CÓDIGO DE MINERAÇÃO: UM REGISTRO PARA O FUTURO

Por William Freire1 e Bruno Costa2

Devo confessar que analisar propostas legislativas não é minha atividade favorita.

Se nem o texto constitucional merece longevidade no Brasil, menos ainda os textos infraconstitucionais. Nada mais voláteis, incertos e efêmeros que os projetos de leis.

Foram 112 emendas constitucionais no Brasil em 33 anos, o que resulta em uma média de 3,7 emendas por ano. Mal comparando, a Constituição dos EUA, com 234 anos, teve 27 emendas.

É evidente que houve pouco tempo para um trabalho de tal envergadura. No final dos trabalhos, era visível que o prazo para entrega do relatório se sobreporia ao conteúdo. Muitos artigos que poderiam ter sido revistos permaneceram iguais.

Como pontos positivos há a reafirmação de que a atividade mineral é de utilidade pública. O texto acrescenta que a mineração é atividade de interesse social, de interesse nacional, e essencial à vida humana.

No final do §2º do art. 1º está escrito que o aproveitamento de recursos minerais é uma atividade “na qual deverá sempre se observar a rigidez da jazida.” Esse preceito já dá margens para discussão. Se não é possível mover a jazida, haverá sempre que se observar sua rigidez locacional. Parece que a intenção dos componentes do Grupo de Trabalho é fazer prevalecer a atividade mineral em relação a outras (de utilidade pública ou não) que não sofram das restrições da rigidez locacional.

O texto não faz distinção entre rigidez locacional absoluta e rigidez locacional relativa. A jazida tem rigidez locacional absoluta; mas, e as pilhas de estéreis e as barragens de rejeitos? O que definirá a natureza da rigidez serão os estudos técnicos, econômicos e ambientais nada simples.

A menção ao ordenamento territorial é outro ponto de interesse. Em razão de muitos interesses, entre os quais os das empresas imobiliárias e dos condomínios residenciais já instalados, a mineração de agregados vai, pouco a pouco, sendo afastada das cidades, aumentando o custo de transporte.

A aprovação por decurso de prazo é outra inovação importante.

Os intérpretes-assessores que redigiram o texto mantiveram os Regimes de Licenciamento e Permissão de Lavra Garimpeira, confirmando que os vocábulos autorização e concessão do art. 176 da Constituição Federal estão escritos no sentido não técnico. Se não estão no sentido técnico, não há por que considerar, por exemplo, a autorização de pesquisa como ato discricionário e precário ou confundir a concessão de lavra com a tradicional concessão de serviços públicos.

A nova redação do art. 16 da Lei 7.805/89 é boa novidade, muito racional: “O exercício da atividade mineral depende de prévio licenciamento do órgão ambiental competente.” Eliminou a nefasta exigência da licença ambiental para outorga do título de lavra. O exercício da atividade mineral, esse sim, dependerá do título minerário e da licença ambiental.

Os tropeços na redação e na manutenção de dispositivos desatualizados são constantes e suscitarão muitos debates e judicializações. Podemos citar a referência à “autorização de lavra” mantida no art. 38. Foi mantida a imissão de posse na jazida do art. 44, uma desatenção. Deixaram de fora as PLGs do caput do art. 11: o sistema de prioridade se aplica às PLGs, então? Titular de PLG paga Participação do Proprietário no Resultado da Lavra? Ambas as respostas são positivas, mesmo diante da desatenção do legislador. Simples aplicação dos meios de integração e dos métodos de interpretação dos preceitos normativos para aplicação do Direito Minerário.

Houve oportunidade não aproveitada de aprimorar o parágrafo único do art. 6º. Inexiste razão para não considerar como parte integrante da mina os edifícios etc., que estejam dentro das servidões minerais.

Muitas atualizações em relação aos Manifestos de Minas deixaram de ser redigidas: a forma de perda, diferenciada da dos demais direitos minerários, e a não incidência da Compensação Financeira – CFEM.

O inciso I do parágrafo único do art. 6º mistura responsabilidade penal com expressões contendo núcleos de sentido fluidos como “bem-estar das comunidades envolvidas” e “desenvolvimento sustentável no entorno da mina”.

Mesmo com o desenvolvimento de toda a tecnologia e dos sistemas da ANM, o art. 66 manteve sanção para “imprecisão intencional da definição das áreas de pesquisa ou lavra”.

Algumas sensações ficam: (i) há muito o que desenvolver no texto antes de sua aprovação na Câmara. Se seguir com essa redação para o Senado, certamente sofrerá muitas alterações, e (ii) trata-se de mais uma oportunidade perdida.

williamfreireeBruno

1Advogado, professor de Direito Minerário e Direito Ambiental Aplicado à Mineração, sócio-fundador da William Freire Advogados Associados

2Advogado e professor de Direito Minerário

 

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