Crown pillar é a estrutura rochosa que separa as operações a céu aberto ou de superfície (cavas) das operações subterrâneas em uma mina. Segundo Michele Márcia de Souza, coordenadora de Geomecânica da Equinox Gold, o dimensionamento do projeto de lavra de um crown pillar considera, principalmente, a qualidade do maciço rochoso e a geometria das escavações subterrâneas, áreas já exauridas e inativas no caso da Mineração Fazenda Brasileiro, adquirida pela Equinox Gold em 2020.
Na mina, localizada na cidade de Barrocas, no nordeste da Bahia, esse tipo de lavra foi iniciado em 2021 e viabilizado a partir de estudos que indicaram a presença de conteúdo metálico (ouro) em regiões mais rasas, em conjunto com avaliações para o dimensionamento de crown pillar mínimo durante as atividades de operação. O método contempla desmontes a céu aberto com varações em antigas escavações no subsolo, posteriormente preenchidas.
O processo viabiliza novas áreas de operação, contribuindo para a produção e o aumento da vida útil da mina. Em Fazenda Brasileiro, ele já responde por 30% da produção de ouro, percentual que tem perspectivas de acréscimo nos próximos anos. A lavra em crown pillar pode ser viabilizada para outras minerações, diz Michele. “Para isso é necessário avaliar a espessura da zona de transição até a rocha sã, considerando que trabalhamos no contexto de um maciço rochoso e, em paralelo, validar a espessura do crown pillar em relação às escavações subterrâneas”, explica a coordenadora.
O tema é objeto dos artigos “Determinação da Espessura Ideal para Crown Pillar através de Modelagem Numérica” e “Metodologia para Gerenciamento de Riscos em Lavras de Crown Pillar”, de autoria de Michele Souza, Marina Ramos Campos, assistente de Geotecnia, e Arilton Ferreira Nascimento, geólogo geotécnico, da Equinox Gold. Os estudos de caso foram apresentados durante o Cobramseg 2024, realizado entre 24 e 27 de setembro passado, em Balneário Camboriú, Santa Catarina. No evento ocorreram simultaneamente o XXI Congresso Brasileiro de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica, o X Simpósio Brasileiro de Mecânica das Rochas e o X Simpósio Brasileiro de Engenheiros Geotécnicos Jovens. A íntegra dos artigos será disponibilizada no site da revista In the Mine (inthemine.com.br).
Dimensionamento e riscos
Há 38 anos em operação, a mineração Fazenda Brasileiro já produziu mais de 3,3 milhões de onças de ouro. Seu foco principal é a extração do minério por meio de lavra subterrânea, usando o método Sublevel Stoping, na sequência Top Down, atualmente a uma profundidade superior a 1.000 metros. Diferente da sequência Bottom UP, que prevê o enchimento dos stopes já lavrados para continuação da lavra nos níveis superiores, a sequência Top Down mantém as escavações abertas, estabilizando-as por meio de pilares verticais e horizontais, também conhecidos como rib pillar e sill pillar.
Nos últimos anos, a expressiva valorização das cotações de ouro, associada ao desenvolvimento de novas tecnologias e aos custos elevados com o aprofundamento da mina, viabilizaram a reabertura das operações a céu aberto em Fazenda Brasileiro, em áreas com menores teores de minério e trechos de crown pillar no subsolo, de forma simultânea (Imagem 1). A lavra em bancadas, com aprofundamento do Open Pit nas áreas já escavadas no subsolo, implicando na interação com seus espaços vazios, confere maior complexidade no gerenciamento do processo para a mitigação dos riscos. O crown pillar, por exemplo, precisa ter um dimensionamento contínuo devido às diferenças de potência/largura dos vazios, que podem variar entre 5 e 20 metros, em média.
Considerando essas especificidades, as equipes de Geomecânica, Geologia, Planejamento e Operação da mina desenvolveram uma metodologia para a caracterização daquelas áreas. O trabalho utiliza métodos geofísicos e sondagens investigativas, aos quais foi integrada a tecnologia de escaneamento. Somados a eles, são realizados levantamentos de dados geológicos e geotécnicos, como mapeamento estrutural e classificações do maciço, que resultam em modelos geotécnicos bidimensionais ou tridimensionais, conforme a complexidade da geometria local, e análises numéricas, que viabilizam ou não a lavra acima do pilar. “Se não mapeadas, a operação em áreas de crown pillar estreito é de alto risco para pessoas e equipamentos. Nossa metodologia é uma ferramenta chave para o gerenciamento desses riscos”, explica Michele.
