Live realizada pela revista In the Mine, em 26 de fevereiro, teve como tema o Ecossistema Mineral para a Atração de Investimentos, disponível no link bit.ly/ITMeco. O evento reuniu grupo de especialistas que têm participado intensamente de fóruns que visam a proposição e o desenvolvimento de opções para o financiamento de projetos minerais, em especial aqueles ainda em fase de exploração mineral, considerados investimento de risco.
Entre os assuntos abordados estão a proposta da Rede Invest Mining à B3, bolsa de valores do Brasil, para a admissão da listagem de empresas de exploração mineral e o novo Fundo de Investimento em Participações – FIP, que deve ser lançado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) no próximo PDAC, maior simpósio de exploração mineral, que ocorre no início de março em Toronto, no Canadá.
Participaram do encontro Gláucia Cuchierato, diretora executiva da GeoAnsata Projetos e Serviços em Geologia, articulista da revista In the Mine e especialista em QAQC – controle e garantia da qualidade de dados geológicos; José Ricardo Pisani, executivo da Georracional Consultoria Geológica e Mineração, presidente da CBRR (Comissão Brasileira de Recursos e Reservas) e grande conhecedor de mecanismos de financiamento de projetos minerais; e Miguel Antonio Cedraz Nery, coordenador da Rede Invest Mining, consultor da Associação Brasileira de Pesquisa Mineral (ABPM) e CEO da Mine Projetos e Consultoria.
Também estiveram presentes Leonardo Resende, superintendente de Empresas e IPOs (Oferta Pública Inicial) da B3; Flávio Mota, chefe do Departamento de Indústria de Base Extrativa do BNDES; e Ricardo Fonseca, sócio da Genial Investimentos.
Evolução
Gláucia destacou alguns marcos de grande importância, nos últimos anos, que demonstram o amadurecimento do setor mineral brasileiro. Entre eles, o aumento expressivo de PQRs (Profissionais Qualificados Registrados) na CBRR, cujo número passou de 50 pessoas em 2020 para cerca de 200 pessoas hoje; o crescente desenvolvimento de consultorias técnicas e jurídicas especializadas em boas práticas para a declaração de recursos e reservas minerais; e a regulamentação, pela ANM (Agência Nacional de Mineração), do Sistema Brasileiro de Recursos e Reservas, através da Resolução nº 94/2022.
A geóloga também trouxe dados sobre a participação de empresas de mineração que operam no Brasil e estão listadas em bolsas de valores. Em 2020 havia 55 empresas listadas em 16 bolsas de valores, com predominância de junior companies (58%). Atualmente, já há 89 empresas listadas em 25 bolsas de valores, com mais de 200 projetos. Desse total, 10 empresas estão listadas na B3, seguindo regras convencionais da bolsa brasileira, que não são específicas para mineração. Há 24 empresas na bolsa australiana (AUX), 39 na bolsa canadense (TSX), 15 na bolsa norte-americana (NYSE) e 20 na bolsa londrina (LSE). Ao todo, 74% (66 empresas) são junior companies, predominantemente em estágios iniciais de projeto e voltadas a minerais estratégicos para a transição energética, como lítio e terras raras.
Perspectivas
Para José Ricardo Pisani, a mineração brasileira passa por um momento ímpar de oportunidades abertas, com grande sincronia entre seus vários agentes – empresas minerais, instituições como a CBRR, B3 e BNDES e fundos de investimento. O setor assiste à chegada de várias junior companies e à multiplicação de projetos, em especial de lítio e terras raras nos estados de Minas Gerais, Bahia e Goiás, entre outros.
“Precisamos desenvolver um ecossistema na mineração para aproveitar essa fase tão prolífica e manter a atratividade de investimentos em nosso mercado”, diz o especialista. Pisani lembra que, segundo o IBRAM (Instituto Brasileiro de Mineração), a previsão de investimentos em projetos minerais, entre 2024 e 2028, é da ordem de US$ 64,5 bilhões, 60% maior que a estimativa feita há dois anos (2022). Mantido esse crescimento, diz o geólogo, será possível atingir, já em 2025, a estimativa recorde de 2016, de US$ 70 bilhões em investimentos.
Além do aumento de 40 PQRs na CBRR em 2023, contra uma média anual de 25 PQRs nos anos anteriores, Pisani destacou a abertura de um mercado de venture capital para projetos minerais na B3, o lançamento do FIP pelo BNDES e a iminência do lançamento, pela Handbag Mining Investments, do primeiro crowdfunding exclusivo para mineração no Brasil, já totalmente aprovado pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários).
