A (IN)DEFINIÇÃO DE UMA POLÍTICA MINERAL

A (IN)DEFINIÇÃO DE UMA POLÍTICA MINERAL

Em 08 de julho passado, o deputado federal Zé Silva (Solidariedade/MG), também presidente da Frente Parlamentar da Mineração Sustentável (FPMin), protocolou, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei (PL) nº 2780/2024, que institui a Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos (PNMCE). A apresentação do PL coincidiu com o recesso da Câmara dos Deputados e agora, com a retomada dos trabalhos no segundo semestre, aguarda o parecer de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Casa Legislativa. A partir daí seguirá para análise das comissões relacionadas ao tema.

Há exatos 10 anos, em 2014, a mesma Câmara dos Deputados recebia de seu órgão técnico-consultivo – o Centro de Estudos e Debates Estratégicos (Cedes) – o trabalho “Minerais Estratégicos e Terras Raras”. O estudo analisou a exploração, o aproveitamento econômico e a cadeia produtiva de minerais e materiais estratégicos para o país na época, considerando ainda aspectos relativos ao seu desenvolvimento sustentável. O conteúdo incluiu também indicadores de oferta e demanda, características gerais e aplicações predominantes de minerais metálicos não ferrosos (alumínio, cobre, cromo, gálio, índio, lítio, manganês, molibdênio, metais do grupo platina – PGMs, nióbio, níquel, tântalo, titânio, tungstênio e vanádio); minerais e óxidos de terras raras; minério de ferro, minerais não metálicos (grafita, quartzo e telúrio); e agrominerais (fósforo e potássio).

No tempo decorrido entre a apresentação do CEDES e o PL nº 2780/2024, o Brasil ainda não conseguiu definir uma política específica para MCEs. A iniciativa que, a priori, deveria partir do governo federal, chega finalmente – e sem qualquer demérito – pela mobilização da FPMin, com o subsídio de especialistas e entidades setoriais como o Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração) e a ABPM (Associação Brasileira de Pesquisa Mineral).

Segundo o estudo “Minerais Críticos e Estratégicos do Brasil em um Mundo em Transformação”, de autoria de Nicholas Pope e Peter Smith, publicado pelo Instituto Igarapé em outubro de 2023, o crescimento da produção de tecnologias voltadas à transição energética é diretamente proporcional ao aumento da demanda por MCEs. “A energia fotovoltaica requer até 40 vezes mais cobre do que a queima de combustível fóssil, enquanto a energia eólica demanda até 14 vezes mais ferro. A fabricação de uma única turbina eólica depende de 2 t de terras raras. Nos próximos 25 anos espera-se que a demanda por cobre atinja 550 t, o equivalente à quantidade produzida nos 5 mil anos anteriores. Até 2050, a demanda por lítio deverá aumentar em 965%”, afirma o relatório, com base em publicações do Banco Mundial e outros pesquisadores (Figura 1).

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Figura 1: Expansão da demanda de MCEs até 2050 -Fonte: Banco Mundial

Regulações

A PNMCE, criada no PL 2780/2024, deverá valorizar e promover o aproveitamento racional dos MCEs, com responsabilidade socioambiental e considerando sua essencialidade para a transição energética, o desenvolvimento econômico e tecnológico nacional e a ampliação da competitividade do país no mercado global. Sua implementação deve se dar por um esforço conjunto do governo federal, estados, Distrito Federal (DF), municípios e entidades representativas do setor mineral.

A política setorial será planejada em conformidade com o Plano Nacional de Mineração (atualmente PNM 2030 e futuro PNM 2050, em elaboração) e com o plano Nova Indústria Brasil (NIB), lançado neste ano (2024), sob coordenação do Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio (MDIC). No que se refere aos agrominerais, precisará observar o Plano Nacional de Fertilizantes, lançado em 2022 e revisado em 2023, cobrindo o período 2022-2050.

Segundo a definição do PL, minerais críticos são aqueles cuja disponibilidade está ou pode vir a estar em risco devido às limitações de produção, fornecimento ou suprimento, o que pode afetar seriamente a economia do país, para assegurar a transição energética, garantir segurança alimentar e nutricional ou resguardar a segurança nacional em virtude do seu alto consumo, direto ou indireto. Os minerais estratégicos são os que possuem vantagens econômicas comparativas e essenciais para o Brasil, gerando superávit em sua balança comercial. Já a transformação mineral é descrita como o processamento ou conjunto de processos destinados à obtenção de um novo produto a partir da alteração na natureza química do mineral, após seu beneficiamento.

