UM EMPREENDEDOR DE FÔLEGO

UM EMPREENDEDOR DE FÔLEGO

Em janeiro de 2012, ele assumiu a presidência da Unidade de Negócio Minério de Ferro Brasil da Anglo American e, com ela, a responsabilidade pela continuidade da implantação do Sistema Minas-Rio, adquirido da MMX quatro anos antes. Seis meses depois, num momento em que a credibilidade do projeto era praticamente nula, o mercado foi surpreendido com a notícia de um ajuste de US$ 3 bilhões no orçamento inicial e com o adiamento do cronograma das obras de 2013 para 2014. Se havia inferno, o administrador formado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Paulo Castellari Porchia, estava nele. Mesmo que não admita.personalidade1a A sucessão de complicadores parece ter sido orquestrada: problemas de licenciamento; negociações com cerca de 1.400 superficiários do trajeto do mineroduto; custos imprevistos como as contratações adicionais para suprir os empregados que não retornaram das férias coletivas no final de 2013; equipamentos ociosos exigindo manutenção; mais de 100 empresas contratadas para gerenciar e, em meados do ano passado, a crise hídrica trazendo questionamentos à viabilidade do mineroduto.

Castellari não só superou todos os obstáculos como, sob sua condução, o Minas-Rio entrou em uma rota irreversível: a do primeiro embarque de minério de ferro no final de 2014. Agora, o ex-vendedor de nióbio da mineradora, avança no ramp up da produção para a meta de 26,5 Mtpa em 2017, com um custo bastante atrativo de US$ 33 a 35/t.

Nesta entrevista exclusiva a In The Mine, Castellari relembra passo a passo todo o processo de execução desse megaempreendimento. Fala de segurança e responsabilidade, da formatação dos contratos de obras, da estrutura logística montada para os volumes gigantescos de materiais e equipamentos. E, por fim, diz que é preciso ter fôlego na mineração. Administrar os momentos de bonança para enfrentar outros difíceis que virão. E de como essa vivência cria, em gestores e profissionais do setor, uma enorme resiliência. Não está falando particularmente de si mesmo. Mas poderia.

 

ITM: Como foi gerenciar um projeto do porte do Minas-Rio?

Castellari: Megaprojetos como o Minas-Rio envolvem muitas disciplinas. Não se trata apenas de gerir processos, mas da capacidade de lidar com as partes interessadas e de nosso time entender os nossos reais valores. A maior realização, em termos de cronograma, foi termos um time integrado olhando de forma holística para o nosso grande objetivo: entregar o primeiro embarque de minério de ferro até o final de 2014, de uma forma segura e responsável.

 

ITM: Partindo, então, dessa meta, qual foi, então, a sistemática adotada?

Castellari: Começamos com um plano bem detalhado de todas as atividades, desde a construção da infraestrutura da mina, da planta de beneficiamento e do mineroduto, até o porto. Depois, passamos ao detalhamento da operação em si. Cerca de 2 a 3 anos antes do primeiro embarque, iniciamos a contratação e o treinamento de pessoal. Essa estratégia foi parte de nosso programa de prontidão operacional, que incluiu também todos os processos de manutenção, segurança, saúde e trabalho.

 

personalidade2ITM: Quantas empresas foram contratadas para a execução do projeto?

Castellari: O Minas-Rio, por sua escala, chegou a ter no pico das obras mais de 100 empresas contratadas, de diferentes portes e naturezas de trabalho. O contrato de maior complexidade, de construção do mineroduto, foi da Camargo Côrrea, que já havia trabalhado para a Anglo American e é uma empresa pela qual eu tenho um grande respeito. Outro grande contrato foi com a espanhola FCC, que construiu o quebra-mar no porto, em São João da Barra (RJ) e é especialista nesse tipo de obra. Também atuaram conosco a Enesa, a Montcalm, a Construcap, a Milplan e a Integral Engenharia, entre outras.

 

ITM: Quais as maiores dificuldades desse processo de seleção?

Castellari: Um desafio constante, não só para a Anglo American, é o da integridade do negócio. Precisamos assegurar que nossos parceiros operem da mesma forma que operamos, já que a responsabilidade é conjunta. Também avaliamos se os contratos eram balanceados para ambas as partes do ponto de vista comercial. Na área de segurança, nos certificamos de que todos observem os mesmos valores e trabalhamos juntos para a melhoria contínua. O mesmo quanto à mão de obra, ao tratamento dos funcionários e horas trabalhadas. Propusemos alguns desafios a essas empresas e tomamos ações imediatas em relação àquelas que não atenderam aos nossos padrões. A gestão da responsabilidade e a gestão da consequência são muito importantes porque nossos parceiros carregam nosso nome e nós carregamos o deles.

