Virou clichê a afirmação de que passamos mais tempo no trabalho do que com aqueles que formam nosso círculo familiar mais próximo. Clichê, mas ainda real, apesar do muito que se propagava, há anos atrás, de uma jornada de trabalho que seria cada vez menor.
É verdade que há importantes iniciativas ligadas ao horário flexível de trabalho e mesmo ao home office, e também ações importantes por parte de algumas empresas no sentido de fazer com que seus colaboradores distribuam melhor suas principais prioridades de vida. Entretanto, precisamos admitir que esses avanços são ainda pequenos. Prosseguimos trabalhando durante muitas horas e a necessidade pela maior produtividade é cada vez maior, e é isso que vai assegurar a sobrevivência das empresas. A pressão está cada vez mais intensa.
Essa necessidade de fazer mais e melhor deve fazer parte da vida de qualquer bom profissional, não há problema nisso. O gestor pode e deve dar a direção, cobrar, incentivar, fazer acompanhamento e recompensar ou mesmo punir, se for o caso. Obviamente, tudo isso de uma maneira apropriada, fazendo críticas à atividade realizada, e nunca ao indivíduo. É muito diferente afirmar que o trabalho ficou bem aquém do esperado do que dizer ao seu colaborador que ele é absolutamente incompetente. Entretanto muitos gestores, ainda, preferem a segunda opção, e, pior que isso, cometem esse erro sucessivas vezes, o que pode caracterizar um processo de
assédio.
De acordo com o excelente livro de Paulo Peli e Paulo Teixeira, “Assédio Moral, Uma Responsabilidade Corporativa”, o assédio moral se “caracteriza pela atitude insistente e pela ação reiterada, por período prolongado, com ataques repetidos, que submetem a vítima a situações de humilhação, de rejeição, vexatórias, discriminatórias e constrangedoras com o objetivo de desestabilizá-la emocional e psiquicamente, quase sempre com severos reflexos na saúde física e mental”.
O assédio moral, então, necessita de uma ação sistemática contra a “vítima”. Usualmente, ele se dá do gestor para os subordinados, mas há casos em que os pares são assediados ou mesmo o gestor é assediado, por parte da equipe. O assunto nunca foi tão discutido no Brasil e o número de ações cresceu exponencialmente, algumas resultando em indenizações milionárias. Em decisão da segunda metade da primeira década dos anos 2000, uma empresa de abastecimento de água foi condenada a uma multa de 5 milhões de reais, por crime de coação aos funcionários. Em outra ação, mais recente ainda, uma indústria de bebidas foi condenada a pagar 10 milhões de reais a um grupo de 20 funcionários, os quais sentiram-se humilhados em uma convenção de vendas da empresa realizada em um hotel (foram obrigados a vestir narizes e roupas de palhaços por não terem atingido as metas de vendas, expostos aos olhares dos outros hóspedes…).
O assunto está se tornando, de fato, preocupante. É verdade que a justiça também está repleta de denúncias que se revelam infundadas, e mostram o oportunismo de alguns em obter benefícios pessoais levando em conta a alegação de inverdades. Obviamente, cabe ao Poder Judiciário a correta arbitragem sobre todos os casos.
E o que a empresa pode fazer? Há algumas ações que se tornam imprescindíveis, no sentido da prevenção: possuir um Código de Conduta Ética claro e disseminado a todos os profissionais e um mecanismo de denúncia interna e apuração são absolutamente fundamentais. É preciso deixar claro que a companhia não compactua com esse tipo de conduta e será rigorosa na apuração dos fatos. Afinal de contas, o assunto tem uma íntima relação com a imagem da empresa no mercado e com a relação que ela adota com todos os seus “stakeholders”, comunidade, clientes, fornecedores, acionistas e os próprios colaboradores.
Nada mais acertado, então, que a companhia, através principalmente de seus departamentos de RH, iniciem uma abordagem pró-ativa com relação a esse tema, preparando e orientando seus gestores a liderarem de uma maneira íntegra e correta.
*VLADMIR STANCATI é engenheiro mecânico formado pela FEI, especializado em Gestão da Qualidade e Controle Estatístico de Processos pela Escola Politécnica da USP, pós-graduado em Gestão de Pessoas pela Fundação Getúlio Vargas e MBA pela Fundação Dom Cabral. É Diretor de Desenvolvimento Humano e Organizacional (RH, Jurídico, Segurança, Infra-Estrutura e Saúde) da Festo Brasil, empresa líder na área de automação, de origem alemã, Diretor da ONG Junior Achievement, de origem norte-americana e voltada ao empreendedorismo e professor da FGV-SP e da Fundação Dom Cabral.