Por: William Freire[1] e Ana Maria Damasceno de Carvalho Faria[2]
Dando sequência à série de análises da tendência dos tribunais relativas às decisões envolvendo o Direito da Mineração, analisaremos as decisões mais relevantes proferidas pelo Tribunal Regional Federal.
O primeiro acórdão[3] trata de desapropriação para alargamento da faixa de domínio de uma ferrovia. Entre as várias discussões, o expropriado alegou que a desapropriação de parte de seu imóvel impediria a exploração de um “veio de ametistas” para cujo aproveitamento não obteve consentimento da Agência Nacional de Mineração (ANM). Naturalmente, essa alegação foi rejeitada e o valor da indenização oferecida pelo expropriante foi mantido.
Desse acórdão podem-se extrair outras conclusões. O juiz de primeiro grau aceitou o valor oferecido pelo expropriante, baseando-se em laudo unilateralmente elaborado com apoio no Decreto-Lei 3.365 de 1941. Em algumas situações, felizmente poucas, envolvendo a constituição de Servidão Mineral em favor de um direito minerário, o magistrado rejeita o laudo unilateral oferecido pelo minerador.
Não há razão para o Juízo aceitar laudo unilateral pelo expropriante e recusar o laudo unilateral oferecido pelo minerador.
Sendo incontroversa — na doutrina e na jurisprudência — a aplicação subsidiária do Decreto-Lei 3.365/41 ao processo para avaliação de danos e renda para a pesquisa ou lavra, a posição do minerador equivale à do concessionário de que trata o art. 3º desse decreto-lei.
No processo nº 1005242-93.2021.4.01.3500, julgado pelo TRF1[4], há interessante discussão envolvendo o prazo prescricional para a declaração de caducidade ou nulidade da autorização de pesquisa.
O debate ocorreu em razão da divergência entre a redação do art. 66 do Código de Mineração e a do art. 103 do antigo Regulamento, o Decreto 62.934 de 1968.
Código de Mineração, art. 66, § 3º:
A nulidade poderá ser pleiteada judicialmente em ação proposta por qualquer interessado, no prazo de 1 (hum) ano, a contar da publicação do Decreto de Lavra no Diário Oficial da União.
Decreto 62.934/1968, revogado e substituído pelo Decreto 9.406/2018:
- 3º A nulidade poderá ser pleiteada judicialmente em ação proposta por qualquer interessado, no prazo de 1 (hum) ano, a contar da publicação do alvará de pesquisa ou do decreto de lavra no Diário Oficial da União.
O novo regulamento não trata do assunto.
Há vários fundamentos para demonstrar o equívoco da decisão:
- Nada há de obscuro no § 3º do art. 66 do Código de Mineração. A redação é bastante clara.
- Não cabe a um decreto tratar de prazos prescricionais.
- Se, em algum momento, o Poder Executivo entendeu que o prazo para a prescrição da declaração de nulidade das autorizações de pesquisa estava longo, deveria ter alterado a lei; não fazê-lo via decreto.
- Mens legis é o significado do preceito jurídico cujo espírito já está destacado da vontade do legislador. Com a publicação, o espírito da lei separa-se do espírito (ou intenção) do legislador, para afirmar o sentido próprio do seu texto.
- O Código de Mineração completou 57 anos e recebeu diversas alterações nessas décadas. Se o texto do § 3º do art. 66 do Código de Mineração realmente estivesse errado, houve tempo mais que suficiente para que fosse alterado, se o Poder Executivo ou o Legislativo tivesse entendido a redação como equivocada.
- E, por último, o argumento que coloca pá de cal nessa discussão: o novo Regulamento do Código de Mineração não tratou desse assunto. Ficou óbvio para os redatores que prazo de prescrição não é matéria para ser tratada via decreto.
O último assunto, tratado na Apelação/Remessa necessária nº 5026987-40.2018.4.04.7200/SC[5] certamente suscitará debates intensos.
Um minerador, pretendendo lavrar em determinado trecho de leito de rio, apresentou as coordenadas erradas à ANM no momento do requerimento. O título minerário foi outorgado e o minerador começou a lavrar onde, supostamente, havia requerido.
Décadas depois, percebendo o erro, peticionou à ANM, requerendo a retificação das poligonais, para fazê-las coincidir com o local onde, efetivamente, exercia a atividade mineral. Aqui, detalhe relevante: a área onde o minerador estava exercendo sua atividade já estava onerada por requerimento de terceiro (naturalmente, porque o sistema a mostrava livre).
Ao receber a solicitação de retificação, a ANM, além de não a acatar, ainda abriu processo administrativo para anular seu direito minerário.
A decisão considerou que a ANM concorreu para que o erro ocorresse. Outro fator relevante levado em consideração foi o tempo decorrido desde que o minerador começou a exercer a atividade no local equivocado: 30 anos.
