Por David Siqueira Fonseca e Mathias Heider1
(1Especialistas em Recursos Minerais da Agência Nacional de Mineração -ANM)
- Introdução
Pesquisa mineral é a fase da indústria mineral em que se pretende encontrar novos recursos minerais (projetos greenfield) ou ampliar os já existentes (projetos brownfield). No caso de projetos greenfield é uma atividade de alto risco e, segundo Marini (2016), de cada 1.000 alvos preliminares (ocorrências minerais), apenas 1 torna-se efetivamente uma mina, sendo que as descobertas de grandes depósitos no mundo têm sido cada vez mais escassas e profundas, o que faz com que as empresas incorram em custos mais elevados. No Brasil, os titulares de alvarás de pesquisa declaram a pesquisa greenfield via Declaração de Investimentos em Pesquisa Mineral – DIPEM e os investimentos brownfield no Relatório Anual de Lavra – RAL. Este artigo objetiva detalhar o que foi declarado na DIPEM ao longo do período de 20 anos (2003 a 2023).
A DIPEM foi instituída pela Portaria nº 259, de 16 de julho de 2004, do Diretor-Geral do então DNPM (Departamento de Produção Mineral), com base no inciso II do art. 13 do Código de Mineração, no inciso VIII do art. 3º da Lei nº 8.876, de 1994, e no inciso VIII do art. 25 do Regulamento do Código de Mineração, que tratam da obrigatoriedade do fornecimento de informações ao órgão para a implantação e gerenciamento de bancos de dados, de forma a subsidiar as ações de política mineral necessárias ao planejamento governamental. Em 2013, a Portaria foi atualizada pela de nº 519/DNPM, no qual a entrega da DIPEM passou a ser apenas por meio eletrônico.
- Evolução da DIPEM e da Pesquisa Mineral
O gráfico 1 apresenta a evolução do investimento em pesquisa mineral de 2003 a 2023. Para comparação, inserimos os investimentos mundiais em exploração mineral no mesmo período, referentes a minerais não ferrosos, conforme pesquisa da S&P Global. Nota-se que a DIPEM acompanha a tendência da pesquisa mineral mundial, com quedas em 2009, devido à crise do Subprime, e em 2020, início da pandemia do COVID.
Gráfico 1 – Evolução dos investimentos em pesquisa mineral de 2003 a 2023

Andrade (2001) em sua Tese de Doutorado, mostra a diminuição dos investimentos em pesquisa mineral no Brasil no período 1982 a 1998, que iniciaram com US$ 279 milhões e terminaram a série histórica com US$ 68 milhões, um quarto do valor inicial, com forte concentração nos minerais metálicos. De fato, a década de 1990 é conhecida pela paralisação dos investimentos, reduzidas cotações das commodities minerais e ausência de empregos para profissionais da área de Geologia/Engenharia de Minas.
Conforme o Gráfico 1, o panorama da pesquisa mineral mudou nos anos 2000, com a retomada dos investimentos devido ao crescimento de economias emergentes, como a China e a Índia, e a entrada do mundo no chamado superciclo das commodities, boom que gerou um aumento no número de requerimentos de pesquisa mineral no Brasil. A partir de 2020, o cenário mineral começou a mudar com a descarbonização da economia, que passou a ser uma meta global, e a demanda por tecnologias de energia limpa levou a um aumento na exploração de metais de transição energética, como lítio, cobalto, grafite e terras raras.
Atualmente estão registrados na ANM (Agência Nacional de Mineração) 23.707 requerimentos de pesquisa, 102.915 autorizações de pesquisa e 3.898 direitos de requerer a lavra, fase na qual o Relatório Final de Pesquisa já foi aprovado pela ANM (base abril de 2025, disponível em: https://geo.anm.gov.br/portal/apps/dashboards/3a3d30677bb743e2901818e906257ce4). A série histórica dos títulos minerários, desde 1988, pode ser obtida em: https://www.gov.br/anm/pt-br/centrais-de-conteudo/mineracao-em-numeros/copy_of_estatisticas/evolucao-dos-titulos-minerarios-no-brasil/evolucao-dos-direitos-minerarios-1988-2024.pdf
Com a transformação do DNPM em ANM e a atualização da legislação minerária/medidas regulatórias, o Brasil adotou o conceito de recursos e reservas, editando a Resolução 94/2022. Essa resolução disciplina a classificação das reservas minerais, com base em padrões internacionalmente aceitos de declaração de resultados, nos termos do § 4º do art. 9º do Decreto nº 9.406, de 12 de junho de 2018, e dá outras providências.
