Por Ricardo Gonçalves | Ilustração Heder Oliveira
Daniel Atencio é um homem extremamente simples e tranquilo. E, apesar da vida pacata e de passar grande parte do tempo em sua sala, no Instituto de Geociências (IGc) da Universidade de São Paulo (USP), já é um homem imortalizado na história da mineração. Primeiramente, por ser o descobridor de nada mais nada menos que 29 minerais até o momento. Em segundo lugar, por ter sido homenageado pelo maior mineralogista do mundo, o russo Nikita Chukanov, que nomeou um mineral descoberto no Brasil de “atencioíta”.
Ainda assim, Atencio não se vangloria de suas conquistas, mesmo sendo o maior descobridor de minerais de todos os tempos no Brasil e um dos mais reconhecidos do mundo. Para se ter uma ideia, desde o século XVII, o País foi responsável pela descoberta de apenas 63 minerais dentre os cerca de 5 mil catalogados globalmente. Generoso, Atencio compartilha suas conquistas com vários colegas, que o ajudam nesse trabalho.
O paciente professor da USP, de voz calma e risada marcante, tem 54 anos. Como grande sonho, deseja realizar seu trabalho até os 100 anos de idade. “Até os 120, se for possível”, comenta brincando. A mesma brincadeira com que a geologia entrou na sua vida. Morando em São Bernardo do Campo (SP), quando criança tinha o hábito de recolher pedras que encontrava na rua e leva-las para casa. Um dia, um de seus tios, geólogo, viu a inusitada coleção e chamou cada pedra por seu nome, explicando ao menino suas diferentes composições. Foi o quanto bastou para encantá-lo por toda a vida. A carreira e a paixão por ela nunca mais o abandonariam.
Tanto que nunca se interessou por qualquer esporte, mesmo mais idolatrado no Brasil. “Não gosto de futebol. Durante a Copa do Mundo, estarei trabalhando aqui na minha sala”, afirma. É amigo pessoal do músico Tom Zé e um de seus maiores fãs. Outra das peculiaridades do mineralogista é colecionar caixinhas de fósforo – já atingiu a marca de 20 mil exemplares – e histórias em quadrinhos, especialmente dos personagens “Mortadelo y Filemón”, criados pelo espanhol Francisco Ibáñez. É de novos minerais, do processo de sua descoberta e certificação, de sua obra e profissão e da falta que fazem mineralogistas no Brasil que o maior descobridor de minerais do País fala nesta entrevista exclusiva a In The Mine.
ITM: O que motivou o senhor a entrar no ramo de geologia?
Atencio: Quando eu tinha 10 anos, morava em São Bernardo do Campo (SP). Eu andava pelas ruas e vivia pegando pedrinhas no chão e levando para minha casa. Comecei a colecioná-las. Um dia, numa festa de aniversário, um tio viu as pedras e começou a nomeá-las para mim: “Isso aqui é um granito, isso é um quartzo”. Descobri também que meu tio era um geólogo e qual era a função desse profissional. Então, embora não soubesse a diferença entre uma rocha e um mineral, desde cedo aprendi a identificar cada pedra por seu nome. Quando cresci, decidi prestar geologia e deu certo.
ITM: Como começou a descoberta de minerais?
Atencio: Numa rocha, há vários minerais. E se você está estudando, precisa saber quais são eles. De repente, nesse processo, acabamos achando algo diferente. A partir daí, é preciso investigar a estrutura e composição química desse material para confirmar se é novo. Algumas rochas possuem várias raridades. Provavelmente, muitos novos minerais podem aparecer no pegmatito, itabirito e carbonatito, por exemplo. Por outro lado, há rochas muito monótonas, como a maioria dos granitos e o gnaisse. A literatura também ajuda muito. Lendo, pode ser encontrada uma composição que não coincide com aquele mineral, e, com seu estudo, chega-se a conclusões para catalogar corretamente ou criar um novo mineral.
ITM: Qual foi seu primeiro mineral descoberto? E o último?
Atencio: No passado, era complicado fazer as pesquisas, pois não havia Internet e era bastante difícil juntar informações, pela falta de livros e de artigos. Além disso, para chegar a eles, havia uma demora e burocracia para efetuar os pedidos na Biblioteca da Reitoria da Universidade de São Paulo (USO). O primeiro mineral que eu descobri foi a chernikovita, em 1988, quando estava fazendo o Doutorado. Só fui encontrar o segundo no ano de 2004, a coutinhoíta. A partir daí, comecei a ter mais sorte e a encontrar os minerais com mais frequência. O último foi a waimirita-(Y), aprovada no fim de 2013 pela Associação Mineralógica Internacional (IMA). Entrei nesse ramo meio ao acaso, mas continuei nele com muito trabalho de análise química e de estrutura cristalina.
ITM: O senhor se considera um descobridor?
