BENEFICIAMENTO EM TEMPOS DE FALTA D’ÁGUA

BENEFICIAMENTO EM TEMPOS DE FALTA D’ÁGUA

Agua_CasadePedraA crise hídrica – uma novidade no Brasil, mas não em outras regiões do planeta – começa a produzir resultados no setor de mineração. Pressionadas pela desvalorização das commodities minerais, por um lado, e pela escassez de recursos naturais necessários aos seus processos produtivos, por outro, as empresas do setor se lançam à busca de soluções voltadas à maior sustentabilidade da operação. O objetivo não é apenas reduzir o custo, algo indispensável no atual momento, mas também atender às demandas por racionamento no consumo de água.

Nesse cenário, a mineração brasileira percorre caminhos já trilhados em outros países com tradição no setor, adotando parâmetros globais em termos de consumo dos recursos hídricos. “A sociedade descobriu que a água não é um bem abundante e que seu consumo requer uma gestão cuidadosa, levando a mineração a desenvolver melhorias em seus processos”, pondera Lars Duemmel, diretor executivo da Outotec, especializada em processamento mineral.

Segundo ele, é possível afirmar que um processo de concentração mineral convencional consome, em média, cerca de mil litros de água por tonelada beneficiada, independentemente da substância analisada. “Trata-se de uma avaliação em termos gerais, mas o importante é que o setor consegue trabalhar com uma média de 70% de recuperação da água utilizada.” O restante se perde em evaporações no processo ou é descartado em barragens, juntamente com os rejeitos do beneficiamento mineral.

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Duemmel, da Outotec

Em um circuito de concentração convencional de metais não ferrosos, os especialistas apontam as etapas de moagem e de flotação como principais responsáveis pelo consumo de água, já que demandam grandes volumes desse insumo para o processamento. Para Duemmel, entretanto, a melhoria no consumo de água passa pela otimização do desaguamento. “Não se faz beneficiamento sem gerar rejeitos, mas o setor trabalha para reduzir o impacto das barragens nos projetos, pois elas representam custos e um passivo ambiental para a posteridade.”

O executivo destaca que o empilhamento de rejeitos a seco, com a utilização de filtros-prensa e outras tecnologias, já proporciona melhor aproveitamento de água. Como exemplo, ele cita o sistema em implantação pela Outotec na planta de alumina da Hydro Alunorte, em Barcarena (PA), que reduzirá de 50% para 28% o teor de umidade dos rejeitos (lama vermelha). “Com isso, uma barragem que já estava esgotada terá sua capacidade ampliada em cinco vezes.”

Além disso, a tecnologia permitirá extrair a soda cáustica contida nessa lama vermelha, com seu reaproveitamento no processo. “As soluções para redução do consumo hídrico sempre resultam em otimização do processo, o que também se reverte em economia de outros insumos, como floculantes, aglomerantes e até mesmo energia elétrica.” Na opinião de Duemmel, esses ganhos podem ser obtidos em todo o processo, da lavra ao final da planta de beneficiamento, com foco na eficiência e melhor balanço do consumo de água.

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Hayashida, da Metso

Novas rotas – Opinião semelhante é compartilhada pela Metso, que conta com uma área dedicada exclusivamente ao desenvolvimento de processos ecoeficientes para mineração. “Trabalhamos na investigação de novas tecnologias e processos, desde a perfuração e desmonte, até o beneficiamento mineral e a barragem de rejeitos, com foco na redução do consumo de água, energia e na emissão de CO2”, diz Rodrigo Hayashida, gerente de PTI (Process Technology & Innovation) da Metso.

Ele destaca que a eficiência na perfuração e desmonte aumenta a produtividade na britagem, com economia de energia e de materiais de desgaste nessa etapa do processo. A adoção de britadores e peneiras móveis na frente de lavra (in pit crusher), por sua vez, potencializa esses ganhos, já que essas etapas respondem, segundo levantamento da Metso, por quase 50% da energia consumida em uma mina – e consequentemente, das suas emissões de CO2. “O custo operacional reduz entre 20% e 30%”, ele avalia.

Segundo Hayashida, novas rotas de processo e tecnologias de beneficiamento também otimizam a circulação dos materiais, diminuindo a demanda de água e energia para o processamento. Entre elas estão a pré-concentração, os aeroclassificadores e sistemas de separação por raio X ou avaliações químicas, entre outros. “Ao substituir os ciclones convencionais por classificação a ar, os aeroclassificadores eliminam a água nessa etapa do processo”, completa Renato Oliveira, engenheiro de processos da Metso PTI.

Uma pesquisa desenvolvida pela empresa, para concentração de um granulado fino de minério de ferro (magnetita), com alto teor de sílica, constatou as vantagens da moagem por prensas de rolos de alta pressão (tecnologia HPGR) na etapa anterior à concentração. Coordenada por Walter Valery, Alex Jankovic e Kristy Duffy, a pesquisa considerou volumes de produção, localização da mina, taxas de recuperação e faixas granulométricas, determinando até mesmo valores para custo de capital, custo de operação e emissões de gases.

