O “CAÇADOR DE ROCHAS”

O “CAÇADOR DE ROCHAS”

Por Tébis Oliveira,

ITM7_PesronaFotoFoi com essa personagem que o geólogo Cláudio Scliar participou de um projeto de iniciação à geologia do Centro de Desenvolvimento Infantil da UFMG, onde é professor titular. Ao ser apresentado aos alunos, no encerramento do programa, uma criança quis saber qual era a pedra mais preciosa do mundo. Ele respondeu: “É aquela de que mais gostamos, porque é muito especial para nós ou porque nos foi dada por alguém muito especial”. Era uma forma de dizer, explicou uma das professoras do centro, que todos podem ter a sua própria pedra preciosa. A linha de raciocínio é similar quando Scliar afirma que “existe um lugar ao sol para todos” na mineração, de mega-empresas aos garimpos. Entusiasta da organização dos trabalhadores do setor em cooperativas e do incentivo a arranjos produtivos locais, ele não só acredita nisso como defende que o governo tenha políticas que atendam às demandas dos diferentes segmentos da produção mineral.

Os dois exemplos ilustram bem quem é o titular da Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral (SGM), órgão do Ministério das Minas e Energia (MME). De um lado, o idealismo herdado do pai e do avô, “exemplos para me envolver nas lutas pela construção de uma sociedade melhor para todos”. De outro, a militância em movimentos sociais e partidários que, mesmo na condição de docente, jamais abandonou. Formado geólogo em 1972 pela UFRJ, com especialização em Ciência Política e Política Brasileira pela UFMG (1986), em Economia Mineral pelo Ibram (1988) e em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana pela Fiocruz (1997), Scliar também é doutor em Geociências pela Unicamp (2000). Foi geólogo da Docegeo (CVRD) e possui três títulos sobre mineração publicados, outro em vias de o ser e um quinto, em fase de pesquisa.

Até em função de sua trajetória acadêmica, Scliar assume posições que, no consenso geral (e muitas vezes leigo) já foram e recorrentemente voltam a ser objeto de polêmica. Casos da supressão do uso do amianto e da autorização do exercício da atividade minerária para empresas estrangeiras em regiões de fronteira. Para Scliar, o Brasil possui hoje uma das mais avançadas políticas de saúde, ambiental e de trabalho para o uso controlado de amianto e as pressões para banir seu emprego não refletiriam senão uma “disputa comercial”. Já o projeto de lei em curso para permitir que também mineradoras internacionais possam operar nas áreas de fronteira é, na sua definição, “uma proposta que objetiva incentivar a presença de atividades econômicas legais nas fronteiras que, muitas vezes, se tornam terra de ninguém”.

Outro conceito que o secretário aborda, nesta entrevista exclusiva à revista In The Mine, é o de sustentabilidade da mineração que, afirma, deve incluir os impactos positivos e negativos, não somente ambientais, mas econômicos e sociais, causados numa determinada comunidade, região ou mesmo no País. Scliar fala ainda do garimpo de Serra Pelada e do esforço para a regularizar os títulos minerários na região, que credita “à vontade de corrigir erros históricos que envolveram dezenas de milhares de garimpeiros”. Por fim, atende ao pedido da reportagem para, neste início de segunda gestão, enviar um recado à mineração brasileira. A mensagem soa mais como um convite. Ou como uma convocação: “Comunique-se, interaja, participe”. “A pedra mais preciosa do mundo é aquela  de que mais gostamos, porque é muito especial para nós ou porque nos  foi dada por alguém  muito especial”

ITM: Antes de vir para a SGM, o senhor foi secretário-adjunto de Minas e Metalurgia. Seus planos eram incrementar a produção local de alguns minerais, valorizar os quadros do DNPM e da CPRM, formalizar o garimpo e desenvolver políticas ambientais, econômicas e sociais em áreas mineradas e voltadas à saúde e segurança dos mineradores. Esses planos foram concretizados?
Scliar: Conseguimos algumas vitórias, que nos orgulham, mas ainda temos muitos desafios a superar, o que nos anima a continuar na briga para conseguir resolvê-los. Vamos aos fatos: para o incremento da produção local de minerais foi decisiva a modernização do DNPM, que viabilizou a aprovação de 1.140 relatórios finais de pesquisa por ano, entre 2003 e 2006, a assinatura de 482 portarias de lavra em 2006 e o apoio à organização de 21 arranjos produtivos de base mineral em todo o País. Quanto à valorização do quadro funcional, conseguimos um feito histórico ao aprovar o PCCS (Plano de Carreiras, Cargos e Salários) e fazer concurso público para mais 300 servidores do DNPM.  Na CPRM ainda não conseguimos a aprovação do PCCS, o que continua sendo nossa principal preocupação nessa área. Em relação à saúde e segurança ocupacional dos trabalhadores do setor mineral, o DNPM criou uma comissão específica e tem desenvolvido uma série de ações nesse sentido.

