ENTRE PERDAS E GANHOS

ENTRE PERDAS E GANHOS

Personalidade ITM6,1Aos 59 anos, 38 deles dedicados à mineração, o engenheiro geólogo Jorge Pereira Raggi, mineiro de Conselheiro Pena, lembra que chegou em Ouro Preto em março de 1964, mês da “revolução” militar, para cursar o 3o ano científico e o pré-vestibular. Tinha 16 anos e estaria formado aos 21, pela Escola de Minas, na carreira que escolhera para “estudar a natureza de forma aplicada”, adepto que era da prática de experiências científicas desde criança. Sua estréia profissional deu-se em Itabira (MG), no sistema sul da Vale do Rio Doce, onde “aprendeu geologia de detalhe”. Em 1972, já havia estava com um escritório em Belo Horizonte, desenvolvendo projetos de viabilidade, gerenciamento, fusões e aquisições na área de mineração, o que faz até hoje através de sua empresa, a Geoconomica.

Em paralelo e por 20 anos, “tentou” ser produtor de manganês em uma pequena mineradora no centro de Minas Gerais. Desistiu por conta das dificuldades de licenciamento ambiental do negócio. Já não é o caso de outro projeto que acalenta, esse no setor de pedras preciosas. “Tentei nove vezes, mas a probabilidade de produção é, no mínimo, de 13 para 1. Então, para ficar na média estatística, preciso fazer outras 4 tentativas”, brinca. Esse bom humor e otimismo frente às adversidades são uma impressão recorrente em quem tiver a oportunidade de conversar com Raggi. Exemplo disso, contado pelo próprio, data de 1973 e refere-se à insólita situação a que foi levado, após identificar um projeto de mineroduto elaborado pela Metamig, hoje Codemig.

Antes mesmo que a crise mundial do petróleo exorbitasse os custos do transporte rodoviário, Raggi anteviu a viabilidade do mineroduto como alternativa para levar o minério da mina à ferrovia e a oportunidade de sugeri-lo a Samarco, considerando a expansão da EFVM (Estrada de Ferro Vitória-Minas), em planejamento na época. Assinando um termo de responsabilidade pelo projeto, enviou-o a Vale por meio de uma transportadora, que jamais o entregou. Raggi foi processado pela Metamig, perdeu a chance de ser o indutor do mineroduto da Samarco e ganhou a pecha de “homem que perdeu o projeto”. O estrago já era irreparável quando, anos depois, a transportadora avisou-o de que encontrara o calhamaço perdido em um de seus galpões. “É como Napoleão dizia: mesmo tendo vencido 40 batalhas, seria sempre lembrado pela última, que perdeu. O fracasso, ainda que único, será sempre lembrado”, conclui Raggi, com tranqüilidade.

Essa é uma das muitas lições desta entrevista que, generosamente, às vésperas do fechamento da edição, Raggi concedeu à revista In The Mine, falando dos desafios de sua área, de legislação ambiental, mineração no Brasil e dos entraves à cadeia produtiva. Outra delas, resgata um conselho do também mineiro Tancredo Neves: “Não leve os amigos de cerveja para trabalhar, nem os do trabalho para a cerveja. São relacionamentos distintos, os da vida e da profissão, e assim devem permanecer”, explica. Leitor voraz – já teve 4 mil volumes em sua biblioteca -, Raggi revela que gostaria de ser escritor, “habilidade” que não possui. Também conta ter muitos amigos e cultivar “bons inimigos” ou “inimigos íntimos”. Antes assim: “Pior são aqueles que existindo não são identificados”, justifica.

ITM: Qual o trabalho que o senhor realiza hoje e quais são seus maiores desafios?
Raggi: Minha atuação profissional é a mesma de quando comecei: projetos de viabilidade, gerenciamento, fusões e aquisições. Os desafios consistem em lidar com áreas diversas, caso dos projetos de viabilidade e gerenciamento para várias substâncias minerais e indústrias de transformação, no País e, algumas vezes, no exterior. Essa capacidade de desdobramento já me rendeu o apelido de “faz tudo”, cunhado por Juvenil Félix (1), ou a qualificação atribuída por Átilla Godoy (2) de que “quando não sei fazer, conheço quem sabe”.

ITM: Como lidar com as especificidades de cada projeto?
Raggi: Já disseram uma vez que as escolas querem vender diplomas, os alunos querem comprar, e os professorem atrapalham. Embora perjorativa, essa colocação retrata bem a forma como se deve trabalhar em projetos. É preciso saber quando atuar com muita ênfase, com comando, quando esperar por definições, quando sair de cena para não atrapalhar, quando ceder para fazer avançar. Cada projeto é como cada pessoa humana, tem peculiaridades próprias. Se não as respeitamos, há prejuízos e fracassos.

ITM: Falando da etapa inicial de um projeto: qual o estágio, na sua opinião, da pesquisa mineral no Brasil?
Raggi: A pesquisa mineral evoluiu muito nos últimos 30 anos. De um modo clássico de trabalhar – análise química, geologia, geoquímica de sedimentos de corrente, geofísica, trincheiras e galerias -, que podia consumir até 30 anos entre a pesquisa e implantação de uma mina, para cerca de 2 a 3 anos. Hoje, uma empresa de mineração dispõe de 2 a 3 meses para definir alvos, 6 meses para pesquisar e 18 meses para implantar a mina. Parte direto para a sondagem, com orçamento de risco de US$ 500 mil e, conforme os resultados, intensifica a campanha, passa à modelagem da mina e daí à implantação. Atribuo essa operacionalidade à abertura do capital das empresas nas bolsas de valores, o que exige agilidade nas decisões. Com isso, surgiu a chamada indústria mineral, otimizando em dez vezes o tempo dos processos.

ITM: Além dessa operacionalidade, quais outros avanços ocorreram na mineração brasileira?
Raggi: A mineração brasileira avançou em tecnologia, processos, meio ambiente e responsabilidade social, alçando-se aos melhores bentchmarking mundiais. Mas, falta ao setor comunicação com a sociedade e acuidade do governo. A água, petróleo e os minerais são obtidos através de processos onde existem lama, suor e sangue. A sociedade, no entanto, quer os produtos limpos em sua mesa, como se desde sempre eles fossem assim. Ela não quer a produção, quer os produtos. Falta-lhe consciência e conhecimento dos meios reais de produção, transporte e armazenamento.

(Novembro/dezembro 2006)

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