MINERAÇÃO E CONSTITUIÇÃO

Por: William Freire1

A inclusão da mineração nas Constituições brasileiras começa com a Constituição de 1891, dispondo que “compete privativamente ao Congresso Nacional legislar sobre terras e minas de propriedade da União”.

No artigo 72, § 17, dispôs que (1) “O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indemnização prévia”; (2) “As minas pertencem ao proprietário do solo, salvo as limitações estabelecidas por lei, a bem da exploração das mesmas” e (3) “As minas e jazidas minerais necessárias à segurança e defesa nacionais e as terras onde existirem não podem ser transferidas a estrangeiros.”

As Constituições de 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988 mantiveram a competência da União para legislar sobre mineração, com diferentes vocábulos: legislar sobre terras e minas de propriedade da União, riquezas do subsolo, mineração, jazidas, recursos minerais e minas.

Tratando de mineração, em termos de avanço normativo, e até mesmo institucional, nenhuma Constituição brasileira superou a de 1934, que dispôs que as minas e demais riquezas do subsolo constituem propriedade distinta da do solo para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial, e que não dependia de concessão ou autorização o aproveitamento da mina que já estivesse em lavra na data da Constituição, ainda que transitoriamente suspensa.

E a Constituição de 1988? Foi o resultado possível, considerando a composição da Assembleia Constituinte e das forças que atuavam naquela época.

Do livro A questão mineral na Constituição de 1988 (CETEM, 1988), de Fábio S.Sá Earp, Carlos Alberto K.de Sá Earp e Ana Lúcia Villas Boas, extraem-se relatos que retratam os ânimos nos idos 1986-1988: “O debate desta Casa deve estar circunscrito entre a nacionalização e o entreguismo”; “Oportunismo estrutural das elites brasileiras”; “Jogo de alianças inter-elites”; “O direito à mineração em terras indígenas é uma questão delicada, que envolve interesses que em muito transcendem a questão econômica”; “ao sabor da correlação de forças” e “as forças sociais por trás dos atores”[1].

Os mais antigos se lembram do artigo 171 da Constituição de 1988, revogado pela Emenda Constitucional nº 06, de 1995, que dispunha sobre as empresas brasileiras de capital nacional. Do seu insucesso, fica a lembrança do artigo 44 das Disposições Constitucionais Transitórias.

E o artigo 176? Em poucas palavras, prolixo e mal redigido. Definir a natureza dos atos administrativos de outorga — autorizações e concessões — numa Constituição? Não funcionou. Tanto assim é, que as licenças municipais registradas na Agência Nacional de Mineração (ANM) — que não se confundem com autorizações e concessões — permaneceram em vigor sem que ninguém contestasse a recepção da Lei 6.567/78 pela Constituição.

Para completar a desmoralização, nove meses após a gestação da Constituição de 1988, nasceu a Lei 7.805/89, que criou a Permissão de Lavra Garimpeira (que não se confunde com autorização ou concessão).

Voltemos ao artigo 176, que dispôs que a lei estabelecerá condições específicas quando o aproveitamento dos recursos minerais se desenvolverem em terras indígenas. No artigo 231, está que a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivadas com autorização do Congresso Nacional. Deu no que deu. Passaram-se 34 anos e o Congresso Nacional não teve tempo (ou teve outros interesses) de cuidar desse assunto.

Do artigo 176 aproveitam-se a disposição que definiu que as jazidas e os demais recursos minerais pertencem à União, entidade com personalidade jurídica e soberania; a que consentiu a atividade mineral — considerada de utilidade pública — em terras indígenas; e a que dispõe que gestão da mineração deve ser conduzida no interesse nacional.

A gestão da mineração no interesse nacional (1) é regra-princípio reconhecida pela comunidade jurídica e (2) obriga a todos que integram as relações jurídicas decorrentes da mineração.

Considerando a cobiça internacional sobre a Amazônia, que coloca em risco o desenvolvimento da nossa mineração, há necessidade de uma Constituição com regras e Princípios com núcleo de sentido forte, que proteja o País. Lembro-me, então, da Oração aos Moços, de Ruy Barbosa, proferida aos bacharelandos em Direito de 1921 em São Paulo: “[…] Guardemo-nos das ‘proteções’ (aspas minhas) internacionais. […] O Brasil é a mais cobiçável das presas […].”

Estaria desatualizado esse alerta proferido há 101 anos? Não, porque as interferências nas questões nacionais, as tentativas de violação da nossa soberania e a ingerência nas políticas domésticas são constantes.

As riquezas minerais são patrimônio do povo brasileiro. Por isso, estejamos todos alertas aos comandos constitucionais maiores: o Princípio da soberania sobre nossas riquezas minerais e o Princípio da gestão da mineração no interesse nacional.

1Advogado, professor de Direito Minerário e Direito Ambiental Aplicado à Mineração, sócio-fundador da William Freire Advogados Associados

1Advogado, professor de Direito Minerário e Direito Ambiental Aplicado à Mineração, sócio fundador da William Freire Advogados Associados

 

 

[1] Sobre o assunto também recomendo:
Política mineral do Brasil: Dois ensaios críticos. PEREIRA, Osny Duarte; SÁ, Paulo César Ramos de Oliveira; MARQUES, Maria Isabel. Brasília: MTC/CNPq, Assessoria Editorial e Divulgação Científica. 1987.
Constituinte: A nova política mineral. GUERREIRO, Gabriel e outros. Brasília: CNPq, Assessoria Editorial e Divulgação Científica. 1988.
Constituinte: Anteprojeto da Comissão Afonso Arinos comentado por Osny Duarte Pereira. Brasília: Editora Universidade de Brasília.1987.
Mineração e Constituinte: Histórico e sugestões à nova Constituição brasileira. Brasília: Instituto Brasileiro de Mineração — IBRAM. 1986.

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