Uma das formas de financiamento de pesquisa mineral é o modelo das bolsas de valores, como as de Toronto (TMX) e Austrália (ASX), modelo que as entidades do setor no Brasil envidam esforços para trazer ao país, o que poderia levar a um incremento na pesquisa mineral. Como mecanismos de incentivo há o Flow to Share, usado no Canadá, em que os investidores podem deduzir os custos da pesquisa como incentivo fiscal.
Em termos de inovação na pesquisa mineral nos últimos anos cita-se o uso da Inteligência Artificial (IA) no processamento dos dados e informações, geoprocessamento, digitalização e integração de dados e análises geoestatísticas. A pesquisa mineral se insere na chamada Mineração 4.0, em que o algoritmo inteligente de estatística e otimização realiza tarefas complexas, como a modelagem geológica e a avaliação inicial de viabilidade econômica.
- Principais substâncias
Em relação às substâncias minerais, é importante ressaltar que no mundo, segundo a publicação S&P Global 2021, os orçamentos de exploração mineral foram alocados no período 2010-2020, entre as substâncias não ferrosas, principalmente para ouro (60%), cobre (28%), chumbo/zinco (7%) e níquel (5%). No Brasil, selecionamos para o período 2003-2023 as principais substâncias em termos de valor investido, conforme mostrado na Tabela 1 e visualmente no gráfico 2.
Tabela 1: Valor e percentual de investimento por substância, acumulado de 2003 a 2023
Posição | Substância | R$ Bilhões | % do total |
1º | OURO | 4,6 | 28,78% |
2º | FERRO | 2,4 | 15,00% |
3º | COBRE | 1,8 | 11,12% |
4º | GRANITO | 0,88 | 5,52% |
5º | NÍQUEL | 0,66 | 4,16% |
6º | BAUXITA | 0,5 | 3,13% |
7º | FOSFATO | 0,47 | 2,95% |
8º | ZINCO | 0,43 | 2,69% |
9º | AREIA | 0,4 | 2,48% |
10º | MANGANÊS | 0,36 | 2,25% |
11º | LÍTIO | 0,32 | 2,02% |
12º | POTÁSSIO | 0,29 | 1,80% |
13º | CALCÁRIO | 0,27 | 1,70% |
14º | DIAMANTE | 0,27 | 1,69% |
15º | ARGILA | 0,26 | 1,65% |
16º | ÁGUA MINERAL | 0,19 | 1,17% |
Total DIPEM | 16,01 |
Fonte: DIPEM, 2003 a 2023
Gráfico 2 – Percentual de investimento por substância, acumulado de 2003 a 2023

Fonte: DIPEM 2003 a 2023
Segue o detalhamento das principais substâncias:
– Ouro: foi primeiro lugar nos investimentos em quase toda a série, menos em 2021, quando perdeu para o ferro. O melhor ano foi em 2009 quando representou 46% do total dos investimentos. No acumulado de 2003 a 2023 foram investidos R$ 4,6 bilhões, ou 28,78% do total da DIPEM;
– Ferro: não aparece na série histórica de forma significativa até 2007. Em 2008 assumiu a segunda posição dos investimentos e ficou de forma relevante até o final da série. Em 2021 foi o único ano em que assumiu a primeira posição, com 36,4% dos investimentos, o que indica uma boa resposta às cotações recordes observadas naquele ano. No acumulado de 2003 a 2023 foram investidos R$ 2,4 bilhões, o que representa 15% do total;
– Cobre: sempre relevante na série, no mesmo patamar da bauxita até 2008, e depois quase sempre alternando com o ferro na segunda colocação. Em 2022 representou 19,4% dos investimentos e, em 2023, ficou com 14,8% de participação. No acumulado de 2003 a 2023, os investimentos em cobre somaram R$ 1,8 bilhão ou 11,2% do total da DIPEM;
– Granito: aparece entre as dez principais substâncias minerais em toda a série histórica, mostrando a importância e potencial força das rochas ornamentais no Brasil, além do seu uso na construção civil (brita). Em 2005 e 2006 ocupou o segundo lugar no ranking de investimentos, com 20% e 16% do total, respectivamente. No acumulado de 2003 a 2023, os investimentos em granito somaram R$ 883 milhões, equivalentes a 5,52% do total da DIPEM;
– Níquel: relevante até 2008, sendo que, em 2007, representou 20,2% dos investimentos, atrás apenas do ouro. No acumulado de 2003 a 2023, os investimentos em níquel somaram R$ 666 milhões (4,16% do total da DIPEM);
