Introdução
A relação entre a mineração e o ordenamento territorial municipal comporta diversas abordagens. Duas serão tratadas neste artigo:
- Mineradora inicia atividade em área rural, longe de tudo e de todos. Com o passar dos anos, núcleos urbanos se aproximam da mineração, em razão da ausência de ordenamento territorial.
Alguns que se mudaram para o local com a mineração já instalada começam a reclamar da atividade.
- Mineradora é constituída obedecendo a determinado sistema normativo, e esse sistema é alterado, criando mais restrições e custos expressivos para sua atividade.
Pré-ocupação da mineração e aproximação da comunidade
Situação que ocorre frequentemente, foco de muitos conflitos, é a pré-ocupação da mineração e a posterior aproximação de núcleo urbano.
Essa aproximação ocorre, normalmente, em razão da ausência de Zoneamento Urbano ou, mesmo havendo o Zoneamento, quando ele é desrespeitado pela comunidade, sob o olhar complacente do Município.
O mesmo cidadão que construiu sua casa perto da mina será o primeiro a reclamar de alguma poeira ou barulho, mesmo que esses incômodos estejam dentro dos limites legais de tolerabilidade.
Se houver mínimo senso moral ou segurança jurídica, a mineração não deve ser prejudicada por problema que o Município causou.
Em situações como essa, o normal é o Município que deu causa ao problema agir como se nada tivesse com o assunto, lavar as mãos e empurrar a solução para o empreendedor.
Instalação da mineração e posterior alteração legislativa
Problema comum, também, é a instalação da mineração que obedece a determinado sistema normativo ser posteriormente surpreendida com disposições mais restritivas, que geram obstáculos operacionais significativos e grande elevação de custos para o desenvolvimento da atividade.
Um dos maiores administrativistas brasileiros, Hely Lopes Meirelles, em artigo denominado Proteção Ambiental e Ação Civil Pública,[2] ensina:
O mais sério problema a ser resolvido é o da pré-ocupação de bairros ou áreas por indústrias e outras atividades poluidoras que, posteriormente, venham a ser consideradas em uso desconforme, diante da nova legislação para o local.
Em tais casos, não pode a Administração paralisar sumariamente essas indústrias e atividades, nem lhes reduzir a produção, porque isso ofenderia o direito adquirido,[3] em conformidade com as normas legais anteriores.
Essa lição de MEIRELLES deve ser, naturalmente, contextualizada para a mineração, em razão das suas peculiaridades.
É certo que não há direito adquirido em causar impactos ambientais negativos além daqueles previstos nos estudos ambientais, naturalmente dentro dos limites legais de tolerabilidade.
Entretanto, também é certo que a empresa não pode ficar sujeita a voluntarismos, inércia ou arbitrariedades do legislador ou administrador público.
Vê-se, então, a importância da decisão referente à definição da ocupação territorial baseada em dados e critérios técnicos de qualidade, idôneos, isentos de tendências políticas e ativismos.
Gestão do espaço territorial de interesse da mineração
Infelizmente, comportamento dos mais comuns é a empresa se preocupar tão somente com o imóvel onde se localiza a jazida e as instalações do empreendimento, esquecendo-se do seu entorno.
A falta de planejamento fundiário e de gestão do espaço ao redor da empresa, valendo-se da compra do imóvel, Servidão Mineral ou Desapropriação, faz com que o empreendedor seja surpreendido quando já é tarde demais. Tarde demais, porque o loteamento já foi aprovado; tarde demais, porque a comunidade já se aproximou.
E há grande diferença entre confrontar um proprietário de terra nua e os proprietários de imóveis em loteamento aprovado.
Conclusões
Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda, afirmou que, no Brasil, até o passado é incerto.
No Brasil, também não há nada mais incerto do que o futuro.
Pensemos em qualquer tipo de violação da segurança jurídica e encontraremos um precedente no Brasil.
Portanto, a prevenção e a antecipação são as chaves para garantir a perenidade do empreendimento. Quando se trata de conflitos relacionados à ocupação do espaço, há apenas uma solução possível: realizar a gestão do espaço territorial em todos os seus matizes, quais sejam, a gestão fundiária no seu sentido mais amplo e o uso das ferramentas jurídicas disponíveis: a Servidão Mineral e a Desapropriação.
[1] WILLIAM FREIRE. Advogado. Professor de Direito Minerário. Fundador do Instituto Brasileiro de Direito Minerário – IBDM. Diretor e coordenador do Departamento do Direito da Mineração do Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Árbitro da Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial Brasil – Camarb. Alguns livros e capítulos de livros publicados: Comentários ao Código de Mineração. (2ª ed. 1995). Revista de Direito Minerário (1997. Vol. I – coordenador). Direito Ambiental Brasileiro (1998). Revista de Direito Minerário (2000. Vol. II – coordenador). Recurso Especial e Extraordinário (2002 – coautor). Os recursos cíveis e seu processamento nos Tribunais (2003 – coautor). Direito Ambiental aplicado à Mineração. Belo Horizonte: (2005). Natureza Jurídica do Consentimento para Pesquisa Mineral, do Consentimento para Lavra e do Manifesto de Mina no Direito brasileiro (2005). Código de Mineração em Inglês (2008 – cotradutor). Dicionário de Direito Minerário. Inglês – Português. (2ª ed. 2008 – coautor). Gestão de Crises e Negociações Ambientais (2009). Dicionário de Direito Ambiental e Vocabulário técnico de Meio Ambiente. (2ª ed. 2009 – coordenador). Mineração, Energia e Ambiente (2010 – coordenador). Fundamentals of Mining Law (2010). Código de Mineração Anotado e Legislação complementar em vigor. (5ª ed. 2010). Aspectos controvertidos do Direito Minerário e Ambiental (2013 – cocoordenador). The Mining Law Review. (6a. ed.). Capítulo do Brasil. London: The Mining Law Reviews (2017). Direito da Mineração. Cocoordenador (2017). Capítulo: Avaliação judicial de rendas e danos para pesquisa mineral. Riscos Jurídicos na Mineração. Manual (2019). O mínimo que todo empresário necessita saber sobre Direito Penal. Manual (2019 – coautor). International Comparative Legal Guides. Mining Law 2020: A practical cross-border insight into Mining Law. (7ª ed.). London: Global Legal Group Limited (2020), capítulo Brasil, e Direito Minerário: Acesso a imóvel de terceiro para pesquisa e lavra. (2ª ed. 2020). Direito da Mineração (Instituto dos Advogados de Minas Gerais, 2ª ed. 2023 – organizador).
[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Proteção Ambiental e Ação Civil Pública. Revista dos Tribunais. Volume 611. SET/1986, p. 7-13.
[3] Porque a empresa estava regular, considerando a legislação da época em que foi constituída.