O principal risco da lavra do crown pillar é a queda imprevista dos pilares durante as etapas de investigação, perfuração e carregamento de explosivos para o desmonte de rocha. Para minimizar essa possibilidade, o Comitê de Gestão de Vazios da mina realiza reuniões semanais com todo o time envolvido na operação, pontuando as áreas de atuação e tratativas necessárias ao trabalho. “Também integramos ao processo a utilização de um scanner de furo, para identificar e monitorar os vazios existentes”, diz Michele. Segundo ela, o aparelho é muito preciso na obtenção da geometria exata dos vazios através de sua introdução nos furos investigativos, podendo acessar áreas remotas.
Caso os pilares não atinjam fatores de segurança adequados, as perfurações e desmontes são executados fora do limite de influência das escavações subterrâneas, seguidos de validações para checar a quebra do pilar e, só assim, dar início ao processo de lavra. Os equipamentos são os mesmos empregados em uma mineração a céu aberto convencional, diz Michele.
Metodologias
Outro desafio é o de mapear as galerias mais rasas que, tendo sido lavradas no início da operação da mina, tiveram a maior parte dos dados topográficos registrados em papeis, que não foram digitalizados e se perderam com o passar dos anos. Nesse caso, podem ser utilizados métodos como o GPR (Ground Penetrating Radar) e a Eletrorresistividade, onde as anomalias detectadas podem estar relacionadas a regiões potenciais de vazios e serão validadas através de perfurações investigativas.
O GPR se baseia na propagação de ondas eletromagnéticas (EM) de alta frequência, variando de 10 MHz a 2,5 GHz, a partir de uma antena transmissora colocada na superfície da área. Essas ondas são refletidas e refratadas, sendo recebidas pela antena receptora. Dedicado à investigação e detalhamento de alvos rasos, o processamento dos dados coletados realça os contrastes do GPR para distinguir possíveis anomalias do subsolo. A partir desses resultados (Imagem 2), é realizada a interpretação dos dados.
Já a eletrorresistividade emprega a técnica de caminhamento elétrico, ao longo de linhas paralelas e transversais, identificando anomalias mais profundas que o GPR. O tipo de caminhamento dependerá da necessidade da investigação, se com maior profundidade ou maior resolução. As cores mais quentes do perfil de processamento dos dados são características de regiões com potenciais escavações subterrâneas e vazios (Imagem 3).
A partir de sólidos tridimensionais desenhados com os resultados dos levantamento geofísicos, são adicionadas sondagens exploratórias para validar os dados de geometria e profundidades identificadas. Para o posicionamento correto dos furos são adotadas as premissas de crown pillar mínimo que definirá se os furos poderão seguir com inclinação de 90° ou se terão que ser perfurados fora da região a ser investigada.
Dependendo do tipo e posicionamento das escavações a serem investigadas, o mapeamento só poderá ser viabilizado com o uso de drones. A Fazenda Brasileiro utiliza modelos equipados com a tecnologia do LIDAR Slam (algoritmo de localização e mapeamento simultâneo), que funciona utilizando um laser scanner. Esse levantamento é realizado a partir do subsolo, em regiões próximas às programadas para serem lavradas pelo Open Pit, e corresponde ao método de maior precisão para esse tipo de cenário, contribuindo para aumento da segurança e redução do tempo de espera para execução das sondagens exploratórias confirmativas.
Para compreender melhor as rupturas que ocorrem no entorno do plano de perfuração, envolvendo regiões em interação com vazios, são feitas análises numéricas, prevendo diferentes cenários de variação. Essas análises bidimensionais ou tridimensionais, através de softwares específicos, que irão influenciar, principalmente, na garantia do rompimento do crown pillar, no preenchimento completo dos vazios e na avaliação da condição do talude final e da berma após a varação.
Após o desmonte em uma área a céu aberto com interação com o subsolo, é preciso garantir as condições segurança antes de qualquer atividade operacional. Para isso, uma equipe multidisciplinar confirma a quebra do crown pillar e avalia se houve o preenchimento parcial ou total do vazio. Essa avaliação é feita através do acompanhamento dos desmontes por drone, seguido de inspeção próxima ao local de varação. No caso de não haver evidência de rompimento do crown pillar após o desmonte, é definido um raio de segurança para isolar a região detonada, cujo entorno passa por novas investigações a fim de orientar as novas diretrizes de trabalho.
As equipes operacionais seguem um plano detalhado de escavação, elaborado pelas áreas de Geomecânica, Planejamento e Operação, de forma a garantir a execução de todas as etapas da lavra, minimizando os riscos a ela associados.
Imagem em destaque: Eletrorresistividade: cores mais quentes realçam vazios (Fotos: Equinox Gold/Divulgação)