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ITM: Como foi pensada a logística para os grandes volumes da obra?

Castellari: A logística foi dividida em três partes – o complexo Mina-Planta, o Mineroduto e o Porto. No total, tivemos cerca de 15 pátios de recepção de material. Ainda assim, considerando os atrasos que tivemos, grandes equipamentos como as bombas do mineroduto chegaram a ficar parados por 2 a 3 anos. O trabalho de armazenagem ficou ainda mais complexo exigindo a manutenção periódica dessas máquinas, que foi realizada por um mini time de manutenção integrado ao time de armazenamento. No mineroduto tivemos escritórios itinerantes que avançavam com a obra, levando o estoque de materiais, alimentação e alojamento dos funcionários. No porto, o destaque foi a construção do quebra-mar com 47 caixões de concreto flutuantes. Para ganhar tempo, alguns desses caixões foram fabricados na Espanha.

 

ITM: Quais ajustes foram feitos ao projeto original durante sua implantação?

Castellari: Essa questão exige dividir a história do Minas-Rio em dois períodos: antes e depois de junho de 2012, quando a Anglo American anunciou que o projeto não custaria US$ 5,8 bilhões e sim US$ 8.8 bilhões e que não ficaria pronto em 2013, mas em 2014. A partir daí, os ajustes foram absolutamente necessários. Alguns, no mineroduto para otimizar o trajeto original, para proteção ambiental ou por condições não previstas, como o tipo de solo ou paisagem. Outros resultaram em ganhos de tempo e custo. Não foi só uma solução comercial, de engenharia ou ambiental. Cheguei a ir para o Japão negociar com um cliente da Anglo American a passagem por sua área no Brasil.

 

ITM: E quanto aos ajustes financeiros?

Castellari: Os ajustes no orçamento foram doídos, num momento difícil em que o projeto estava com uma credibilidade muito baixa. Foi muito importante “apontar o lápis”, como dizem os clientes. Algumas complexidades, como a do licenciamento e a gestão das partes interessadas, foram subestimadas. O resultado foi um ajuste de US$ 3 bilhões sobre os US$ 5.8 bilhões iniciais. Demos um passo atrás para entregar o projeto.personalidade3

 

ITM: Quais critérios definiram os equipamentos para a mina e beneficiamento?

Castellari: Começamos por entender o nosso depósito típico de minério de ferro, que é muito grande, mas pobre. A planta de beneficiamento foi dimensionada para elevar o teor médio do minério de 38-41% para 67-68%, com equipamentos padrão de britagem, peneiramento e flotação. Já a planta de filtragem, no porto, foi uma decisão um pouco mais robusta. Embora a tecnologia de filtros cerâmicos da Larox/Outotec seja bastante conhecida, ela nunca havia sido aplicada para minério de ferro nessa escala de produção e foi escolhida por ser muito mais econômica no consumo de energia. Todas as tecnologias foram definidas com base na eficiência de operação e de custos.

 

ITM: Como foram as tratativas legais relacionadas ao mineroduto?

Castellari: O projeto Minas-Rio teve processos de licenciamento em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. O mineroduto, por passar pelos dois estados, foi autorizado pelo IBAMA com uma licença provisória, seguida da licença de instalação e, por fim, da licença de operação. Começamos a trabalhar com cerca de 1.400 superficiários e criamos uma força tarefa para priorizar essas negociações. A maioria foi resolvida de forma amigável, mas houve algumas ações judiciais. É comum nas questões fundiárias, no Brasil, uma fragilidade muito grande de documentação. Aconteceu de negociarmos, chegarmos a um acordo e surgir um novo proprietário da área. Também na mina fizemos um trabalho com superficiários, incluindo reassentamento, treinamento e inclusão social. Hoje, temos um comitê multidisciplinar e um plano de monitoramento que acompanhará essa questão por seis anos.