Atencio: De forma alguma! No entanto, se você olha as estatísticas aqui no Brasil, ninguém descobriu uma quantidade de minerais tão grandes quanto eu – 29, ao todo. Ainda assim, se contarmos o mundo todo, há várias pessoas a minha frente, que descobrem muito mais.
ITM: O senhor faz tais descobertas, mas existe algum tipo de parceria com pessoas e/ou empresas?
Atencio: Tenho grandes parcerias com pessoas, mas não com empresas. Nunca as procurei inclusive. Até por causa do auxílio Fapesp/CNPq, com agências financiadoras de projetos. Eu monto os projetos, encaminho para essas empresas e elas me enviam os recursos financeiros necessários. É um processo bastante burocrático e demorado, no entanto. Com pessoas, são muitas parcerias, inclusive do exterior, porque às vezes precisamos de certos tipos de análises que não podem ser feitas aqui.
ITM: Quais as etapas posteriores à descoberta de um novo mineral?
Atencio: Quando se descobre, é necessário preencher uma espécie de formulário, com as propriedades ópticas, físicas, análises químicas, a fórmula e a cristalografia. Descrevemos a estrutura, contamos a história da descoberta, documentamos com fotos e criamos um nome para ele. Esse conjunto de informações deve ser enviado para uma comissão, a Associação Mineralógica Internacional (IMA), que conta com um presidente e cerca de 30 membros espalhados pelo mundo. Eles têm até dois meses para checar se todos os dados estão corretos: se a composição química foi bem analisada, se é um mineral novo, se não existe nada parecido etc. Depois disso, esse colegiado envia os seus votos, aprovando ou não o mineral, e com os comentários a respeito. Se não me engano, são necessários 2/3 dos votos favoráveis para a aprovação. Caso isso aconteça, o autor pode publicar esses dados numa revista. Enquanto não é aprovado, ele não pode fazer isso. Precisa fazer as correções necessárias e enviar novamente para a IMA. A comissão aprova tanto o mineral quanto a escolha do seu nome.
ITM: O passo seguinte à aprovação da IMA é a publicação do artigo?
Atencio: Sim, exatamente. Posso publicar em qualquer revista, mas precisa ter uma divulgação mundial. A Revista Brasileira de Geologia (RBG), por exemplo, tem uma versão digital, então qualquer um pode acessar o link. No entanto, as pessoas ainda não se adaptaram a publicar em revistas nacionais. Praticamente todos os mineralogistas gostam de publicar em quatro ou cinco revistas tradicionais do setor.
ITM: O senhor é dono da marca impressionante de 29 minerais descobertos. Todos eles existem no Brasil?
Atencio: Desses 29 minerais, 18 existem aqui no País (confira na lista). Os outros são do exterior. Descobri pela literatura que alguns minerais já tinham sido estudados, mas identificados erroneamente. Além disso, sete dos 29 passaram por uma redefinição, porque eu criei um novo sistema de nomenclatura para o grupo do pirocloro. Nesse caso, não chega a ser uma descoberta de fato.
ITM: Essas amostras passam a integrar alguma espécie de coleção?
Atencio: Sim. Quando submetemos a descoberta à comissão, precisamos explicar onde ficará o material. É obrigatório colocá-lo num local público, num museu de geologia ou de mineralogia, por exemplo. O material precisa estar preservado. Antes da criação da comissão, em 1959, a maior parte dos minerais era jogada fora ou entregue de presente para alguém. Dos 29 que descobri, muitos estão guardados aqui mesmo no museu do Instituto de Geociências (IGc) da USP. Além disso, para eventuais pesquisas, a IMA disponibiliza a lista completa em seu site.
ITM: Em média, quantos minerais são descobertos por ano no Brasil?
Atencio: No Brasil, em 2013, houve o recorde de cinco minerais descobertos. Fui responsável por três deles. É importante dizer que eu não sou o único autor! Geralmente, há um grupo com vários autores e eu sou um deles. O primeiro mineral descoberto no País foi em 1789. Até o ano de 2000, apenas 32 minerais tinham sido descobertos aqui. Hoje são 63. Isso quer dizer que houve uma grande evolução de 2000 para cá. Ainda assim, são somente 63 minerais descobertos no Brasil dos quase 5 mil no mundo inteiro, é muito pouco. Isso apenas para os minerais válidos de fato.
ITM: Como se determina a aplicação do novo mineral?
Atencio: Em geral, apenas descobrimos o mineral e publicamos sua descrição. No entanto, podemos procurar na literatura se existe um análogo sintético cristalizado artificialmente e se já possui uma aplicação tecnológica, na indústria ou como fármaco, por exemplo. Às vezes, não existe nenhuma informação. A menezesita é um caso bem interessante. Ela tem um tipo de estrutura semelhante ao de compostos sintetizados e usados para a fabricação de vacina contra a AIDS. Portanto, pode ter a mesma aplicação. Em geral, os novos minerais não vão ser úteis, pois existem em pequena quantidade, mas servem como modelo para você sintetizar um análogo em laboratório.