ITM: Qual é a política nacional de mineração hoje?
Scliar: Desde que assumimos, tivemos como objetivo incentivar ações para a descoberta e abertura de novas minas, entendendo o papel da mineração como importante para a geração de renda, emprego e tributos, o fornecimento de matéria-prima para a indústria nacional, o desenvolvimento regional sustentável e, com destaque, a contribuição no equilíbrio da balança comercial do país. Nesse último aspecto é importante ressaltar que o saldo comercial do setor mineral bateu novo recorde em 2006, com a exportação de US$ 29 bilhões e a importação de US$12 bilhões, respondendo por 37% do saldo da balança comercial no ano.

ITM: Quais ações foram ou estão sendo implementadas para efetivar essa política?
Scliar: Para cumprir os objetivos estabelecidos na política nacional foram definidos três grandes eixos: reorganizar a Secretaria como formuladora e implementadora das políticas nacionais de geologia e mineração; modernizar o DNPM para cumprir o seu papel de gestor das políticas minerais, o que é fundamental para a segurança, rapidez e transparência dos títulos minerários; capacitar a CPRM na retomada dos levantamentos geológicos, aerogeofísicos e hidrogeológicos, gerando e disseminando informações básicas para a descoberta de novos depósitos minerais e o ordenamento territorial do país.

ITM: Concretamente, quais resultados foram alcançados? A modernização do DNPM viabilizou a aprovação de 1.140 relatórios de pesquisa por ano, a assinatura de  482 portarias de lavra  em 2006 e o apoio à organização de 21 arranjos produtivos de base.
Scliar: São muitos os exemplos dos resultados que conseguimos nesses quatro anos, num trabalho que uniu a SGM, o DNPM e a CPRM e que sempre teve o apoio da ministra Dilma Roussef, até julho de 2005, e do ministro Silas Rondeau, a partir de então. Gostaria de destacar a reestruturação da Secretaria, com a criação de quatro departamentos e a participação ativa nas discussões do PPA (Plano Plurianual) 2004-2007, além da informatização nos procedimentos burocráticos do DNPM que, juntamente com os 300 novos servidores, é a chave para a recuperação dessa importante entidade do setor mineral brasileiro. A CPRM, por sua vez, somente nos últimos quatro anos, elaborou 92 novas folhas, nas escalas 1:100.000 e 1:250.000, e cobriu 1.739.949 km de perfis lineares de levantamento aerogeofísico, equivalendo a mais de 70% do total desses levantamentos feitos no Brasil desde 1953.

ITM7_PesronaPERFIL

ITM: Quais seriam então os principais indicadores dessa sustentabilidade?
Scliar: No meu entendimento, não existem indicadores universais, mas para cada região devem ser considerados os potenciais do solo e subsolo, a história, a cultura e as barreiras econômicas para o crescimento de maneira. A agenda 21 do setor mineral, que estamos desenvolvendo em alguns municípios mineradores em parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Sustentável do MMA (Ministério do Meio Ambiente), é um caminho para isso.

ITM: E quanto ao PPA?
Scliar: A base das políticas de mineração e geologia foi justamente a aprovação de três programas no PPA 2004-2007, específicos e com recursos próprios para cada um dos órgãos de políticas públicas federais do setor mineral. Outro destaque foi a publicação da Lei 10.848/04, que regulamentou a distribuição dos royalties do petróleo, garantindo recursos não orçamentários para os levantamentos geológicos. Também importante foi a inclusão de 22 projetos, no valor de R$ 24 milhões, no Projeto Piloto de Investimento (PPI), até então exclusivo para empreendimentos de infra-estrutura.

ITM: A mineração, como um todo, é sustentável?
Scliar: A extração de bens minerais é uma atividade fundamental da sociedade humana. Os minérios metálicos e os não metálicos fazem parte do nosso dia-a-dia desde os primórdios da civilização. Após a revolução industrial, essa dependência tornou-se ainda maior e o modo de viver humano, em todo o mundo, tem como base produtos, alimentos e serviços fabricados e viabilizados com os bens minerais. Assim, não se pode analisar o conceito de sustentabilidade da mineração como se fosse restrito às questões ambientais. É necessário avaliar também os impactos positivos e negativos econômicos e sociais provocados numa determinada comunidade, região ou mesmo no País.