 

ITM: Com a crise hídrica, os minerodutos foram alvos de muitas críticas…

Castellari: Posso garantir que aplicamos as tecnologias mais eficientes para uso de água na nossa planta, com fontes adequadas de captação para a planta e para o mineroduto. Antes mesmo da outorga concedida pelo IGAM (Instituto de Gestão de Águas de MG) para o uso de 2,5 mil m3/h do Rio do Peixe, já era nossa intenção captar a água a montante das comunidades próximas ao projeto, de forma a não prejudicar seu consumo. Além disso, pela outorga, se houver qualquer problema, somos obrigados a reduzir nosso volume de captação. É um processo dinâmico. Segundo um estudo da CNI, a mineração usa entre 1 e 1,5 m3 de água por tonelada  de minério de ferro produzida. Nossa operação usa cerca de 0.8 m3/t e ainda recicla quase 80% da água que utiliza.

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ITM: Como foi obtida a economia de US$ 0,4 milhão no CAPEX do Minas-Rio?

Castellari: Quando anunciamos um novo CAPEX de US$ 8,4 bi, a estimativa de custos era de US$ 8,2 bi, com uma contingência de US$ 600 milhões. Em megaprojetos assim, alguns itens saem mais caro, outros mais baratos. Na virada de 2013 para 2014, por exemplo, o Brasil vivia um momento de pleno emprego e de grande atividade na construção civil. Dos cerca de 14 mil funcionários que tínhamos, 60% não retornaram após as férias de final de ano. Fizemos contratações adicionais e gastamos mais do que esperávamos. Por outro lado, reduzimos custos em várias obras de infraestrutura e otimizamos a aquisição de equipamentos pesados. A taxa de câmbio também nos ajudou em vários momentos. Acabamos devolvendo US$ 400 milhões da contingência.

 

ITM: O custo de caixa FOB do minério, de US$ 60/t, será reduzido?

Castellari: Sim. Estimamos que com a operação estabilizada, nosso custo operacional será de US$ 33 a 35/t, nos primeiros 18 anos, para uma produção de 26,5 Mtpa. Estamos em ramp up e devemos produzir entre 11 e 14 Mt neste segundo semestre de 2015, passando para 24 a 26 Mtpa em 2016 e para 26,5 Mtpa em 2017. Temos vantagens competitivas com o custo de transporte do mineroduto, de US$ 2/t, e com o custo de manuseio no porto, de US$ 45/t. O valor estimado de US$ 33 a 35/t é resultado de um trabalho muito sério de revisão de custos no Minas-Rio. Todas as mineradoras estão fazendo essa revisão. Mas nós não estamos demitindo e sim contratando pessoal.

 

 

 

ITM: Quais os destinos da produção do Minas-Rio hoje?

Castellari: Uma grande parte da nossa produção está indo para o Oriente Médio, outra para a China e cargas menores seguem para o Japão e para a Europa. São vendas pulverizadas naturais neste momento em que fazemos uma série de cargas-teste para que os clientes conheçam nosso produto. Há também um trabalho muito intenso para isso da nossa equipe de marketing em Cingapura.

 

ITM: Qual sua avaliação sobre o projeto do novo Marco Regulatório da Mineração?

Castellari: Estamos trabalhando seriamente com o IBRAM nessa área, até porque a única empresa de grande porte de mineração intensificada que ficou no Brasil foi a Anglo American. A revisão do código é absolutamente necessária e, ainda que o processo tenha demorado mais que o esperado, foi um processo sadio. A época em que essa discussão foi iniciada é muito diferente da atual. O negócio de mineração é cíclico e não pode estar sujeito a regras lineares. Relacionar os royalties às vendas é uma regra linear que tem um impacto muito grande. Também vejo como positiva a mudança na forma como os direitos minerários são alocados, porque hoje viramos reféns de pessoas que entram na mineração apenas para negociar esses direitos.

 

ITM: Sendo administrador com MBA em Planejamento Estratégico, como tem sido comandar operações minerais?

Castellari: Eu tinha quase 24 anos quando vim para a Anglo American. Conhecia a De Beers pelo filme do James Bond e sabia, pela minha mãe, que um diamante era para sempre. Nada mais. A atividade de mineração me fascinou por duas razões. A primeira é ter a oportunidade de fazer a diferença ao transformar um lugar de forma positiva, criando desenvolvimento e oportunidades de emprego. A segunda é a necessidade de ter folego, pulmão. Sabemos que os preços vão subir ou descer ou que tecnologias serão descontinuadas. Temos que administrar os momentos de bonança para os difíceis que virão. Essa vivência faz com que os gestores e profissionais envolvidos com mineração criem uma resiliência muito grande.

 

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