Bolsa Brasileira
Coordenador da Invest Mining, rede colaborativa que já agrega entidades representativas, órgãos públicos e privados e fornecedores ligados à mineração, Miguel Nery falou dos objetivos da instituição e de sua proposta à B3 para a abertura de uma bolsa de venture capital para junior companies de mineração, com base nos resultados de exploração mineral de seus projetos. “A exemplo do modelo já utilizados em bolsas de valores internacionais, a cotação inicial das ações dessas empresas teria um preço baixo, que iria sendo valorizado na medida em que seus relatórios fossem divulgados, comprovando aos acionistas a existência e viabilidade da jazida mineral.
“O ideal é que as empresas que venham a se listar na B3 já tenham superado os riscos geológicos mais críticos, com medição dos recursos inferidos e caracterização definida da jazida. Também podem ser empresas que, já sendo listadas em outros mercados, possuam sua competência e credibilidade reconhecidas”, considera Nery. Num primeiro momento, o acesso às empresas será restrito a investidores profissionais, caso de fundos de investimento, de forma a fortalecer e dar robustez a esse mercado, antes de sua abertura a investidores individuais.
Do outro lado do balcão, Leonardo Resende, superintendente de Empresas e IPOs (Oferta Pública Inicial) da B3, diz que a bolsa brasileira, hoje com 6 milhões de investidores, mais de 50% deles estrangeiros, e atuação em quase todos os setores produtivos do país, precisa cruzar uma de suas últimas pontes, que é a do setor mineral. “É evidente que há apetite de investidores por ativos minerais. A questão, em relação a empresas em fase pré-operacional, é como atender às demandas do investidor, para que ele faça sua avaliação e decida investir nesses projetos. A CVM, inclusive, já regulamentou o acesso de empresas nesse estágio”, considera o especialista.
Fundo de investimento
Flávio Mota destacou que a ideia do FIP surgiu há cerca de três anos e ganhou força a partir de 2023, como foco nos chamados minerais estratégicos, estando alinhado aos objetivos definidos pela Nova Indústria Brasil (NIB), política recentemente lançada pelo governo federal para a indústria nacional. “Falamos dos minerais críticos, como cobalto, lítio e terras raras, para o atingimento das metas de transição energética e descarbonização, quanto daqueles voltados à segurança alimentar, como fósforo, potássio e remineralizadores”, explica o executivo do banco.
O novo fundo visa apoiar junior companies e empresas de médio porte, que não têm capacidade de obter crédito junto ao próprio BNDES ou a outros agentes do mercado financeiro, para viabilizar projetos de exploração mineral, fase inicial do desenvolvimento de mina. Segundo Mota, o banco estatal irá fazer um aporte de até 25% do valor total do fundo, tornando-se um de seus investidores âncora, sendo levado posteriormente a mercado para a obtenção de investimentos nacionais e estrangeiros. “Acreditamos que o FIP é um caminho para o tão almejado desenvolvimento do mercado de capitais do setor mineral brasileiro. Para além dos investidores estrangeiros, que já conhecem e estão habituados a investir em mineração, nosso fundo deve chamar a atenção também dos investidores nacionais, que são fundamentais para o sucesso da iniciativa”, conclui Mota.
Validação
Também para Ricardo Fonseca, sócio da Genial Investimentos, a mineração brasileira está em um de seus melhores momentos. “Hoje, vivemos uma tempestade perfeita no setor, que acontece de forma muito mais estrutural que a do boom das commodities, principalmente minério de ferro, que tivemos nos anos 2000”, afirma. Entre os fatores que contribuem para esse ambiente favorável, ele cita as receitas positivas de exportação de minérios, incluindo os voltados à fabricação de fertilizantes, e a alternativa da eletrificação para se contrapor ao aquecimento global, demandando grande volume de matérias-primas, principalmente minerais estratégicos.
“O Brasil pode se tornar uma espécie de âncora da mineração global. Temos várias junior companies operando no país, quadros técnicos competentes no setor mineral e uma infraestrutura logística razoável. Sem contar com nosso potencial geológico, que vai muito além do minério de ferro”, considera Fonseca. Ainda assim há desafios a serem superados. Um deles, diz o especialista, é o gap enorme de comunicação entre a comunidade financeira e a realidade da pesquisa geológica de campo. “Precisamos criar a nossa Ni 43.101 (norma canadense para avaliação de projetos minerais) e, diante do ambiente de compra e venda de ativos minerais que está sendo criado pela B3 e do fundo de investimento do BNDES, teremos um ecossistema preparado para captar os recursos necessários à mineração no próprio Brasil, sem a necessidade de recorrer a mecanismos internacionais”, acredita Fonseca.