O diretor geral da Agência Nacional de Mineração (ANM), Mauro Henrique Moreira Sousa, em entrevista exclusiva para a In The Mine, durante a realização do XI Simpósio Brasileiro de Mineração (SIMEXMIN), em Ouro Preto (MG), falou sobre transição energética, que foi o tema do evento e abordou os desafios que se colocam para que o país possa avançar na produção de energia limpa, como a necessidade de equilíbrio quando se discute a questão ambiental, a falta de uma política pública definida e a importância de parcerias e de uma indústria que possa processar os minerais estratégicos que o Brasil possui. “Temos um longo caminho”, diz ele.
Alguns dos temas mais discutidos no SIMEXMIN são os ‘assuntos da moda’ no setor, como lembra Sousa: transição energética, minerais críticos, economia verde, circularidade. Ele diz que o potencial brasileiro é enorme, mas os entraves não são poucos. E cabe a ANM executar a política traçada. “Temos que estar antenados, como uma agência que se propõe a fomentar a atividade minerária no país. Temos uma missão muito forte e nobre, que é a de promover esse desenvolvimento”, justifica o diretor geral.
Ele explica que, para que isso aconteça de fato, a agência precisa ter um ‘norte’, um caminho definido. “O que nós vemos hoje e o que tenho refletido e trazido a vários fóruns é a carência de uma política pública definida no nível macro. Porque, como agência, nós somos executores da política pública. Então, precisamos de uma definição do caminho a ser seguido. Quando olhamos o caso dos países que têm uma vocação minerária já consolidada, como é o caso da Austrália, Canadá e Peru, por exemplo, nós vemos que eles têm políticas próprias”.
A necessidade de processar os minerais no país, de acordo com ele, é uma discussão colocada na mesa e o Brasil não pode perder tempo. “Veja a União Europeia, por exemplo. Eles não produzem, não têm jazidas dos minerais considerados críticos, mas ainda assim existe uma política de buscar as matérias primas, seja no Brasil ou na América Latina. Essa etapa da industrialização, o processamento, é fundamental. Temos que aproveitar o máximo possível esse boom para fazer a transformação mineral propriamente dita”, afirma.
Ele destaca a importância da atração de empresas com interesse em investir no país, não só para a produção e para extração, mas também para o beneficiamento. “A geopolítica funciona dessa forma. A gente tem que ter capacidade de entender o nosso momento e saber o que queremos, além de usar de sabedoria para o nosso exercício de soberania. Então, se temos o que o mundo quer, também podemos querer muita coisa que o mundo tem. É uma troca, como sempre foi”.
Sousa cita também a China, player mundial da mineração. “Não produzimos o que os chineses fazem há mais de 30 anos, em relação a processos de transformação e inovação. Hoje eles dominam a produção e o processamento de Terras Raras. Têm mais de 200 patentes em vários microprocessos. Agora, já temos reservas que equivalem às da China, mas ainda não dominamos os processos. Então, precisamos nos apoiar em quem tem esse domínio, sem deixar de estimular internamente os nossos grandes centros de conhecimento, de inovação. O Brasil tem que olhar esse cenário e dizer, ‘para onde vamos, o que queremos?’”
No caso de uma política pública para a transição energética, ele cita os Estados Unidos (EUA), que disponibilizam cerca de US$ 3 mil para que o contribuinte norte-americano possa adquirir veículos elétricos. “Não temos essa política aqui ou, pelo menos, a política que temos não está muito clara. Temos um Conselho Nacional de Política Minerária que foi reorganizado em fevereiro de 2023, mas que até hoje não se reuniu. Participam desse Conselho, o Ministério das Minas e Energia (MME) e as pastas de Meio Ambiente (MMA), Fazenda (MF) e Ciência e Tecnologia (MCTI). São oito ou dez ministérios, além da academia, representantes dos estados, e até hoje esse processo não caminhou”, observa.
O diretor indaga o que é estratégico para o Brasil: “O país tem que dizer. O Estado tem que dizer, às vezes até induzido pela própria prática do mercado. Dependemos de vontade política.” Ele lembra que o governo criou o Conselho Nacional de Política Minerária. O nome já diz o propósito: definir uma política para o país. “Não importa se for apenas para os minerais críticos, nos quais nós temos uma expertise e somos grandes produtores de vários desses minerais. É preciso ter essa política definida”.
O diretor da ANM alerta que uma política pública para o setor não pode se centrar tão somente na produção e exploração: impostos e taxas são outro ponto de alerta. “É possível olhar para toda a cadeia para estimular a industrialização. A parte tributária é outro ponto muito importante. Tem a questão do pagamento dos royalties, cobrado da grande indústria de um modo geral. Há também uma taxa de fiscalização, que está definida por uma política federal, e alguns estados e municípios começam a criar outras taxas. Então, o nível de taxação da atividade, em alguns casos, pode ser proibitivo e inibir o investimento. Não há segurança para o investidor. Precisamos primar pelo investimento seguro, de forma que ele tenha retorno”, afirma.
