Em agosto de 2020 foi publicado o Padrão Global para Gestão de Rejeitos para a Indústria Mineira (GISTM), pelo Conselho Internacional de Mineração e Metais (ICMM), juntamente com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e os Princípios para Investimento Responsável (PRI).
O documento criou diretrizes, em nível mundial, para a sustentabilidade e segurança das barragens de rejeito, considerando seu monitoramento online com sistemas de estabilidade física e química e a aplicação de sistemas de controle de infiltração.
O GISTM é composto de 6 tópicos envolvendo as principais áreas do ciclo de vida de barragens de rejeito – Comunidades Afetadas; Base Integrada de Conhecimento; Projeto, Construção, Operação e Monitoramento; Gestão e Governança; Resposta de Emergência e Recuperação a Longo Prazo; e Divulgação Pública e Acesso à Informação.
Esses tópicos são subdivididos em 15 princípios, que se desdobram em 77 requerimentos auditáveis. Todas as mineradoras associadas ao ICMM assumiram o compromisso de adequar suas instalações em situação de risco extremo ou muito elevado a esse padrão global até agosto de 2023. O prazo para outras barragens, de médio e baixo risco ou sem risco, segue até agosto de 2025.
O processo de adoção do GISTM mobilizou grandes mineradoras, entre elas a gigante Codelco, produtora estatal chilena de cobre, que possui 10 barragens de rejeito no país. A multinacional australiana Ausenco, consultoria de projetos e serviços de engenharia, através de sua subsidiária Ausenco Chile, foi contratada para estudar, avaliar e alinhar as instalações ao padrão mundial definido pelo ICMM.
“Assessoramos empresas mineiras de classe mundial, especialmente relacionadas à produção de cobre, ouro e molibdênio, em suas operações de rejeito, algumas delas com paredes superiores a 50 m de altura e centenas de milhões de toneladas de rejeitos depositados”, diz Claudio Roman, Principal Geotechical Engineer da Ausenco Chile.
Conjuntura
Segundo Roman, o GISTM destaca uma série de aspectos fundamentais e necessários para a gestão e controle das instalações de rejeitos, como reflexo do compromisso de cada empresa com a segurança e o dano zero, em relação direta com o contexto atual da industria de mineração em termos de inaceitabilidade de barragens de rejeitos catastróficas. “Todas as empresas que assessoramos possuem elevados padrões corporativos e sistemas de gestão de rejeitos e se mostraram muito predispostas a alinhar-se com as práticas promovidas pelo GISTM”, afirma o engenheiro.
Essas mineradoras possuem estruturas de armazenamento de rejeitos em países da América Latina – Chile, Peru e Argentina – e da América do Norte -Canadá. Sua localização geográfica já trouxe complicadores iniciais à atuação da Ausenco: condições climáticas diversas, incluindo temperaturas desérticas, mediterrâneas, continentais e tropicais, em regiões situadas tanto ao nível do mar como em elevadas altitudes, e, terrenos planos ou montanhosos e, ainda, em locais isolados ou próximos de comunidades.
Em relação às empresas, os desafios eram outros – especificidades da organização, contexto do país onde atuam e perfil cultural da empresa e de suas operações locais. “Existem conceitos e práticas que não são totalmente conhecidos e que devem ser adotados podendo implicar, às vezes, na atualização e ajustes dos sistemas de gestão adotados”, justifica Roman.
Nesse contexto surgiram problemas como a capacidade de documentar adequadamente a implementação de ações; o atendimento a compromissos que extrapolam o âmbito da mineradora por envolverem agentes externos, como órgãos do governo; a necessidade de definir e dar autoridade à figura do executivo responsável pelo processo; e a compreensão e aplicabilidade do ALARP (As Low As Reasonably Practicable), conceito usado no gerenciamento de riscos e em segurança operacional.
Soluções
As avaliações, caso a caso, consistem em múltiplas atividades complementares. A começar da formação de uma equipe de trabalho multidisciplinar, seguida de entrevistas com os principais dirigentes da empresa, visitas às instalações de rejeitos, análises progressivas, que identificam lacunas ao longo do tempo e, principalmente, compreensão dos sistemas de gestão de cada empresa. “Em termos práticos, a Ausenco baseou-se nos critérios indicados no documento Protocolos de Conformidade, elaborado especialmente para esse fim pelo ICMM. Também recorremos às equipes multidisciplinares e especializadas de que dispomos em cada região e país, para um melhor conhecimento das realidades locais e suas regulamentações específicas para rejeitos”, explica Roman.
Concluída essa fase, a etapa seguinte foi a de proposição de soluções aos problemas identificados. Muitas delas, lembra Roman, estavam relacionadas ao processo de documentação das informações, de forma adequada e orientada ao propósito que deveria cumprir. Em grande número das operações onde a Ausenco atuou, os requisitos do GISTM foram integralmente adotados, mas o executivo destaca duas situações especiais.
“Em primeiro lugar, várias mineradoras estão apenas iniciando esse processo, por terem uma classificação de consequências de falhas em suas barragens inferior à condição extrema ou muito elevada tendo, portanto, prazo para cumprimento das diretrizes até 2025. Em segundo lugar, os Protocolos de Conformidade permitem o cumprimento de alguns dos requisitos mais complexos, mediante a apresentação de um plano detalhado, com responsabilidades bem definidas e prazos reduzidos, para sua plena implementação”, detalha o engenheiro. Há, ainda, alguns requisitos que dependem do envolvimento de terceiros, caso de comunidades locais, com emprego de mecanismos governamentais, exigindo um planejamento de longo prazo para sua conclusão.
Consta das Declarações de Conformidade ao GISTM, emitidas pelo ICMM para as 10 barragens de rejeito da Codelco no Chile, em julho de 2023, o seguinte texto: “Segundo os Protocolos de Conformidade, não é necessário que todas as medidas tenham sido implementadas dentro dos prazos de implementação do GISTM para que um Operador esteja em conformidade, mas tanto as medidas como os prazos a elas associados, devem estar claramente documentados por um Executivo Responsável”. No caso da Codelco, esse prazo de implementação foi postergado para meses entre julho de 2024 e julho de 2025, conforme a barragem.
Foto em destaque: Barragem Pampa Austral, da Codelco, na região do Atacama (Codelco/Divulgação)