ITM: Como funciona a nomeação do mineral?
Atencio: Para alguns grupos de minerais, como o pirocloro, há regras a ser seguidas quanto à nomenclatura. Para a maioria, não existe. Neste caso, homenageamos personalidades do ramo, o lugar onde o mineral foi achado ou alguma de suas propriedades físicas ou químicas. A comissão ainda tem o direito de dizer se é um nome impróprio. Particularmente, gosto de homenagear pessoas ligadas ao segmento, como Rui Ribeiro Franco, Luis Menezes, Djalma Guimarães, Fernando de Almeida e Paulo Abib. Há outros casos como a waimirita-(Y), homenagem a uma tribo indígena do Amazonas.
ITM: Há um mineral chamado atencioíta. Como se deu essa homenagem e qual a sua reação?
Atencio: Foi uma descoberta feita por um grupo de mineralogistas russos, liderados por Nikita Chukanov, maior descobridor de minerais no mundo. Ele estava estudando um mineral brasileiro e queria homenagear algum mineralogista daqui. Foi uma grande honra ter sido escolhido. Fiquei obviamente muito feliz. Mais do que isso, fui imortalizado!
ITM: Qual é, em média, o investimento necessário a um projeto desse tipo? E qual o retorno financeiro?
Atencio: É difícil dizer, não há uma média. Meu projeto mais recente precisou de US$ 250 mil, por conta da aquisição de um equipamento novo, um aparelho de difração de Raio-X. O projeto envolve o pagamento de análises de laboratórios, gastos com gasolina etc. No futuro, a Fapesp terá novas regras, com um limite. A burocracia deve aumentar ainda mais. Devemos ainda prestar contas com as notas fiscais devidamente justificadas. É uma questão bem chata, mas necessária. Recebo verbas apenas para utilizar na pesquisa e para viajar para congressos. O fato de descobrir minerais não me traz retorno financeiro. Apenas me dá a oportunidade de viajar para congressos. Não traz dinheiro, mas traz fama.
ITM: Em sua opinião, qual área do setor mineral brasileiro mais pode evoluir?
Atencio: As empresas têm seus pesquisadores e mantêm muitos segredos, não divulgados em congressos. É necessário um maior intercâmbio entre empresas e universidades. Além disso, há pouquíssimos mineralogistas no Brasil. São apenas cerca de 10 pessoas dedicadas a fazer estudos de determinação e uma identificação séria dos minerais em todo o País. A extensão territorial é absurda. Pegue como exemplo a Itália: o país é bem menor e possui aproximadamente 200 mineralogistas. Descobrimos apenas 63 minerais em toda a história. No Canadá, em uma só pedreira, foram descobertos 200 minerais. A mineralogia aqui sempre foi muito depreciada. As pessoas achavam e ainda acham perda de tempo, pois não conhecem a utilidade da função.
ITM: Comente sobre os seus livros publicados.
Atencio: Publiquei o Type of Mineralogy of Brazil em 2000, com bastante sucesso até. Os maiores mineralogistas do mundo compraram. Foi minha tese de livre-docência, que serviu como uma fonte de estudos para mim mesmo. Já a Enciclopédia dos Minerais do Brasil é um trabalho bem audacioso. O outro autor, Paulo Neves, já escreveu muitas obras sobre geologia e paleontologia. Ele queria catalogar todos os minerais existentes no Brasil, comentando cada lugar onde eles foram encontrados. Foi seu trabalho de Pós-Doutorado, sob minha orientação. Ele fez a pesquisa sobre os elementos nativos, halogenetos, sulfetos e óxidos, que resultaram na divisão da obra em sete volumes. O primeiro foi publicado em 2013. O segundo está em fase de revisão. A partir do terceiro volume, estamos buscando patrocínios.
Entrevista da edição nº48 da In the Mine – Dezembro 2013/Janeiro 2014
Simplicidade e humildade são uns dos poucos atributos que posso adjetivar ao falar do ” Atencio”!
Carinhosamente chamado por todos no Instituto IGC – USP.
Seu próprio nome já nos dá uma de suas outra qualidade, rs..
Confesso que quando o conheci pessoalmente, fora por a insistência e carinho de e várias pessoas do IGC, de professores aos funcionários da biblioteca.
Os quais me diziam em conversas informais, a despeito de assuntos de minerologia;
” Você tem que procurar o Atencio, e conversar com ele ”
E de fato estavam certos!
O nome precede a pessoa e o proficional, que o é !
Já imersos a vários messes nesta nova realidade, a qual a COVID19 nós colocou, só posso dizer;
Saudades de todas as pessoas as quais convivi no IGC, POLI e demais campos da USP.
Certo de que estaremos juntos novamente dentre em breve!
Desejo ao caríssimo “Atencio” e a todos Saúde e Paz.
Vagner B. Rabelo