– Bauxita: aparece de forma relevante de 2003 a 2012, sendo que, em 2004, atingiu a segunda posição com 11,9% dos investimentos totais. No acumulado da série 2003 a 2023 foi a sexta substância que mais recebeu investimentos, com R$ 501 milhões, representando 3,13% do total da DIPEM;
– Fosfato e Potássio: o fosfato só aparece na série de forma relevante em 2009, refletindo a alta de preços, e ficou entre as 10 primeiras substâncias até 2019, sendo que em 2014 e 2015 representou mais de 7% dos investimentos totais. Foi a sétima substância no acumulado de 2003 a 2023, com R$ 472 milhões investidos. O potássio, por sua vez, ficou entre as dez maiores substâncias de 2011 a 2014, sendo que, em 2013, representou 6,1% dos investimentos totais. De 2003 a 2023 foi a décima segunda maior substância em valores investidos, com R$ 289 milhões;
– Zinco: aparece em vários anos da série e em 2017 e 2018 ultrapassou os 6% de participação nos investimentos. No acumulado 2003 a 2023 foi a oitava maior substância, com R$ 430 milhões de investimentos, correspondentes a 2,69% do total da DIPEM;
– Areia: possui baixos valores de investimentos por processo, mas devido à quantidade acaba sendo relevante na série. No acumulado 2003 a 2023 ficou na nona posição, com R$ 397 milhões;
– Manganês: nunca teve uma participação muito significativa, mas entre 2019 e 2021 aparece entre os primeiros colocados, com 5,1% de participação em 2020, coincidente com os aumentos de preços. No acumulado 2003 a 2023 ocupa a décima posição, com R$ 359 milhões;
– Lítio: aparece de forma relevante em 2022 e 2023, sendo que nesse último ano da série histórica representou quase 14,5% dos investimentos totais da DIPEM. Esses dois anos foram responsáveis por colocar a substância na décima primeira posição entre as maiores no acumulado de 2003 a 2023, com R$ 323 milhões.
Outras substâncias como o calcário, diamante, argila e água mineral completam o ranking das 16 maiores substâncias de 2003 a 2023. O diamante foi pesquisado no Brasil de forma efetiva na série histórica, até 2008, registrando um recorde em 2003 com 14,5% dos investimentos totais, em segunda posição, atrás somente do ouro. O fim dos investimentos relevantes na substância coincide com a saída da DeBeers do Brasil.
Por fim, em relação às médias de investimentos (total de investimentos pela quantidade de processos), considerando apenas o ano de 2023, o cobre ficou com uma média de participação de R$ 657.378; o lítio com R$ 596.854; o níquel com R$ 489.950; o zinco com R$ 445.423; o ouro com R$ 320.243; e o ferro com R$ 296.390, sendo que o ouro é a substância, entre as citadas, com maior quantidade de processos.
- Análise da DIPEM nos principais Estados
Em relação aos Estados, considerando o totalizador de 2003 a 2023, Minas Gerais, Pará e Bahia foram os principais destinos dos investimentos na pesquisa mineral, com R$ 3,3 bilhões, R$ 3 bilhões e R$ 2,7 bilhões, representando, 21%, 19% e 17% dos totais, respectivamente. Goiás e Mato Grosso completam o rol dos cinco principais Estados que receberam mais de R$ 1 bilhão cada no período, sendo R$ 1,5 bilhão para Goiás e R$ 1,3 bilhão para Mato Grosso.
Os demais Estados foram classificados como “Outros” representando R$ 4,1 bilhões entre 2003 e 2023. Individualmente ficaram bem distantes dos cinco primeiros, mas, como era de se esperar, despontam de acordo com determinadas substâncias. Como exemplo, pode-se citar o investimento em potássio no Amazonas a partir de 2011, elevando em mais de dez vezes o valor que era investido anualmente, de R$ 5 milhões para R$ 59 milhões em 2013. Dos demais Estados, o mais relevante foi o Rio Grande do Sul, com R$ 403 milhões, seguido de Ceará (R$ 377 milhões), Tocantins (R$ 331 milhões) e Amazonas (R$ 329 milhões), sempre considerando os valores acumulados de 2003 a 2023. Os demais Estados receberam menos de R$ 300 milhões no período apurado.
