Por Mathias Heider e David Fonseca Siqueira
(Especialistas em Recursos Minerais da ANM)
- Parque Produtivo do Lítio no Brasil
Existem 3 projetos de lítio ativos no Brasil: Companhia Brasileira de Lítio (CBL, 1991), AMG (2018) e Sigma (2023), todos situados em Minas Gerais.
Atualmente, somente a Companhia Brasileira de Lítio é integrada até a etapa de produção de Carbonato de Lítio e Hidróxido de Lítio, planejando sua duplicação. Em 2018, a CBL vendeu 33,33% de suas ações para a CODEMGE (Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais) e, em 2022, recomprou essa participação por cerca de R$ 208 milhões (leilão vencido pela Ore Investment, porém os acionistas controladores exerceram o direito de preferência).
A AMG estima investimentos da ordem de US$ 50 milhões para atingir 130 mil toneladas anuais de concentrado de lítio e US$ 250 milhões na Planta de Conversão de Carbonato de Lítio, onde prevê produção em torno de 15 mil toneladas por ano.
A seguir, citamos as empresas, atuando no setor de lítio no Brasil, desde a etapa de pesquisa mineral: A partir do início de 2018, houve crescimento pela procura de áreas de lítio também no Nordeste:
- Spark Energy (aquisição da Talisman Venture Partners – Projeto Pão de Açucar/MG e Ursa Menor/CE);
- Solis (projetos Jaguar/BA/PE e Borborema/RN);
- Atlas Lithium (antiga BMIX – Projeto Minas Gerais);
- Lithium Ionic/MG (projetos Salinas – ex-Neolit Minerals e Bandeira Lítio, ambos em MG);
- Xplore Resources (projetos Energia/MG e Borborema/RN);
- Gold Mountain (JV com Mars Mines – Projeto Salinas 3/MG);
- Latin Resources (Projeto Colina/MG);
- Oceana Lithium (Solonopole/CE);
- St Antony Gold (JV com Foxfire Metals – projetos Minas Gerais/MG e Baiano/BA);
- Perpetual Resources (projetos Ponte Nova, Itinga e Paraíso/MG);
- DeepRock Minerals (projeto Esperança Lithium/MG – ex-BHBC Exploração Mineral e RTB Geologia e Mineração);
- Si6 Metals (50% dos direitos minerários da Foxfire Metals/MG).
Estudo produzido pelo Serviço Geológico do Brasil – SGB (antiga CPRM), em 2017, apontou áreas potenciais para a descoberta de depósitos de lítio no país, principalmente na região do Vale do Rio Jequitinhonha, nordeste do estado de Minas Gerais, identificando cerca de 45 ocorrências, 20 delas inéditas.
Títulos Minerários
Com base em outubro de 2023, havia 3.333 títulos minerários relativos ao lítio no Brasil, conforme quadro abaixo:
Fonte: ANM – Sistema Cadastro Mineiro. Consulta em 02/10/2023 com os seguintes critérios: Abrangência: Brasil, Processos Minerários: Ativos, com declaração da intenção de uso industrial e que contenham pelo menos uma das seguintes denominações de substância: “lítio”, “minério de lítio”, “espodumênio”, “petalita”, “ambligonita” e “lepidolita”
- Evolução do Lítio no Brasil
A série histórica entre 2018 e 2022 (Tabela 01) mostra a expressiva evolução da indústria de lítio no Brasil. Cabe destacar as boas práticas das mineradoras de lítio no país: tecnologia ao longo da cadeia produtiva, economia circular (aproveitamento de rejeitos das barragens – AMG e comercialização dos rejeitos finos – CBL e Sigma), Agenda/ESG e Objetivos do Milênio (ODS-ONU), Lítio Verde (Sigma) e foco na Sustentabilidade e Responsabilidade Social Corporativa, entre outras.
A CBL, AMG e Sigma já anunciaram expansões em suas linhas de produção que, associadas a novos projetos, possibilitam estimar, para 2030, um cenário otimista de produção de concentrado de lítio entre 0,8 e 1 Mtpa. Em 2022, essa produção foi da ordem de 144 mil t de concentrado de lítio.
- Mercado e Geopolítica
O “boom” do lítio deu início a uma corrida mundial por depósitos, atraindo pesos pesados da mineração e fabricantes de automóveis e de baterias, que estão em busca de acordos (compra e garantia de fornecimento) avaliando, inclusive, a participação em projetos (desde a etapa de pesquisa mineral até minas em fase de produção). Considerado um metal de nicho, usado em cerâmica e produtos farmacêuticos, o lítio tem o seu uso atual predominantemente nas baterias. Segundo a Benchmark Mineral Intelligence (BMI), as baterias atingirão 90% do uso do lítio em 2030. Na medida em que se mostram mais presentes a criticidade do risco geopolítico e a vulnerabilidade de abastecimento, se avolumam movimentos de busca de novas fontes de fornecimento. O lítio está na lista dos 35 minerais considerados críticos para os Estados Unidos, além da União Europeia.