ITM: Quanto ao garimpo, a concessão de títulos para a COOMIGASP (Cooperativa Mista dos Garimpeiros de Serra Pelada) é uma fórmula adequada para formalizar a atividade no Brasil?Scliar: Não. O esforço que estamos fazendo para regularizar os títulos minerários na região do antigo garimpo de Serra Pelada se refere somente à vontade de corrigir erros históricos que ocorreram naquela região, envolvendo dezenas de milhares de garimpeiros que até hoje esperam alguma solução por parte do governo. A regularização do titulo da COOMI-GASP na antiga cava de Serra Pelada não significará o retorno da atividade garimpeira, mas a pesquisa geológica para a obtenção da concessão de lavra.

ITM: Em termos de atuação nacional em relação ao garimpo, qual tem sido a política do governo?
Scliar: Temos desenvolvido uma série de ações de apoio aos pequenos mineradores, independente da sua forma de organização. A pequena e muito pequena mineração de bens minerais de baixo valor unitário (areia, brita, cascalho e outros) e de alto valor unitário (gemas, ouro, diamante, cassiterita e outros) é uma realidade que envolve centenas de milhares de pessoas em todo o País. Por intermédio de ações como o Portal da Mineração, “site” com informações específicas, os Telecentros Minerais, que estamos instalando em cooperação com o MDIC (Ministério do Desenvolvimento da Indústria e Comércio), para a inclusão digital dos pequenos mineradores, os arranjos produtivos locais de base mineral, que visam organizar a extração e agregar valor na cadeia produtiva e o Programa de Formalização, temos criado condições para que a regularização seja mantida mesmo quando programas governamentais não mais estiverem presentes nas regiões.

ITM: O senhor continua contrário à supressão do uso do amianto?
Scliar: Sim e defendo minha posição a partir de três enfoques principais. Como geólogo, considero importante diferenciar as políticas públicas de impacto à saúde, referentes às substâncias químicas naturais e às sintéticas. Por exemplo, para banir o benzeno ou os plásticos, bastaria fechar suas fábricas. Não é o caso de minerais, como os amiantíferos, que ocorrem na natureza. Em segundo lugar, aprendi em minha especialização de saúde do trabalhador na Fiocruz que não se pode criminalizar uma matéria-prima, qualquer que seja ela. Os problemas resultantes da má utilização do amianto são conhecidos há mais de 50 anos e, justamente para controlá-los, foram desenvolvidos tecnologias, procedimentos e organização nos locais de trabalho, tanto por parte dos empresários como dos trabalhadores. Em terceiro lugar, para cada grama de amianto que deixa de ser usado, são consumidos produtos sintéticos patenteados por seus fabricantes e cujos efeitos à saúde ainda não são totalmente conhecidos. Por essas razões, considero o banimento do amianto uma disputa comercial que não contribui com a saúde dos trabalhadores e prejudica o Brasil, que será impedido de aproveitar um recurso mineral que possui em grande quantidade.

ITM: Há segurança, então, em se manter o aproveitamento do amianto?
Scliar: Atualmente, posso afirmar que o Brasil possui uma das mais avançadas políticas de saúde, ambiental e de trabalho para o uso controlado do amianto.

ITM: Na edição 6 da revista In The Mine tratamos da pesquisa mineral. Os três estados mais pesquisados – Minas Gerais, Goiás e Bahia – são os que investiram em detalhamento geológico e levantamentos aerogeofísicos. O que está sendo feito pelo governo para contribuir ou incentivar outros estados a fazer o mesmo?
Scliar: Gostaria de destacar que os levantamentos aerogeofísicos nesses três estados foram realizados em parceria com o governo federal. Além deles, também o Tocantins realizou aerogeofísica em parceria com a CPRM. Uma das prioridades das nossas políticas foi estabelecer parcerias com os estados, universidades e outros órgãos públicos federais e estaduais. Assim, contribuímos na realização dos diagnósticos do setor mineral nos estados do Piauí, Rio Grande do Norte e Tocantins. A CPRM editou mapas geológicos do Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Rondônia, Piauí, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio Grande do Norte e Goiás. A proposta é dar continuidade a essas parcerias tanto na produção dos diagnósticos como nos mapas geológicos, de maneira a fortalecer e contribuir na organização da atividade mineral nos estados.