Gráfico 3 – Evolução dos investimentos em pesquisa mineral de 2003 a 2023, por Estado

- Segmentação dos investimentos
De 2019 a 2023, os investimentos estão segmentados nas áreas de Infraestrutura, Geologia, Prospecção Geoquímica, Sondagens, Análise Física, Galeria/Shafts, Topografia/Cartografia/Desenho, Trincheira/Poço, Prospecção Geofísica, Análise Química, Ensaio de Beneficiamento e Outros. Desse conjunto, apenas os itens apresentados na Figura 4 são representativos: Sondagens (30%), Infraestrutura (21%), Geologia (13%) e Análise Química (5%).
Gráfico 4 – Detalhamento dos investimentos em pesquisa mineral de 2019 a 2023

- Conclusões
A diversidade geológica brasileira mostra que a pesquisa mineral é bastante abrangente em termos de substância, sendo que os maiores investimentos no período de 2003 a 2023 foram em ouro, cobre e ferro. Em relação aos Estados, pontuam principalmente Minas Gerais, Pará e Bahia. Quanto à segmentação das atividades, o foco está em sondagens, infraestrutura e Geologia.
O potencial identificado para as argilas iônicas em diversas unidades federativas no Brasil deverá refletir em relevante elevação na pesquisa de Terras Raras. Os minerais críticos para a transição energética também permitem estimar substancial elevação nos próximos anos, como já acontece com o lítio. No entanto, como mostra a série histórica, ouro, cobre e ferro deverão continuar a ser as principais substâncias pesquisadas no Brasil.
Uma série de projetos relevantes foram resultantes desses investimentos: fosfato, na Serra do Salitre e Patrocínio (MG); chumbo, cobre e zinco, pela Karmin-Nexa (MT); bauxita em Barro Alto (GO); terras raras com a Serra Verde (GO); diamante com a Lipari (BA); vanádio com a Largo (BA); lítio com a Sigma Lithium (MG); níquel com a Atlantic Nickel (BA); cobre com Salobo, Antas North, Pedra Branca e Tucumã (PA); ouro com a Serabi(PA), Amarillo/Hoschchild (GO), Luna/Equinox (MA) e Nova Xavantina (MT); e Ferro com a Bamin (BA) e a Anglo American (MG).
Cabe destacar o exitoso trabalho realizado pela Companhia Baiana de Pesquisa Mineral – CBPM, que foi nucleador de diversos projetos de mineração na Bahia. Já o Projeto de Lei 5424/2023 dispõe sobre medidas para incentivo ao capital privado para investimento em pesquisa mineral, nos moldes do já citado Flow Through Share adotado no Canadá.
A pesquisa mineral é fundamental para identificar e quantificar depósitos minerais (reduzindo os riscos do projeto e maximizando o aproveitamento mineral) e sua continuidade durante a etapa de lavra permite detalhar a jazida e ampliar as reservas. A reposição das reservas minerais representa a continuidade da atividade mineral, garantindo o atendimento das necessidades do mercado e maximizando os benefícios da mineração. O mapeamento geológico eleva o conhecimento geológico em escalas apropriadas, servindo de grande estímulo à pesquisa mineral. A constância dos procedimentos de oferta pública seguida de leilão repõe áreas e movimenta o setor, evitando o acúmulo de áreas paradas na ANM e aumentando os investimentos em pesquisa mineral.
Referências:
ANDRADE, J. G. (2001). Competitividade na exploração mineral: um modelo de avaliação. Tese de Doutoramento, USP.
MARINI, Onildo. Potencial Mineral do Brasil. In: Recursos Minerais do Brasil: Problemas e Desafios. MELFI, Adolpho et. al. (orgs.). Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Ciências, 2016.
https://mineracaosustentavel.org.br/projetos/projeto-de-lei-5424-2023/
https://geo.anm.gov.br/portal/apps/dashboards/3a3d30677bb743e2901818e906257ce4