Ele lembra que, nos últimos anos, o perfil combativo, adotado por aqueles que trabalham nos órgãos de controle do país, como no Ministério Público Federal (MPF) e no Tribunal de Contas da União (TCU) gerou a expressão “apagão das canetas”, que designa o temor de gestores públicos em tomar decisões, sob o receio de serem responsabilizados e submetidos a sanções da Justiça posteriormente.
“É óbvio que tudo tem risco na vida. Mas se estamos numa posição de tomada de decisão, devemos fazer o que tem de ser feito e seguir em frente. Os americanos têm uma teoria chamada ‘regra do julgamento dos negócios’, que diz o seguinte: uma vez dadas as condições para uma tomada de decisão, seja individual ou numa empresa, a decisão deve ser adotada dentro das linhas normais do regramento. Desde que o tomador de decisão tenha todos os elementos necessários, tanto técnicos como jurídicos, para decidir o que fazer. Porque depois é muito fácil julgar. Se aquele projeto fizer água, considerando-se uma empresa privada, para quem chega depois é muito fácil olhar pra trás e julgar. Nós temos que olhar as condições em que aquela decisão foi tomada. A mesma coisa vale para o poder público, porque hoje lidamos com uma série de circunstâncias”, explica.
Em tempos de economia verde, a relevância da questão ambiental aumentou ainda mais. Sousa, no entanto, chama a atenção para alguns pontos que, nas palavras dele, precisam ser melhor equilibrados. “O entendimento vigente hoje é que a mera reivindicação de uma etnia já isola a área e transfere o caso para a competência do Ibama. Em 2012, por exemplo, passado Belo Monte, buscava-se prosseguir com o investimento em energia limpa e a ideia era investir no Complexo Tapajós, um conjunto de seis empreendimentos. Mas a Funai desenterrou um processo arquivado há mais de dez anos e constituiu um novo grupo de trabalho para estudar a área. E o trecho reivindicado era exatamente o eixo do barramento de principal aproveitamento de energia. Era um projeto que previa 8 mil MW (Megawatts) de potência instalada. A gente não consegue uma convergência, mesmo considerando-se a importância de equilibrar essa questão da preservação, porque temos essa disparidade de posicionamento. Não somente no Executivo, como em suas autarquias”, diz o diretor.
Segundo ele, o que acontece hoje é “uma exacerbação de interpretações”. “Hoje estamos no Simexmin, com empresas e pessoas que investem na fase de prospecção, de altíssimo risco. O que se diz é que, para cada mil pesquisas, no máximo duas irão vingar. Então você faz a pesquisa, encontra aquela substância, analisa o risco, apresenta na agência, que aprova seu relatório de pesquisa, apresenta o plano de aproveitamento econômico e faz o requerimento de portaria de lavra. Aí vem o poder público, seja municipal, estadual ou federal e cria uma unidade de conservação de proteção integral. Qual o entendimento vigente hoje? A mão que afaga é a mesma que apedreja. E não se fala em indenizar todo o investimento feito na pesquisa mineral”, pondera.
Quanto aos agrominerais, insumos extraídos da mineração e utilizados na agricultura como fertilizantes, cuja prospecção é considerada estratégica, o diretor da ANM anota um contrassenso: “É curioso que nos orgulhemos de sermos um dos países alimentadores do mundo, com um agronegócio pujante. No entanto, esquecemos de desenvolver a produção de agrominerais. Dependemos de 95% de potássio, por exemplo, que vêm da Rússia, Bielorrúsia, Canadá”. Para Souza essa é uma disfuncionalidade brasileira: “É um país que tem todas as oportunidades para se desenvolver em várias frentes, mas parece não querer”.
De acordo com o diretor, entre o potencial do país e a superação dos entraves, há muito o que se fazer. “A Agência Nacional de Mineração, que é executora da política mineral, fica devendo uma satisfação porque não temos um norte,” diz ele. Se a China tem know-how de pelo menos 30 anos no setor, como devemos agir para atrair investimentos na cadeia produtiva de forma competitiva? “É um grande desafio, mas também não podemos ficar alijados do que o mundo está fazendo. Temos que trazer empresas para cá, nos associarmos com empresas que fazem prospecção, que desenvolvem minas, de forma a garantir o fornecimento dos minerais estratégicos.
Apesar das dificuldades, o diretor da ANM avalia que as perspectivas são muito boas. “Do ponto de vista da geração de energia, temos as condições ideais para produzirmos uma energia limpa e atender aos quesitos do Acordo de Paris. Mas o país também tem que se estruturar”, finaliza.
(Por: Paulo Boa Nova)
Foto: ANM/Divulgação