ITM7_PesronaGrandeITM: O Brasil se ressente da falta de técnicos e profissionais para a área de mineração. Como, na sua opinião, essa lacuna deve ser sanada?
Scliar: A contratação de profissionais pelo governo através de concursos públicos e o aumento da atividade minerária, que provoca a procura de profissionais, tem refletido na ampliação dos inscritos nos vestibulares das escolas de geologia e engenharia de minas. A maior entrada de calouros e a queda da evasão dos veteranos permitirão a formação de maior quantidade de profissionais nos próximos anos. De qualquer forma, o problema em curto prazo se agravará e é necessária uma articulação com as universidades e escolas técnicas para encontrar alternativas.

ITM: O que fazer com o passivo de mineração existente no Brasil?
Scliar: Existem diferentes casos de passivos ambientais resultantes da mineração brasileira. Alguns, por representarem importantes momentos da nossa sociedade, podem ser preservados e aproveitados como patrimônio da humanidade. Por exemplo, as minas para extração de ouro no Quadrilátero Ferrífero e de diamante na Chapada Diamantina (MG), de scheelita, em Currais Novos (RN) e de carvão mineral em Criciúma (SC). Outros passivos, em especial os originados da mineração de agregados nos centros urbanos, têm sido utilizados pelas prefeituras, como é o caso da Ópera de Arame, em Curitiba (PR), ou como bacias de contenção da água de chuvas em Porto Alegre (RS) e São Paulo (SP). Os passivos de minas abandonadas também precisam ser recuperados e quando o responsável pelo direito minerário é conhecido deve-se cobrá-lo para que assuma a responsabilidade da recuperação.  Se o passivo é órfão, cabe ao governo federal estabelecer as parceria s possíveis com os estados, municípios e o setor empresarial de maneira a viabilizar sua recuperação.

ITM: O senhor defende mudanças na legislação de fronteira, admitindo também a presença de mineradoras sob controle acionário internacional. Porquê?
Scliar: O Brasil possui 15.719 km de fronteiras com 150 km de largura, em 11 estados, o que representa em torno de 27% do território nacional. A lei 6.634/79 proíbe que empresas com maioria de capital não nacional pesquisem ou extraiam minérios nessa faixa. A proposta de Projeto de Lei do MME altera essa disposição permitindo o investimento de empresas estrangeiras nessa região, desde que cumpram alguns condicionantes como, por exemplo, a agregação de valor nos minérios extraídos. É uma proposta que objetiva incentivar a presença de atividades econômicas legais nas fronteiras que, muitas vezes, se tornam terra de ninguém.

ITM: Num setor marcado pela presença de grandes grupos nacionais e internacionais, há um lugar ao sol para as empresas menores?
Scliar: A mineração é exercida desde pequenas até gigantes unidades produtivas. Por isso, não só existe lugar ao sol para todos, como os entes públicos precisam ter políticas para atender as demandas desses diferentes segmentos da produção mineral. Quem não consideraria importante a extração de calcário, base da indústria cimenteira, cal e corretivos de solo?  Quem não consideraria importante a extração de ferro, responsável pelo superávit da nossa balança comercial e matéria-prima de nossas siderúrgicas? Quem não consideraria importante a extração de areia e cascalho, base de toda a construção de residências, estradas e obras civis em geral?

ITM: E como lidar com essa diversidade?
Scliar: Talvez uma das grandes novidades do governo Luiz Inácio Lula da Silva foi abrir as portas do MME para todos os segmentos da mineração. Diariamente tratamos assuntos de interesse das muito grandes, grandes, médias, pequenas, muito pequenas, cooperativas e garimpos dedicados à extração mineral. Nesse conjunto de responsabilidade a regularização da extração informal sem dúvida é um dos maiores desafios aos quais nos dedicamos em ações conjuntas com o DNPM.

ITM: Que recado o senhor nesse início de gestão, ao setor de mineração nacional?
Scliar: Comunique-se, interaja, participe. Um dos maiores problemas da mineração é que a população, os gestores públicos, os parlamentares, os estudantes, os professores e, as vezes, até mesmo os trabalhadores das minas e suas famílias, não sabem da importância do minério extraído nem do papel econômico para o município, o estado e a União daquela mina.  Além de ampliar a comunicação com a sociedade, os responsáveis pelo setor mineral precisam construir indicadores de sustentabilidade que permitam o acompanhamento diuturno das suas ações em relação às comunidades onde estão instalados.

(Janeiro/fevereiro 2007)

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