De acordo com uma pesquisa da LMC Automotive e EV-Volumes.com, em 2022, pela primeira vez as vendas globais de veículos elétricos (VE) atingiram 10% de participação no mercado, totalizando cerca de 7,8 milhões de unidades vendidas (aumento de 68% em relação ao ano anterior). Estima-se que, em 2030, essas vendas atinjam o patamar de 40 milhões a 50 milhões de unidades, o que torna o Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, um grande atrativo para multinacionais de extração de lítio. A Goldman Sachs Research prevê que as vendas de VEs saltarão para 73 milhões de unidades em 2040.
Cabe destacar que a demanda do lítio se destina à uma ampla variedade de baterias utilizadas para diversos usos, inclusive acumuladores estacionários de energia para suporte de energia solar e eólica e mobilidade urbana. Novas fontes de fornecimento de lítio (argilas, evaporitos, reciclagem, águas residuais e salmoura de campos petrolíferos etc.), maior eficiência e novas tecnologias de baterias (inclusive com novas composições minerais) podem elevar a oferta e reduzir a pressão de fornecimento.
Conforme Relatório do Departamento Australiano de Indústria, Ciência e Recursos, em 2023, a produção global deverá aproximar-se de 1 Mt de Carbonato de Lítio equivalente (LCE) e atingir cerca de 1,2 Mt em 2024. Em 2022 foram 737 mil t.
De acordo com a Fastmarkets, no ano passado havia cerca de 45 minas de lítio em operação no mundo, com previsão de abertura de outras 11 neste ano e de mais sete no próximo. Esse ritmo está muito baixo para garantir um abastecimento global adequado. Além do mais, as jazidas estão mais complexas e profundas, com teores mais reduzidos e de menor porte, elevando os custos de produção, considerando, ainda, a pressão inflacionária em relação aos custos de pessoal, energia e equipamentos. Contudo, já pode ser observado um cenário de elevação da oferta de concentrado de lítio (China e Chile) no mercado mundial, além da produção emergente na Argentina, Bolívia, Canadá, Brasil e Zimbábue.
Outro gargalo são as operações de refino do lítio, com amplo domínio da China (até a etapa das baterias). Segundo a McKinsey, mesmo que haja minas de lítio, não há instalações ao longo da cadeia produtiva para fornecer insumos para as baterias. Serão necessárias de 120 a 150 novas fábricas de baterias de lítio até 2030 para que o quadro global se equilibre.
A China incorpora o desenvolvimento de tecnologias avançadas de baterias, conforme seu Plano Quinquenal para o Desenvolvimento Econômico e Social Nacional 2016/2020 e o 14º Plano – 2021 a 2025. Em 2020, o país anunciou uma capacidade de produção de células de 567 GWh, respondendo por 76% da produção global, o que o coloca muito à frente de outras nações manufatureiras, acrescenta a BMI.
Na tentativa de estabelecer uma cadeia de suprimentos autossuficiente, a sul-coreana LG Chem (além de outros países) visa garantir suas próprias matérias-primas por meio de possíveis parcerias e investimentos em empresas de mineração.
Em 2022, três empresas – CATL, LG Energy Solution e BYD representaram 45% de toda a produção de células de baterias de íons de lítio. Os dez maiores produtores de baterias detinham 70% do mercado mundial, prevendo aumento de 400% na produção até 2030, segundo a BMI.
Em novembro de 2023 persistiu a queda das cotações, verificada ao longo do ano, com a tonelada do Hidróxido de Lítio recuando para US$ 23.500 e o Concentrado de Lítio (variando de 5,5% a 6%) atingindo US$ 2.450. O Bank of América (BofA) avalia cenário de excesso de oferta de lítio, resultando na queda de sua cotação para US$ 1.900 até 2027. Já o Morgan Stanley ainda observa cenário de sustentação dos preços, em especial pela dependência da oferta de poucos países – 70% do lítio do mundo vem da Austrália e do Chile. O mercado de baterias EV, que representa até 40% do custo do carro, está se concentrando também na China (76% da produção global).
Com a queda das cotações do lítio, a Albemarle reduziu as previsões de caixa líquido para 2023, indicando uma queda anual de 61,9% no EBITDA ajustado, de US$ 1,19 bilhão para US$ 453,3 milhões. No Brasil, a venda dos rejeitos finos de lítio pela Sigma e CBL, no início de 2023, capturou as cotações ainda elevadas, prevendo estimar ótimos resultados financeiros para as empresas.