Com base nessas definições, caberá ao futuro Comitê de Minerais Críticos e Estratégicos (CMCE), criado pelo PL e vinculado ao Conselho Nacional de Política Mineral (CNPM), definir os critérios de enquadramento e prioridade para os minerais de cada categoria, elaborando uma relação que será reavaliada a cada dois anos. Através de grupos de trabalho, o órgão realizará estudos e avaliações da dependência e situação de risco do suprimento de minerais críticos e do potencial para pesquisa, lavra e transformação de MCEs e sobre sua oferta e demanda no país. Também deve estruturar um banco de dados nacionais e internacionais e desenvolver metodologias próprias para avaliar a criticidade dos minerais. Para cada MCE haverá diretrizes e políticas específicas e será criado um programa para o desenvolvimento local de sua mineração, com apoio ao licenciamento ambiental de seus projetos. Também serão feitos convênios internacionais para garantir o suprimento de MCEs.

Antecedentes

O PL 2780/2024 traz semelhanças com o Decreto 10.657, editado em 24 de março de 2021 pelo governo Jair Bolsonaro, que instituiu a Política Pró-Minerais Estratégicos. Tendo como objetivo maior agilizar o licenciamento ambiental de projetos voltados a esses minerais, dado o seu “interesse nacional”, a política recebeu várias críticas por desconsiderar impedimentos regulatórios ambientais e sociais.

Não só o apoio ao licenciamento ambiental pelas instâncias de governo federal, estadual e municipal reaparece no PL 2780, como ressurge a articulação da nova política (PNMCE) com o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), iniciada com o decreto de 2021. Também é reeditado o Comitê Interministerial de Análise de Projetos Minerais Estratégicos (CTAPME), agora sob o nome de CMCE e com funções semelhantes.

Em 18 de junho de 2021, o CTAPME publicou a Resolução nº 02, definindo a relação de minerais estratégicos para o país, classificados nas Categorias 1, 2 e 3 (Tabela 1), totalizando 28 substâncias minerais.

 

Anexo da Resolução 02/2021

Política Pró-Minerais Estratégicos (Decreto 10.657/2021)

Classificação Definição Minérios
Categoria 1 Dependentes de importação em alto percentual para o suprimento de setores vitais da economia Enxofre; Fosfato;

Potássio; e Molibdênio

 

Categoria 2 Importantes para aplicação em produtos e processos de alta tecnologia Cobalto; Cobre; Estanho; Grafita; Metais do Grupo Platina; Lítio; Nióbio; Níquel; Silício; Tálio; Tântalo; Terras Raras; Titânio; Tungsténio; Urânio; e Vanádio
Categoria 3 Com vantagens comparativas e essenciais para a economia e geração de superávit da balança comercial do Brasil Bauxita; Cobre; Ferro;

Grafita; Ouro; Manganês;

Nióbio; e Urânio

Tabela 1: Classificação de minerais estratégicos por categoria-  Fonte: Portal Gov.br/MME

Até dezembro de 2022, o CTAPME aprovou 19 dos 25 projetos de minerais estratégicos inscritos para qualificação. Entre eles, o projeto de ouro Volta Grande, da Belo Sun, em Senador Porfírio (PA), paralisado desde 2017 por entraves ambientais e oposição das comunidades locais. Foram aprovados e incluídos no PPI quatro projetos de ouro, três de minério de ferro, três de cobre, dois de níquel, um de manganês, um de bauxita, um de potássio, um de fosfato, um de urânio/fosfato e um de platina (Figura 2).

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Figura 2: Mapeamento de projetos habilitados pelo CTAPME até dezembro/2022 -Fonte: DTTM/SGM/MME

Planos

Nos últimos anos, o governo federal também promoveu outras ações direcionadas à exploração, lavra e beneficiamento de MCEs. O Plano Nacional de Mineração 2030 – PNM 2030, lançado em 2011, já destacava a gestão de minerais estratégicos, dividindo-os em três eixos: 1) Dependentes de importação em grande escala (potássio, fosfato e carvão mineral metalúrgico) e com possibilidade de aumento de demanda em futuro próximo (urânio); 2) Utilizados em produtos de alta tecnologia e, portanto, com tendência de expansão da demanda global (terras raras, lítio, tântalo, térbio e cobalto); e 3) Com vantagens competitivas que lhes asseguram liderança internacional (minério de ferro, nióbio, manganês e alumínio).

