LACUNAS AXIOLÓGICAS NO ARTIGO 176

por-williamfreire

O art.176 da Constituição da República vem sendo estudado há 34 anos. Já conhecemos tudo sobre ele? Se não, deveríamos.  Ainda há muitas questões interessantes sendo debatidas.

A Constituição menciona que a pesquisa e a lavra de recursos minerais serão conduzidas mediante autorizações e concessões. Como ficam, então, as Permissões de Lavra Garimpeira — PLG e as Licenças Minerais registradas na Agência Nacional de Mineração — ANM? São inconstitucionais? Não. Quais os fundamentos para tanta certeza?

A Constituição garante o produto da lavra aos concessionários. Também têm garantido o direito ao produto da lavra os titulares das PLGs, das Licenças Minerais?

Os titulares de Guias de Utilização têm garantido o direito ao produto da extração?

A expressão recursos minerais foi utilizada no seu sentido técnico ou no sentido popular?

Em que momento as jazidas e demais recursos minerais passam a ser “propriedade” (da União) distinta da do solo?

Qual a natureza jurídica desse pertencimento das jazidas e dos demais recursos minerais? Os atributos da propriedade da União sobre um prédio e sobre uma jazida mineral são iguais? Se a resposta for afirmativa (na verdade, os atributos são diferentes), como admitir o consentimento do Município para o consumo de um bem da União?

Quais princípios jurídicos podem ser extraídos do art.176 e reconhecidos pela comunidade acadêmica?

A Constituição garante a participação do proprietário do imóvel no resultado da lavra. Trata-se apenas do proprietário que detém todos os atributos do domínio, ou o nu-proprietário pode ser incluído?

A Constituição, posterior ao Código de Mineração, dispõe que as autorizações e as concessões não poderão ser cedidas e/ou transferidas sem prévio consentimento da ANM. Há a mesma exigência para as Licenças Minerais e para as PLGs? Sim ou não? E sob quais fundamentos jurídicos?

Ainda que, intuitivamente, já se possa responder a todas essas questões, existe um método para dar a resposta de forma técnica: são os meios de integração e os métodos de interpretação dos preceitos jurídicos para a aplicação do Direito. Neste caso, do Direito Minerário.

O ponto de partida é o art.4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Por meio dele, entendemos que quando não (a) houver lei (lacuna normativa) ou, (b) se existente a lei, ela não for clara (lacuna axiológica), o intérprete decidirá o caso de acordo com (i) a analogia (legis ou juris), (ii) os costumes (sociais, administrativos ou judiciais) e (iii) os Princípios Gerais de Direito.

Em seguida, devemos entender quais são os métodos de interpretação. Há pouca divergência doutrinária quanto à relação desses métodos: gramatical (ou literal), racional (ou lógico), sistemático, histórico ou teleológico (ou sociológico).

Apesar de usadas algumas vezes como sinônimos, hermenêutica e interpretação não se confundem. Hermenêutica é a parte da ciência jurídica que estuda os processos lógicos de interpretação e integração dos preceitos jurídicos para aplicação do Direito. Interpretar é buscar o sentido das expressões do Direito.

Algumas lacunas axiológicas já foram resolvidas. Um exemplo é o consenso construído em torno do entendimento de que os rejeitos e estéreis estão inseridos na classificação produto da lavra. Quanto a isso, é importante registrar que não foi a Resolução 85/2021 da ANM que definiu que rejeitos e estéreis integram o conceito de produto da lavra. A lacuna axiológica foi resolvida no nível da Constituição. A Resolução da ANM apenas regulou o que já existia no mundo jurídico, porque não está entre as competências das Agências Reguladoras incluir ou excluir qualquer bem da esfera jurídica do particular ou da Administração Pública.

“Violentas interpretações constituem fraude da lei.” (cf. FRANÇA, R. Limongi. Hermenêutica Jurídica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2008, p. 37.). Por isso, a importância de estudar os meios de integração e os métodos de interpretação para aplicação do Direito. A falta de técnica pode levar o intérprete a uma interpretação cuja conclusão seja (i) inexequível, (ii) absurda, (iii) não faça sentido na prática, (iv) imponha ao administrado obrigação e/ou esforço desnecessário e/ou desproporcional em relação ao resultado pretendido ou (v) empurre para o administrado a solução de problema criado pela Administração Pública.

Interpretar as normas jurídicas e aplicar o Direito é simples: parte da necessidade de obediência ao Direito Positivo válido (não inventando Princípios Jurídicos), do exercício da lógica, do bom senso e do sentimento de justiça.

O certo, entretanto, é que, apesar de tantas ferramentas e conteúdos disponíveis, a doutrina em torno do art.176 da Constituição está longe de poder ser considerada estabilizada.

1William Freire é advogado, professor de Direito Minerário e Direito Ambiental Aplicado à Mineração, sócio fundador da William Freire Advogados Associados

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.