Muitos países formularam programas estratégicos de P&D para o desenvolvimento de tecnologias avançadas de baterias, destacando-se:
– Aliança Europeia para Baterias (EBA), que apoiou quase 70 projetos industriais, com um investimento total de cerca de 20 bilhões de euros, para criar uma cadeia de valor sustentável na fabricação de baterias;
– Estados Unidos (EUA), que lançaram o Plano Nacional para Baterias de Lítio 2021–2030, em junho de 2021, e a Fase II para o consórcio Battery 500 (US$ 75 milhões), em dezembro de 2021, com o objetivo de aprimorar as capacidades de P&D e estabelecer uma cadeia de fornecimento nacional de lítio;
– Organização de Desenvolvimento de Novas Energias e Tecnologia Industrial (NEDO) do Japão, que implantou o programa Desenvolvimento de Baterias Inovadoras para Veículos Elétricos (RISING III), no período de 2021–2025;
– Coreia do Sul, que anunciou sua Estratégia de Desenvolvimento da Indústria de Baterias Secundárias para 2030, em julho de 2021;
– China, que tem incorporado o desenvolvimento de tecnologias avançadas de baterias. Visando promover a implementação abrangente e eficaz da Convenção das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas e do Acordo de Paris, o país já se comprometeu a atingir o pico das emissões de dióxido de carbono antes de 2030 e a neutralidade de carbono antes de 2060. A densidade energética das baterias comerciais de íons de lítio aumentou de menos de 100 Wh/kg para mais de 300 Wh/kg; seu ciclo de vida foi ampliado em cem vezes para mais de 10 mil ciclos; e o preço da célula, por fim, caiu de mais de 5 yuan/Wh a menos de 0,5 yuan/Wh.
O mercado de fusões e aquisições para o lítio está bastante ativo, seja interna ou externamente. A Albemarle tentou, sem sucesso até o momento, a aquisição da Liontown, em um negócio da ordem de US$ 4,3 bilhões. A companhia Zijin Mining (China) adquiriu, em 2022, por US$ 770 milhões a totalidade da empresa canadense Neo Lithium, que tem o projeto Três Quebradas, na Argentina.
- Políticas Públicas
Foi constituído o Comitê Interministerial de Análise de Projetos de Minerais Estratégicos (CTAPME), dentro da Política Pró-Minerais Estratégicos (Decreto nº 10.657, de 24 de março de 2021), inserida no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). Ao CTAPME cabe definir os projetos minerários considerados relevantes para a ampliação da produção nacional de minerais estratégicos, que passarão a integrar a Política Pró-Minerais Estratégicos, e articular ações entre órgãos públicos no sentido de priorizar os esforços governamentais.
No Brasil, por meio do Decreto 11.120/22, de julho de 2022, foi retirado da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) o controle das exportações do lítio, liberando sua exportação, bem como a de seus derivados.
No nível federal, existe a Rede Colaborativa de Financiamento da Mineração – Invest Mining, lançada na Exposibram 2022, pelos principais entes representativos das empresas de mineração no Brasil (IBRAM, ABPM, ADIMB, BCCC) e pelos órgãos do poder público (MME, ANM, SGB/CPRM, BNDES etc). Existe também o Acordo MME, SGB e ANM com objetivo de promover maior integração para o desempenho das atividades institucionais. Minas Gerais implementou o programa Invest Minas, com ações integradas entre a Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado de Minas Gerais (SEDE) e o Instituto de Desenvolvimento Integrado de Minas Gerais (INDI), para atrair, regular e promover a atividade econômica no estado, contribuindo para acelerar as aprovações e o licenciamento de projetos, incluindo mineração. Como exemplo, citamos a Latin Resources, que desenvolve o projeto de lítio Salinas no Brasil após a assinatura de um memorando de entendimento com a Invest Minas.
Em maio de 2023 foi lançada a iniciativa denominada Lithium Valley Brazil, marcando a entrada do Vale do Jequitinhonha no mapa global na cadeia de lítio. A região é formada por 14 cidades: Araçuaí, Capelinha, Coronel Murta, Itaobim, Itinga, Malacacheta, Medina, Minas Novas, Pedra Azul, Virgem da Lapa, Teófilo Otoni e Turmalina, no Nordeste de Minas, e Rubelita e Salinas, no Norte do estado. Estima-se investimentos da ordem de R$ 10 bilhões nessa região até 2030.