No entanto, o imperativo da transição energética, que ganhou destaque global com os efeitos negativos das mudanças climáticas, levou ao lançamento do PNM 2050, em 2022. Na nova diretriz, o foco é a cadeia produtiva de MCEs essenciais para a transição energética, com base em seu aproveitamento, competitividade e sustentabilidade. Por sugestão do MME, o plano também deve considerar o vínculo entre a produção desses minerais e tecnologias voltadas à fabricação de produtos para geração de energia eólica (turbinas para aerogeradores) e descarbonização (baterias elétricas para veículos), além de tratar da reciclagem do lixo eletrônico urbano, incentivando a economia circular para MCEs.

Em 2016, na sequência do PNM 2030, foi criada a Estratégia Nacional de Ciência e Tecnologia pelo MCTI que, em conjunto com o MME, visava a elaboração de um plano de ação de ciência, tecnologia e inovação para minerais estratégicos, assim como o fomento da pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação (PD&I) para a obtenção de produtos finais neles baseados. A partir da listagem de minerais definida no PNM 2030, o plano de ação priorizou os agrominerais (Grupo 1); as terras raras, lítio, silício e grafita (Grupo 2); e o nióbio e minério de ferro (Grupo 3).

Para atender ao quesito PD&I, foi estruturado o Inova Mineral, programa do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que disponibilizou R$ 1,2 bilhão para o financiamento de planos de negócios para o setor mineral. Foram então priorizados os minerais de cobalto, grafita, lítio, metais do grupo da platina, molibdênio, silício (grau solar), tálio, tântalo, terras raras, titânio, vanádio e o nióbio. Em seu primeiro edital, lançado em 2017, o Inova Mineral selecionou 24 planos de negócios, no valor de R$ 727 milhões. No entanto, apenas alguns projetos foram bem-sucedidos e obtiveram o financiamento aprovado.

Em 2020, o Programa Mineração e Desenvolvimento 2020-2023, do MME, apresentou 10 planos e 108 metas para acelerar a produção mineral brasileira, em bases sociais, econômicas e ambientais sustentáveis. Os MCEs foram objeto de apenas uma das metas e representados de forma indireta em metas relativas a aspectos geológicos e pesquisa mineral. Mesmo sem divulgar um balanço dos resultados desse programa, cinco meses antes do término de sua vigência, em agosto de 2023, o MME anunciou estar prestes a lançar um Plano Nacional de Minerais Estratégicos. A nova investida incluiria a reestruturação da Agência Nacional de Mineração (ANM), para acelerar o trâmite dos processos minerais, e o fortalecimento do SGB (Serviço Geológico do Brasil), visando expandir o mapeamento do território brasileiro em maior escala. Decorrido cerca de um ano desse anúncio, o plano ainda não foi apresentado.

Outra iniciativa governamental é o plano Nova Indústria Brasil (NIB), do MDIC, lançado em 2024 para impulsionar a indústria nacional até 2033. Com recursos da ordem de R$ 300 bilhões, o NIB tem no eixo “Indústria Mais Verde” (R$ 12 bilhões), a proposta de criação de um Fundo de Minerais Críticos, destinado a alavancar recursos para a pesquisa e extração de minerais usados em baterias de energia limpa. No mesmo eixo estão previstos o “Novo Fundo Clima”, para projetos de descarbonização da indústria, e os “Instrumentos de Mercado de Capitais”, com foco em transição energética, descarbonização e bioeconomia, que necessariamente envolverão MCES.

Pesquisa

O artigo 14 do PL 2780/2024 também estabelece que empresas de grande porte dedicadas à pesquisa e lavra de MCEs ficam obrigadas a aplicar, anualmente, pelo menos o 0,4% de sua receita bruta em iniciativas de pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica relacionadas à pesquisa, lavra e transformação dessas substâncias.