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Oliveira, da Metso

“Com a utilização do equipamento HRC (Hydraulic Roll Crusher), que adota esse conceito, é possível substituir a moagem autógena ou semiautógena após a britagem secundária, com uma economia de 35% no consumo de energia e de 40% no de água”, diz Hayashida. Segundo ele, o equipamento já opera na produção de calcário, que emprega beneficiamento a seco, mas também encontra aplicação em processos que tradicionalmente seriam realizados por via úmida.

Economia em Carajás – Nos processos que demandam lavagem de minério, como a produção de pedras preciosas, ouro, manganês, areia natural e outros, a Haver & Boecker Latinoamerciana (HBL) recomenda a utilização de seu sistema Hydro-Clean em lugar dos tradicionais scrubbers e lavadores (washers). “Em uma instalação dimensionada para 200 t/h de capacidade, com top size de 150 mm, ele consome entre 16 e 21 m3/h de água, o que equivale a um décimo da demanda do scrubber”, diz Oswaldo Delfim, gerente de negócio de processamento mineral da HBL.

O executivo atribui essa eficiência ao princípio adotado, que consiste em injetar água sob alta pressão (200 bar) em uma câmara revestida com telas, com a retirada dos rejeitos e do material lavado por baixo. “Ele é indicado para a remoção de finos, como sílica, contando com modelos de até 400 t/h de capacidade de processamento, que podem opera em circuito fechado para reaproveitamento da água.” Introduzido há dois anos no Brasil, a tecnologia já opera em mina de esmeralda e de manganês.

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Delfim, da Haver & Boecker

Na grande mineração, o destaque fica para as peneiras de vibração circular excêntrica, que possuem alta capacidade na classificação de materiais de difícil processamento. Segundo Delfim, a tecnologia é indicada para o beneficiamento de minério de ferro com alta taxa de umidade natural (até 10%) e grande quantidade de finos, sem utilização de água. “Trata-se de uma operação crítica, na qual a tecnologia consegue manter a eficiência da classificação mesmo em condições adversas, reduzindo os custos de capital (Capex) e de operação (Opex), além de eliminar o impacto ambiental representado pelas barragens de rejeitos.”

Em Carajás, por exemplo, as características do minério em termos teor de ferro, granulometria e outros parâmetros, permitiram à Vale uma nova abordagem na implantação do megaprojeto S11D. Todo o processamento mineral será realizado sem a adição de água e apenas com sua taxa de umidade natural, o que reduzirá a demanda desse insumo em 93% na comparação com os processos convencionais, segundo avaliações da mineradora. Utilizando 60 módulos de peneiras, de 8 x 16 pés cada uma, ela espera obter um aumento de produtividade de 5% a 10%, além dos ganhos em investimento, custo de operação e eliminação de rejeitos.

 

MINERADORAS FOCAM A MAIOR RECUPERAÇÃO

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Recuperação nos processos já ultrapassa 70%

Convocada a racionar o consumo de água em regiões marcadas pelo desabastecimento hídrico, a sociedade está pressionando a indústria, incluindo a atividade de mineração, a dar sua parcela de contribuição nesse esforço. Em Minas Gerais, o órgão regulador – o Igam (Instituto Mineiro de Gestão das Águas) – já determinou um racionamento de 30% para as outorgas de captação na bacia do rio Paraopeba.

A medida, que atinge mineradoras com operações próximas à Região Metropolitana de Belo Horizonte, só não entrou em vigor porque a concessionária de saneamento, a Copasa, informou que as metas de racionamento já haviam sido atingidas ao reduzir seu nível de captação. Mesmo assim, prevendo um agravamento da crise, as empresas do setor se concentram no desenvolvimento de soluções que resultem em menor consumo de recursos hídricos, inclusive em outras regiões do país.

A Votorantim Metais, por exemplo, que já atinge uma taxa de recuperação de água de 90% na mina de zinco de Morro Agudo, em Paracatu (MG), planeja chegar em 2020 com um nível de recirculação de 100% em todas as suas unidades. Na unidade de zinco de Três Marias (MG), as ações da empresa para otimizar a utilização dos recursos já teriam reduzido a captação de água em 36% nos últimos cinco anos.

 

QUANTO O SETOR CONSOME?

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Concentração ainda consome muita água

Um levantamento global realizado recentemente pela consultoria EY, antiga Ernest Young, revelou que as empresas de mineração e metalurgia aumentaram nos últimos cinco anos os gastos com infraestrutura de água em 250%, totalizando US$ 11,9 bilhões em todo o mundo. O setor responde por cerca de 1,4% do consumo hídrico nos Estados Unidos e 3,6% na Austrália, incluindo a água utilizada na indústria de óleo e gás.

No Brasil, a falta de dados como esses inviabiliza um acompanhamento mais preciso, embora as empresas informem nos relatórios anuais de lavra (RAL), entregues ao DNPM, os níveis de consumo de água em suas operações. Os levantamentos de captação nas bacias hidrográficas, entretanto, incluem a mineração dentro da atividade industrial como um todo. Segundo eles, 72% da água captada no país se destinam à irrigação agrícola, 22% à indústria e 6% ao consumo humano.

 

Matéria Publicada na edição 56 da revista In The Mine.

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