Destacamos os seguintes decretos e ações que apoiam as políticas públicas:
Portaria MME 354/2020: aprovação do PMD (Plano de Mineração e Desenvolvimento);
Decreto nº 10.657 (março/2021): institui a Política de Apoio ao Licenciamento Ambiental de Projetos de Investimentos para a Produção de Minerais Estratégicos – Pró Minerais Estratégicos, que dispõe sobre sua qualificação no âmbito do PPI, do governo federal, e institui o Comitê Interministerial de Análise de Projetos de Minerais Estratégicos;
Comitê de Análise de Projetos de Minerais Estratégicos: Resolução Nº 1, de 18 de junho de 2021;
Resolução 02/2021 (junho/2021): define a Relação de Minerais Estratégicos para o País (critérios de que trata o art.2º do Decreto 10.657);
Decreto nº 11.108 (junho/2022): institui a Política Mineral Brasileira e o Conselho Nacional de Política Mineral;
Decreto nº 11.120 (julho/2022): retira a necessidade de aprovação prévia da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) para o comércio exterior de lítio e revoga o Decreto Nº 2.413, de 4 de dezembro de 1997, responsável por submeter operações comerciais entre o Brasil e o exterior à anuência da CNEN até 2002, e o Decreto Nº 10.577, de 14 de dezembro de 2020, do próprio governo Bolsonaro, que ampliava a submissão até 2030. A norma expressa que, a partir de agora, a exportação e a importação do mineral “não estão sujeitas a critérios, restrições, limites ou condicionantes de qualquer natureza, exceto aqueles previstos em lei ou em atos editados pela Câmara de Comércio Exterior (Camex)”;
Plano Nacional de Mineração: PNM 2030 e PNM 2050 (este em execução/reavaliação);
Vale do Lítio: Ações integradas do governo federal e estadual em Minas Gerais;
Invest Mining e Invest Minas: Ações integradas do governo federal e estadual para atração e facilitação de investimentos; e
Acordos com outros países: Portugal (abril/2023).
- Conclusões
O fornecimento sustentável e responsável de matérias-primas é cada vez mais crucial para que os fabricantes de baterias cumpram os regulamentos e acordos internacionais e respondam às exigências dos consumidores por produtos ecológicos que garantam um futuro energético sustentável.
O desafio estará em diminuir a dependência da China. Para isso, União Europeia e Estados Unidos deverão acelerar não só a produção/demanda por veículos elétricos, como também investirão em dominar as técnicas de produção de baterias e garantir o fornecimento dos mineras estratégicos. Atualmente, as variáveis envolvidas em relação aos minerais críticos são bem mais complexas e podem causar profundos impactos ao longo da cadeia produtiva e nas cotações dos bens minerais e bens intermediários e finais.
A substituição dos veículos com motor de combustão interna (ICE) por veículos elétricos (VEs) poderá levar mais tempo que o previsto, dadas as dificuldades mais amplas da mudança, como o fornecimento de infraestruturas de recarga adequadas, autonomia limitada e elevados custos de aquisição, que continuam a ser barreiras para sua expansão. Porém, há analistas que estimam que os preços de carro a combustão e VEs terão sua paridade em questão de 5 anos.
O desenvolvimento e viabilização econômica/técnica de outros modelos de bateria, como as de enxofre e sódio, e a alteração na proporção dos seus componentes, podem reduzir a pressão de demanda de bens minerais como o lítio e o cobalto, impactando nas suas cotações e volatilidade.
O Brasil surge como expressivo player mundial no setor de lítio, com investimentos em pesquisa mineral, novos projetos, expansões e atração de investimentos. A implementação de Políticas Públicas deve ser continuamente aprimorada, estimulando a agregação de valor ao longo das cadeias produtivas, segurança jurídica, desenvolvimento de tecnologia e melhoria da qualidade dos empregos. As parcerias entre o setor público e privado mostram um caminho promissor, com qualidade e efetividade das estratégias e políticas públicas e privadas, maximizando os benefícios para a sociedade brasileira.
Referências
https://diariodocomercio.com.br/economia/mineracao-amg-vende-200-mil-t-de-concentrado-de-litio/#gref
https://jpt.spe.org/lithium-drives-ev-grid-storage-as-industry-scrambles-to-fill-supply-deficit
https://www.cnbc.com/2023/08/29/a-worldwide-lithium-shortage-could-come-as-soon-as-2025.html
https://www.ifpenergiesnouvelles.com/article/lithium-energy-transition-more-resource-issue
https://www.moneyreport.com.br/economia/desafios-e-armadilhas-no-boom-do-litio-em-aracuai/
https://www.otempo.com.br/blogs/luiz-tito/litio-ii-1.2832883
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