Por Gláucia Cuchierato1
Como a indústria da mineração pode contribuir verdadeiramente para o atendimento aos urgentes 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). E seus compromissos diversos, principalmente para redução da pobreza, proteção do planeta e garantia de prosperidade para todos, através do uso de tecnologias mais sustentáveis e lucrativas?
Em 2017 foi publicada a tradução do “Atlas: mapeando os objetivos do desenvolvimento sustentável na mineração” (PNUD, 2017)². Nele constam os compromissos da Agenda 2030 da ONU para o setor, como o plano de ação mundial para a inclusão social, sustentabilidade ambiental e desenvolvimento econômico. Projetado para educar indivíduos e organizações para que possam continuar a se desenvolver de forma equilibrada.
Considerando como premissas atuais do setor mineral a oscilação da demanda de commodities no mercado internacional, o declínio dos teores de minérios e a redução da disponibilidade de depósitos de classe mundial, mais que nunca se destaca a necessidade das empresas buscarem níveis avançados de competência digital para redução de custos, otimização de estratégias e gerenciamento de riscos, objetivando aumento de lucratividade, produtividade, competitividade e, principalmente, restabelecimento da confiança das comunidades, investidores e sociedade em geral.
Consumidores individuais e corporativos estão também exigindo a rastreabilidade da sustentabilidade, não apenas dos produtores, mas de toda a cadeia de suprimentos de minerais, desde o momento em que o minério é extraído até seu uso final. Montadoras de veículos elétricos europeus, por exemplo, já utilizam plataformas em blockchain para rastrear a cadeia de produção de cobalto, desde a República Democrática do Congo, na África, até suas fábricas em todo mundo, de forma a garantir que não haja mão de obra escrava ou infantil, poluição ambiental, conflitos interétnicos, dentre outras fragilidades possíveis.
A gestão atual das empresas engloba ações e estratégias para aumento de eficiência energética, com uso de fontes renováveis, e otimização de recursos, especialmente água, mas as demandas devem ser muito maiores, de forma a também contribuir para o controle das mudanças climáticas e promover o aumento da conscientização sobre o assunto nas comunidades em que estão envolvidas.
Tecnologias disruptivas e inovadoras estão mudando fundamentalmente a face da indústria de mineração, remodelando a dinâmica competitiva e alterando os modelos de negócios e operações mineiras em muitos países. Embora algumas tecnologias não sejam novidade, essa onda é diferente pela qualidade, escala e velocidade com que traz novos rumos.
Está em desenvolvimento pelo Fórum Intergovernamental sobre Mineração, Minerais, Metais e Desenvolvimento Sustentável (The Intergovernmental Forum on Mining, Minerals, Metals and Sustainable Development – IGF)3, o projeto New Tech, New Deal4 com relatório final programado para março de 2020. O projeto visa alavancar a mineração para que os novos investimentos sirvam como mecanismo de desenvolvimento sustentável, ampliando a abrangência dos impactos econômicos, sociais e políticos positivos, de forma a garantir que os impactos negativos sejam limitados e os benefícios financeiros sejam melhor compartilhados pela sociedade.
Dentre as mudanças avaliadas, como a demanda por cargos que exijam funcionários altamente qualificados e com conhecimentos técnicos específicos, associada à maior automação dos diversos processos produtivos, poderá haver uma queda significativa no emprego, com a extinção de trabalhos pouco qualificados e repetitivos, o que afetará mais os profissionais que residem predominantemente nas comunidades adjacentes à atividade de mineração, impactando também na economia local.
Esse movimento pode aumentar o lucro das empresas, mas as expectativas das comunidades não estarão atendidas, resultando em maior dificuldade de obtenção das licenças sociais para operar. Ao mesmo tempo, processos automatizados são considerados mais “verdes”, eficientes, inteligentes e seguros, com menores emissões de gases de efeito estufa, menos acidentes de trabalho e com custos operacionais mais baratos, podendo reverter o cenário de aumento da vida útil de minas que não seriam mais viáveis usando as tecnologias existentes.
Um dos grandes contribuidores atuais nesta discussão é Kash Sirinanda, matemático, engenheiro, pós doutor em planejamento e otimização mineral pela Universidade de Melbourne, Austrália, futurista e fundador da Mine Connector (www.mineconnector.com), entidade de fomento a líderes empresariais e tomadores de decisão, que implementa ideias futuristas neste setor conhecido mundialmente por ser muito conservador.
Sirinanda prevê que a mineração será impulsionada nesta próxima década por duas rodas conceituais, a do mundo digital e a da sustentabilidade, que alavancarão a revisão de processos, com vislumbre à mineração do futuro, com uso de tecnologias cada vez mais disseminadas, como inteligência artificial, aprendizado da máquina, robótica, impressão 3D, realidade virtual e aumentada, gamificação, análises avançadas e computação em nuvem.
O especialista relaciona os ODS’s com os princípios de sustentabilidade na mineração, considerando as interações das dimensões social, econômica, ambiental, de forma direta e indireta (Figura 01). Para Sirinanda, a mineração futurista na próxima década envolve a transformação do setor por líderes visionários, que adotem uma abordagem holística dentro de uma perspectiva mais ampla para explorar o conceito de mineração sustentável futura.
Dessa forma, modelos de negócios digitais e sustentáveis deverão se tornar rapidamente a nova norma no setor de mineração, como forte tendência. As indústrias que não se adaptarem ficarão para trás e perderão importantes oportunidades comerciais, com potencial perda de competitividade e ameaças à sobrevivência das empresas. O engenheiro também destaca a necessária avaliação da maturidade digital em toda a cadeia de valor da mineração, nas diversas áreas da organização (pessoas, processos, análises e dados), para entender os pontos problemáticos, que serão traduzidos em oportunidades e identificados em uma lista de iniciativas digitais, com definição de cada ambição digital adequada à organização para incorporá-la à sua estratégia corporativa.
O Brasil deve se juntar a estas iniciativas nos próximos tempos. Aguardemos!
2 www.igfmining.org, entidade atuante em mais de 60 países, com financiamento principal fornecido pelo Governo do Canadá. e secretaria do The International Institute for Sustainable Development (IISD).
3www.igfmining.org/new-tech-new-deal/, desenvolvido em parceria com o Columbia Center for Sustainable Investment (CCSI), e Mining Shared Value, patrocinado pelo Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH, em nome do German Federal Ministry for Economic Cooperation and Development (BMZ).
Fonte: Sirinanda (2020) – https://mineconnector.com/sustainability/
1Geóloga e Mestre em Recursos Minerais pelo IGc-USP, Doutoranda em Engenharia Mineral pelo PMI-EPUSP (Projeto: “O valor da qualidade da informação no processo de declaração de recursos minerais”) e Diretora Executiva da GeoAnsata Projetos e Serviços em Geologia
2 https://www.undp.org/content/dam/brazil/docs/publicacoes/atlas-mineracao-ods.pdf