricas, existe risco de que decisões sejam baseadas em dados não confiáveis; 3) Uso inadequado: se os dados não estiverem protegidos, poderão ser utilizados por pessoas não autorizadas para fins não autorizados.
Características dos dados de baixa qualidade Custam dinheiro. Se não atenderem às necessidades de seus consumidores, o esforço para coletar, armazenar, proteger e permitir o acesso a eles é desperdiçado. Muitos dos custos são ocultos e indiretos e, portanto, difíceis de mensurar.
Consequências da baixa qualidade dos dados Retrabalho. Soluções alternativas e processos de correção ocultos. Ineficiências organizacionais ou baixa produtividade. Conflito organizacional. Insatisfação do usuário. Custos de oportunidade, incluindo a incapacidade de inovar. Custos ou multas por conformidade.
Como mensurar o valor dos dados Custos de obtenção e armazenamento; de sua substituição se forem perdidos; de potenciais riscos associados e mitigação desses riscos; e de melhoria desses dados. Impacto para a organização se houver perda. Benefícios de dados de maior qualidade. Vantagens de compartilhar esses dados. Retorno esperado pelo uso inovador desses dados.

Nos próximos artigos, serão discutidos os documentos normativos de padronização relacionados à qualidade de dados, critérios de qualificação da informação, aspectos de gerenciamento de sistemas de informação e principais requisitos e metodologias de avaliação da qualidade de dados.

Acompanhem!

1Geóloga e Mestre em Recursos Minerais pelo IGc-USP, Doutora em Engenharia Mineral pelo PMI-EPUSP e Diretora Executiva da GeoAnsata Projetos e Serviços em Geologia.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, W.; LYRA, R. Enap. Governança de Dados: Princípios, importância e desafios do Gerenciamento de Dados. Brasília, 2019. Disponível em: https://repositorio.enap.gov.br/handle/1/5008. Acesso em: 28 mar 2021.

CUCHIERATO, G. (2022), A importância da qualidade da informação no processo de declaração de recursos minerais. 297 f. (Tese de Doutoramento em Engenharia de Minas). Departamento de Engenharia de Minas e do Petróleo da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2022.

DAVENPORT, T.; PRUSAK, L. Conhecimento empresarial: como as organizações gerenciam o seu capital intelectual. Tradução: Lenke Peres. Rio de Janeiro: Campus, 1998.

SINCLAIR, A. J.; BLACKWELL, G. H. Applied Mineral Inventory Estimation. Cambridge/UK: Cambridge University Press, 2002.

STI/MP – SECRETARIA DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO / MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, DESENVOLVIMENTO E GESTÃO. Portaria nº 58, de 23 de dezembro de 2016. Dispõe sobre procedimentos complementares para o compartilhamento de bases de dados oficiais entre órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta e as demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União. Disponível em: https://www.gov.br/conarq/pt-br/legislacao-arquivistica/portarias-federais/portaria-no-58-de-23-de-dezembro-de-2016. Acesso em: 09 nov. 2021.

TAKAI, O.K.; ITALIANO, I.C.; FERREIRA, J.E. Introdução a banco de dados DCC-IME-USP. 2005. Disponível em: https://www.ime.usp.br/~jef/apostila.pdf. Acesso em: 20 ago. 2019.

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