A imagem do país está em xeque pela falta de controle sobre a origem de seus minérios. Startup desenvolveu plataforma de certificação com tecnologia blockchain que avalia mais de 140 padrões e parâmetros nacionais e internacionais de mineração, que pode contribuir no combate à extração e o comércio ilegal de minerais, como ouro, manganês, lítio e cobre.
Segundo estimativa da Agência Nacional de Mineração (ANM), o Brasil produz cerca 100 substâncias minerais. Certificar a origem desses minérios produzidos no país com o uso de tecnologia é uma medida eficaz no combate à extração e o comércio ilegal de minerais, afirmam diversos especialistas.
Identificar por exemplo a origem do ouro produzido envolve vários desafios, desde o local de extração, se foi em unidade de conservação, terra indígena ou em área autorizada pela ANM, ou seja, se o ouro foi extraído em uma área licenciada do ponto de vista mineral e ambiental.
“O desafio é entender como foi produzido, se foram utilizadas as boas práticas da mineração, avaliando questões de saúde e segurança, ou seja, os aspectos socioambientais envolvidos na atividade,” avalia Frederico Bedran, advogado especialista em mineração que acompanha o debate sobre o assunto.
Para Bedran, a solução para o problema passa pela identificação de todos os elos da cadeia, desde ouro de garimpo, empresas e reciclado, com registro de todas as transações utilizando tecnologia para certificar e rastrear a produção e comercialização do metal físico e digital.
“A sociedade quer respostas, mas enquanto o estado ainda se prepara para exigir a rastreabilidade da cadeia, tecnologias já estão disponíveis e estão sendo utilizadas pelo mercado, em várias parte do mundo e também no brasil, como a marcação física em barras, uso de sistema blockchain e a certificação das minas por auditores independentes, sendo este último, já utilizado em formato de autorregulação no Brasil”, explica Bedran.
Imagem e a reputação do país
O Instituto Escolhas tem se dedicado ativamente a produzir uma série de estudos e dados que mostram o tamanho do problema que a falta de uma certificação e rastreabilidade do ouro causa a imagem e a reputação do país. O Escolhas fez algumas recomendações que acabaram virando regra para comercialização do metal, como a obrigatoriedade da nota fiscal eletrônica e o fim da presunção de boa fé. Mas essas iniciativas estão longe de resolver a questão, pois falta fiscalização e normas governamentais para regular a atividade e coibir a ilegalidade.
Sérgio Leitão, diretor do Escolhas conta que o Brasil precisa comprovar que o ouro comercializado saiu de uma área legalmente autorizada a fazer a exploração e não de áreas de conflito, como em terras indígenas, que tem ganhado a manchete do noticiário diariamente e mancha a imagem do país, colocando em dúvida a procedência do ouro brasileiro.
“A primeira questão é a gente falar da ilegalidade que tomou dessa cadeia, porque dados do instituto mostram que 54% de toda a produção de ouro do Brasil está contaminada por graves indícios de ilegalidade. Ou se faz a indicação da origem do ouro ou esse problema da ilegalidade não se resolverá”. Segundo Sérgio Leitão rastrear a origem é o caminho para se mapear o ouro em toda a sua cadeia produtiva até a comercialização. “Temos que unir quem está fazendo a extração e a comercialização”.
Embora haja uma lacuna na legislação que regulamente esse processo, o assunto tem sido debatido pelos agentes do setor que enxergam a certificação e a rastreabilidade como um caminho necessário para garantir que o ouro, manganês, cobre, ferro e lítio, produzidos no país, tenham um atestado de origem que comprove que não foram extraídos em áreas de conflito, como terras indígenas, unidades de conservação ou não tituladas pela ANM.
Como funciona a certificação e rastreabilidade
O que pouco gente sabe é que uma startup brasileira chamada Certimine, desenvolveu uma plataforma de certificação e tem liderado esse processo no país. Em um ano, ela certificou 120 operações, de grandes, médias e pequenas mineradoras em Mato Grosso, Pará, Goiás, Tocantins, São Paulo, Rondônia e Minas Gerais.
O sistema de certificação da Certimine utiliza como referência padrões adotados na Austrália e Canadá, além de normas de segurança brasileiras e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU em seu check list para garantir que a mineradora ou garimpo só seja certificada se atender os critérios de conformidade legal, gestão, segurança, sustentabilidade e social.
“Desenvolvemos um processo de certificação de operação pensando em ESG e avaliando mais de 140 padrões e parâmetros nacionais e internacionais de mineração”, explica o CEO da Certimine, Eduardo Gama.
Gama destaca que a visita dos técnicos da Certimine aos locais de inspeção é gravada do início ao fim, e os dados coletados são enviados por um dispositivo móvel, com funcionamento on ou off-line para a plataforma. Depois de inseridos no sistema, os dados são imutáveis, pois a plataforma utiliza tecnologia blockchain, o que garante a confiabilidade das informações coletadas durante o processo de certificação.
Certificação e Rastreabilidade é o futuro da Mineração
“A Certimine vai além da conformidade legal, ajudamos a construir uma mineração mais forte e que seja socialmente responsável, economicamente viável e ambientalmente consciente,” diz o executivo, acrescentando que o futuro da mineração no país está na certificação e na rastreabilidade.
Gama avalia que a Certimine garante a segurança para a rastreabilidade de todas as etapas da cadeia. “Todos os dados são acompanhados através do QR Code, permitindo a consulta das informações em qualquer etapa, da mineradora até o comprador final.”
Gama conta que embora a Certimine não seja um agente fiscalizador, segue diretrizes específicas e rigorosas. Cerca de 30 mineradoras não foram aprovadas no processo de certificação e passam por adequações, e outras 150 estão em avaliação para certificação.
Eduardo Gama avalia que para superar a desconfiança do ouro produzido no país, o governo precisa criar regras claras e incentivar a adoção da certificação e rastreabilidade na cadeia produtivo do metal, considerado um ativo financeiro, cuja extração ilegal não provoca apenas danos ambientais, mas de imagem, pois o mundo está de olho do Brasil.