A exploração mineral de MCEs mudou ao longo da última década, segundo dados do Anuário Mineral Brasileiro Interativo da ANM, publicado em 2023 cobrindo o período de 2010 a 2021. Os minerais da Categoria 1 registraram

um pico de pesquisa mineral em 2014, com fosfato e potássio atraindo a maioria dos investimentos, com declínio sustentado nos anos posteriores. Os minerais da Categoria 2 tiveram aumento constante no investimento em pesquisa, com destaque para o cobre (64% do total investido), seguido do níquel (17%), titânio (3,59%), terras raras (2,54%), nióbio (2,31%) e estanho (2,13%). Entre os minerais da Categoria 3, a liderança foi do ouro (48%), com o cobre (22%) e o ferro (20%) na sequência.

Em 2023, segundo dados consolidados pela revista In the Mine, em seu Especial Pesquisa Mineral, o lítio (Categoria 2) foi objeto de 2.760 alvarás de pesquisa emitidos pela ANM no ano, sendo a substância mineral mais requerida entre dez no país (Gráfico 1). O minério de ferro aparece em quinto lugar (1.053 alvarás) e o cobre em oitavo lugar (744 alvarás).

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Gráfico 1: Substâncias com mais alvarás de pesquisa mineral emitidos em 2023-Fonte: ANM

De sua parte, desde 2015, o SGB (Serviço Geológico do Brasil) vem publicando levantamentos significativos (Figura 3 e 4) e buscando parcerias estratégicas para MCES. Uma das ações mais recentes, em julho de 2024, foi o workshop para planejamento de missões científicas e tecnológicas sobre minerais críticos, com a presença de uma equipe técnica do Bureau de Recursos Energéticos (ENR) dos Estados Unidos (EUA). Durante o encontro foram alinhadas três propostas de estudo: nas províncias Borborema (na Região Nordeste), Estanífera de Goiás (entre Goiás e Tocantins) e Alto Paranaíba (porção oeste de Minas Gerais). As atividades de campo devem ser iniciadas em novembro próximo na Província Borborema.

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Figura 3: Ocorrências públicas conhecidas de agrominerais (Mapa 1), minerais tecnológicos (Mapa 2) e minerais comerciais (Mapa 3) – Fonte: Serviço Geológico do Brasil (SGB)
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Figura 4: Avaliação do potencial de lítio no Brasil -Fonte: SGB

Também em julho, o SGB lançou o “Projeto Geodinâmica e Prospectividade para Minerais Críticos por Inversão Magnética 3D e Machine Learning”, tendo como objetos iniciais as regiões de Alta Floresta (MT), Tapajós (PA) e Araçuaí (MG), devido ao seu potencial para novas descobertas de cobre e lítio. O trabalho consiste da aplicação de técnicas não convencionais para atualizar os modelos geodinâmicos do Cráton Amazônico, gerando alvos exploratórios para minerais essenciais à transição energética no Brasil.

Financiamento

Uma medida prática para o financiamento da pesquisa, desenvolvimento, implantação ou retomada de minas produtoras de minerais para transição energética, descarbonização e fertilização de solos, foi o Fundo de Investimento em Participações (FIP), lançado pela BNDESPAR, subsidiária do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social), e pela Vale. Cada empresa fará uma subscrição de até R$ 250 milhões e outros R$ 500 milhões serão captados no mercado, totalizando R$ 1 bilhão.

As “companhias alvo” dos recursos são as que possuam, direta ou indiretamente, títulos minerários ou direitos sobre recursos minerais de cobalto, cobre, estanho, grafite, lítio, manganês, PGMs, molibdênio, nióbio, níquel, silício, tântalo, terras raras, titânio, tungstênio, urânio, vanádio, zinco, fosfato e potássio ou outros minerais utilizados na fertilização de solos. As empresas devem ter sede e operações no Brasil ou no exterior, desde que detenham, no momento do primeiro investimento do fundo, ativos que correspondam a 90% ou mais de seu portfólio de empreendimentos e receita operacional bruta anual de até R$ 300 milhões.

Em maio de 2024, o FIP realizou uma chamada pública para selecionar um gestor. As propostas das 12 empresas que se candidataram serão analisadas e, as que forem consideradas qualificadas, serão apresentadas presencialmente entre 09 e 13 de setembro. A classificação final, com a declaração da vencedora do edital, deve ser divulgada em 04 de outubro.

Foto em destaque no alto da página: Mina de molibdênio da Centerra Gold, em Idaho (EUA) – Centerra Gold/Divulgação

 

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