Além das polêmicas que a decisão pode suscitar, fica outra questão: a ANM indenizará o minerador que requereu em área livre e perderá seu direito minerário?
Os casuísmos na mineração vão muito além do que o mais sábio legislador pode imaginar.
[1] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação/Remessa necessária nº 5026987-40.2018.4.04.7200/SC. Relator: Juiz Federal convocado Sérgio Renato Tejada Garcia. Data do julgamento: 06/10/2024. https://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/inteiro_teor.php?orgao=1&numero_gproc=40004729079&versao_gproc=3&crc_gproc=cdb72385&term%E2%80%A6 . Aceso em 05/12/2024.
[1] WILLIAM FREIRE. Advogado. Professor de Direito Minerário. Fundador do Instituto Brasileiro de Direito Minerário – IBDM. Coordenador do Departamento do Direito da Mineração do Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Cocoordenador do Comitê de Direito da Mineração e Direito Ambiental do CESA/MG – Centro de Estudo de Sociedade de Advogados. Árbitro da Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial Brasil – Camarb. Alguns livros publicados: Comentários ao Código de Mineração. (2ª ed. 1995). Revista de Direito Minerário (1997. Vol. I – coordenador). Direito Ambiental Brasileiro (1998). Revista de Direito Minerário (2000. Vol. II – coordenador). Recurso Especial e Extraordinário (2002 – coautor). Os recursos cíveis e seu processamento nos Tribunais (2003 – coautor). Direito Ambiental aplicado à Mineração. Belo Horizonte: (2005). Natureza Jurídica do Consentimento para Pesquisa Mineral, do Consentimento para Lavra e do Manifesto de Mina no Direito brasileiro (2005). Código de Mineração em Inglês (2008 – cotradutor). Dicionário de Direito Minerário. Inglês – Português. (2ª ed. 2008 – coautor). Gestão de Crises e Negociações Ambientais (2009). Dicionário de Direito Ambiental e Vocabulário técnico de Meio Ambiente. (2ª ed. 2009 – coordenador). Mineração, Energia e Ambiente (2010 – coordenador). Fundamentals of Mining Law (2010). Código de Mineração Anotado e Legislação complementar em vigor. (5ª ed. 2010). Aspectos controvertidos do Direito Minerário e Ambiental (2013 – cocoordenador). The Mining Law Review. (6a. ed.). Capítulo do Brasil. London: The Mining Law Reviews (2017). Direito da Mineração. Cocoordenador (2017). Capítulo: Avaliação judicial de rendas e danos para pesquisa mineral. Riscos Jurídicos na Mineração. Manual (2019). O mínimo que todo empresário necessita saber sobre Direito Penal. Manual (2019 – coautor). International Comparative Legal Guides. Mining Law 2020: A practical cross-border insight into Mining Law. (7ª ed.). London: Global Legal Group Limited (2020), capítulo Brasil, e Direito Minerário: Acesso a imóvel de terceiro para pesquisa e lavra. (2ª ed. 2020). Direito da Mineração (Instituto dos Advogados de Minas Gerais, 2ª ed. 2023 – organizador).
[2] Doutoranda em Direito pela UFMG. Mestra em Direito pela UFOP. Graduada em Direito pela UFMG. Pós-graduada em Direito Público pela PUC-MINAS. Especialista em Direito Minerário pelo CEDIN. Professora Universitária. Advogada e Diretora Administrativa do Instituto Brasileiro de Direito Minerário – IBDM. Membro do Comitê Jurídico e de Compliance do WIM Brasil. Sócia das áreas de Resolução de Disputas e Assuntos Fundiários no William Freire Advogados Associados. E-mail: ana@williamfreire.com.br
[3] BRASIL. Tribunal Regional Federal da Primeira Região. Relatora: Juíza Federal convocada Olívia Mérlin Silva. Data do julgamento: 22/05/2024.
https://pje2g.trf1.jus.br:443/consultapublica/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=24052210532458400000404663758 Número do documento: 24052210532458400000404663758.
[4] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. 1005242-93.2021.4.01.3500 (Processo referência nº 1005242-93.2021.4.01.3500). Relator: Des. Federal Pablo Zuniga Dourado. Data do julgamento: 31/07/2024. https://pje2g.trf1.jus.br:443/consultapublica/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=24073118075057900000408125822 Número do documento: 24073118075057900000408125822. Consulta em 05/12/2024.
[5] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação/Remessa necessária nº 5026987-40.2018.4.04.7200/SC. Relator: Juiz Federal convocado Sérgio Renato Tejada Garcia. Data do julgamento: 06/10/2024. https://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/inteiro_teor.php?orgao=1&numero_gproc=40004729079&versao_gproc=3&crc_gproc=cdb72385&term%E2%80%A6 . Aceso em 05/12/2024.