(Por Tébis Oliveira*)
O trágico acidente de um avião monomotor, às 15h23 do dia 19 de março passado, nas proximidades do Campo de Marte, em São Paulo (SP), colocou termo à trajetória de uma das mais proeminentes lideranças do mundo de negócios da atualidade. Embora envolvido, desde 2012, com a AGN Participações, uma investment company focada nos segmentos de geração de energia, logística e mineração, Roger Agnelli será sempre lembrado como o presidente da Vale que, sob os dez anos de sua gestão, perdeu o Rio Doce do nome, mas ganhou o lugar de segunda maior mineradora do mundo.
São justamente as qualidades mais evidentes de Agnelli em sua carreira profissional – de executivo visionário, negociador hábil e empreendedor determinado, arrojado e pragmático – que o aproximarão para sempre de outra lenda da mineração e da própria economia brasileira: Eliezer Batista da Silva.
Há quem creditaria tais semelhanças à coincidência do signo e do decanato astral. Agnelli faria 57 anos no dia 3 de maio. Um dia depois, Eliezer completará 92 anos. Há outras poucas diferenças como a naturalidade e a formação acadêmica, sendo um mineiro de Nova Era e engenheiro civil (Eliezer) e outro da capital paulista e economista (Agnelli).
Ambos tiveram origem humilde – o pai de Eliezer era seleiro; o de Agnelli, marceneiro. Ambos entraram na faculdade aos 19 anos. Ambos foram os mais jovens, na história da Vale, a assumir a cadeira da presidência: Eliezer, em 1961, aos 37 anos, e Agnelli, em 2001, aos 41 anos.
Eliezer foi destituído da presidência da Vale em 1964, no início do golpe militar no Brasil, sob a pecha de “comunista”. Agnelli perdeu seu posto de comando em 2011, tido como “capitalista”. Na verdade, Eliezer apenas tinha o russo como um dos sete idiomas que dominava, não por qualquer identificação ideológica. Agnelli, por sua vez, começou a se desgastar no final de 2008, ao recusar-se a seguir a política econômica tida, então, como capaz de imunizar o país da crise internacional. Demitiu 1,8 mil funcionários e não avalizou os investimentos em usinas siderúrgicas, preferindo resguardar o caixa da companhia e os interesses de seus acionários. Também sem qualquer identificação ideológica. Eliezer foi renomeado ao cargo em 1979, nele permanecendo até 1986. Agnelli não voltará mais.
Em seu tempo, Eliezer aproximou o Brasil do Japão, fornecendo o minério de ferro de que o país tanto precisava para se reconstruir após a II Guerra Mundial. Fechou com siderúrgicas japonesas um contrato de longo prazo (5 anos) para o fornecimento de 5 Mtpa de minério de ferro. Viabilizou a implantação do porto de Tubarão (ES) aqui e de outros três grandes portos lá e, para cobrir a distância oceânica entre os dois países, convenceu os japoneses a investirem em graneleiros-petroleiros de 180 mil t.
O volume embarcado em cada um desses navios equivalia ao de sete embarcações australianas, reduzindo o preço do frete do produto brasileiro. Além disso, o custo era só o de ida porque as embarcações voltavam carregadas de petróleo do Golfo Pérsico. Em 1975, graças a esses contratos, a Vale já era a maior exportadora de minério do mundo. Não bastasse e Eliezer estruturou o Projeto Ferro Carajás (PA), incluindo a mina, a Estrada de Ferro Carajás (EFC) e o porto de Ponta da Madeira, no porto de Itaqui (MA). Estatal, a companhia crescia como tinha de ser. Ou não.
A partir de 2001, quando Agnelli assumiu a presidência da mineradora, o mundo, o Brasil e a própria companhia já haviam passado por grandes transformações. A Vale, privatizada desde 1997, continuava com a estrutura adquirida nos tempos de estatal e perdera o foco em seu principal negócio: a mineração. Após vender 12 ativos como papel e celulose, navegação, florestas e fertilizantes, Agnelli passou a ampliar seu portfólio de minério de ferro, com a compra da Samarco, Samitri, Ferteco e Caemi.
A aposta nessa estratégia veio de uma conversa com Madame Xie, presidente da Baosteel, maior siderúrgica da China, que antecipou a meta do país de aumentar sua produção de aço de 100 Mtpa, em 2001, para 250 Mtpa, em 2005. Quando esse ano chegou, o valor de mercado da Vale já superava os US$ 60 bilhões, permitindo o investimento em metais como o cobre e a ampliação dos negócios de manganês e alumínio.
Sob a gestão de Agnelli, a Vale transformou-se na maior empresa privada da América Latina, em 2003; obteve o investment grade, em 2005; comprou a produtora de cobre canadense Inco, em 2006; tornou-se a segunda maior mineradora do mundo, em 2007; colocou suas ações na bolsa de Hong Kong, em 2010 e viu esses papéis se valorizarem em 1.583% entre 2001 e 2011.
A diferença de 35 anos de idade entre Eliezer Batista e Roger Agnelli parece, agora, apenas um intervalo necessário para que dois projetos de gestão tão similares em sua essência e tendo a logística como eixo principal pudessem se realizar, enquanto complementares, ainda que estando cada um sob a órbita de seu próprio tempo. Fossem contemporâneos os dois líderes e, com certeza, um deles anularia ou prevaleceria sobre o outro. A Vale e o Brasil perderiam muito, como tem acontecido há já alguns anos. E como perderam no último 19 de março.
*Tébis Oliveira é editora de Sustentabilidade e Novos Projetos da revista In The Mine)