A LEGISLAÇÃO MINERAL BRASILEIRA É BOA?

por-williamfreire

Afinal, a legislação mineral brasileira é boa ou ruim? Não há uma resposta única, simples. Muitos afirmam que o melhor regime jurídico é aquele que é estável, o que é parte da verdade. Entretanto, também é consenso que o regime jurídico da mineração brasileira pode ser melhorado.

Necessidade de uma política mineral de Estado para o Brasil

Partindo do ideal para o possível, é necessário entender que as coisas de Estado partem de uma vontade política e que esta é resultado de diversos fatores históricos, sociais e econômicos.

Apenas para nos atermos a um período recente, é certo que não houve política mineral para o Brasil a partir de 1988.

Alguns poderiam argumentar que o Decreto nº 11.108/2022 (alterado pelo Decreto nº 14.419 de 2023) instituiu a política mineral brasileira. Não é verdade, porque se trata de mais um daqueles regulamentos inefetivos. Quem conhece o Brasil percebe, imediatamente, o tamanho do delírio ali contido. Tanto assim é, que não surtiu o mínimo efeito.

A consequência mais visível da falta de política mineral — e que gera diversas outras consequências negativas em cadeia — é não dar estrutura adequada para a Agência Nacional de Mineração — ANM cumprir suas competências institucionais. A Agência segue adiante à custa de esforços individuais.

Nessa sequência de consequências negativas está o descumprimento do comando do art. 37 da Constituição que determina a eficiência administrativa na administração pública.

É bem possível que o Brasil já tenha atingido o que é conhecido como Estado de Coisas Inconstitucional: os comandos constitucionais são reiteradamente descumpridos, as promessas constitucionais são esquecidas e fica por isso mesmo.

Já que estamos falando em eficiência da administração pública, lembro-me bem de situação que vivi em Moçambique (país maravilhoso de gente maravilhosa) quando ministrei aulas de Direito da Mineração para a equipe do Ministério dos Recursos Minerais e Energia, em 2006. A senhora que ocupava o maior cargo no órgão gestor da mineração local estava muito preocupada porque havia um prazo a cumprir no dia seguinte. Ingenuamente, acostumado com a burocracia e a ineficiência administrativa do Brasil, perguntei: — E se você não cumprir? Ela me olhou, não entendendo a pergunta. Não satisfeito, perguntei novamente: — E se você não cumprir? Ela me respondeu, séria: — A empresa cumpriu o prazo dela. Temos que cumprir o nosso. Me remexi na cadeira e fiquei calado.

O reconhecimento mineral antes da fase da autorização de pesquisa

A introdução da fase de reconhecimento geológico terrestre (não o reconhecimento aéreo, que já existe) seria muito interessante, porque poderia eliminar, de antemão, diversos requerimentos de pesquisa.

Entretanto, tal não é consenso. No Canadá, por exemplo, nem todas as Províncias adotam o Reconnaissance. Algumas têm o ato administrativo denominado prospector’s licence. Em outras, há apenas exigência de se fazer o registro como prospector e pagar os emolumentos, mas não há emissão de um ato administrativo de consentimento.

Para o Brasil, penso ser necessária a outorga de um direito de reconhecimento terrestre diante da possível resistência do proprietário ou possuidor do imóvel. Com o direito formal de reconhecimento, o minerador poderá se valer das servidões minerais para superar a resistência do proprietário ou possuidor.

O Código de Mineração da Nova Zelândia contém sistema muito melhor, que também poderia ser examinado para o Brasil: para atividades de utilidade pública — como a mineração —, que não causem dano à propriedade (levantamento de dados para estudos ambientais, coleta de dados e amostras, medições da qualidade da água etc.), há procedimento simplificado: basta notificar o proprietário e, sem qualquer outra burocracia, realizar a atividade, conforme art. 49 do Crowns Minerals Act.

Alteração do regime de autorização – concessão

Entre os modelos existentes, o adotado no Peru (com algumas modificações) me parece o mais interessante: uma única concessão para pesquisa e lavra, que englobaria todas as atividades e etapas da mineração.

Esse tipo de procedimento encurtaria o tempo necessário à outorga da concessão de lavra para meses e evitaria o duplo trabalho de elaborar (e da ANM analisar) primeiro um relatório Final de Pesquisa e, depois, o Requerimento de Lavra. Todas as informações da pesquisa e do Plano de Aproveitamento Econômico poderiam ser apresentadas numa única oportunidade.

A Licença Mineral – Lei 6.567/78

Outra questão que vem me chamando a atenção é o atual sistema de aquisição da prioridade nos Licenciamentos Minerais da Lei 6.567 de 1978. É hora de debater a alteração desse sistema, adotando o procedimento geral: marcação da prioridade no ato do requerimento perante a ANM e a outorga pela Agência.

Há muitas outras possibilidades de aprimoramento da legislação mineral, que trataremos futuramente nesta coluna.

A verdade é que, no Brasil, é melhor viver com o que já é conhecido (mesmo ruim) do que se aventurar com o desconhecido. Submeter qualquer coisa ao Poder Legislativo atualmente é correr o risco de receber algo pior, mais os tradicionais jabutis.

WILLIAM FREIRE. Advogado. Professor de Direito Minerário. Fundador do Instituto Brasileiro de Direito Minerário (IBDM). Coordenador do Departamento do Direito da Mineração do Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Cocoordenador do Comitê de Direito da Mineração e Direito Ambiental do Cesa/MG (Centro de Estudo de Sociedade de Advogados). Árbitro da Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial Brasil (Camarb). Alguns livros publicados: Comentários ao Código de Mineração. (2ª ed. 1995). Revista de Direito Minerário (1997. Vol. I – coordenador). Direito Ambiental Brasileiro (1998). Revista de Direito Minerário (2000. Vol. II – coordenador). Recurso Especial e Extraordinário (2002 – coautor). Os recursos cíveis e seu processamento nos Tribunais (2003 – coautor). Direito Ambiental aplicado à Mineração. Belo Horizonte: (2005). Natureza Jurídica do Consentimento para Pesquisa Mineral, do Consentimento para Lavra e do Manifesto de Mina no Direito brasileiro (2005). Código de Mineração em Inglês (2008 – cotradutor). Dicionário de Direito Minerário. Inglês – Português. (2ª ed. 2008 – coautor). Gestão de Crises e Negociações Ambientais (2009). Dicionário de Direito Ambiental e Vocabulário técnico de Meio Ambiente. (2ª ed. 2009 – coordenador). Mineração, Energia e Ambiente (2010 – coordenador). Fundamentals of Mining Law (2010). Código de Mineração Anotado e Legislação complementar em vigor. (5ª ed. 2010). Aspectos controvertidos do Direito Minerário e Ambiental (2013 – cocoordenador). The Mining Law Review. (6ª ed.). Capítulo do Brasil. London: The Mining Law Reviews (2017). Direito da Mineração. Cocoordenador (2017). Capítulo: Avaliação judicial de rendas e danos para pesquisa mineral. Riscos Jurídicos na Mineração. Manual (2019). O mínimo que todo empresário necessita saber sobre Direito Penal. Manual (2019 – coautor). International Comparative Legal Guides. Mining Law 2020: A practical cross-border insight into Mining Law. (7ª ed.). London: Global Legal Group Limited (2020), capítulo Brasil, e Direito Minerário: Acesso a imóvel de terceiro para pesquisa e lavra. (2ª ed. 2020). Direito da Mineração (Instituto dos Advogados de Minas Gerais, 2ª ed. 2023 – organizador).

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