UM EXPERT EM DIAMANTES E FINANCIAMENTO DE PROJETOS

UM EXPERT EM DIAMANTES E FINANCIAMENTO DE PROJETOS

Ele começou a trabalhar como geólogo de campo em projetos de diamante da De Beers, na região amazônica, aos 22 anos. Após 14 anos e passagens pela Venezuela e Canadá, a permanência por seis meses no Zimbabwe, em um período de extrema violência e durante uma epidemia de Aids, tomou a que considera a decisão mais difícil em sua vida profissional: a de deixar a maior mineradora de diamantes do mundo.

Foi, então, para a Vaaldiam Resources, onde trabalhou em um projeto de diamantes em Rondônia e na abertura de duas minas de aluvião, em Minas Gerais e no Mato Grosso. Pela Vaaldiam, ainda, voltou à Província Kimberlítica de Braúna, na Bahia, pela segunda vez – a primeira tinha sido com a De Beers. Além dos kimberlitos do Projeto Braúna, fez a grande descoberta de sua vida – a da moça com quem está casado há 26 anos, então moradora da cidade de Nordestina, onde fica a atual mina Braúna, da Lipari.

A crise financeira de 2008 levou à queda dos preços e da demanda por diamantes e acabou fazendo a Vaaldiam encerrar suas operações no Brasil. A decisão de sair da junior companie canadense, que já havia sido tomada antes que o mundo descobrisse que um diamante não é para sempre, estava mais que justificada. Em seu último emprego, contratado como diretor de Mineração da Mínera Gold, uma nova crise reduziu as cotações de ouro e inviabilizou os projetos da empresa. Foi a deixa para que ele montasse sua própria consultoria.

Apesar dos reveses, o sempre otimista José Ricardo Thibes Pisani é hoje um dos mais reconhecidos geólogos de projetos de diamante do Brasil. Ele também é um expert em mecanismos de financiamento de projetos de mineração, transitando com desenvoltura entre o mercado de capitais, fundos de investimento, debt finance e outras formas de captação de recursos alheios quando, apesar da redução de riscos, o “dinheiro do bolso” já não basta e é chegada a hora de “envelopar” o projeto para atrair investidores.

Pisani
José Ricardo Thibes Pisani

Nesta entrevista exclusiva a In the Mine, Pisani fala de suas experiências, da geologia dos depósitos de diamantes e dos métodos e desafios para sua exploração. Também explica as fases de um projeto mineral e suas opções de financiamento. O geólogo opina sobre os riscos advindos de mudanças na legislação mineral e tributária brasileira e da proposta de mineração em terras indígenas e, ainda, sobre a autorregulação do setor. Aos jovens geólogos lembra que a carreira segue os ciclos da mineração e que os momentos de baixa não são para acomodação. Mas para a busca de conhecimento e preparação para a retomada.

ITM: Você é reconhecido como um dos mais experientes geólogos de exploração de diamantes do Brasil. Como começou essa trajetória?

Pisani: Meu trabalho de conclusão do curso de Geologia já tratava da área exploratória em uma região de ocorrência de diamantes. Após minha graduação, fui contratado como geólogo júnior na De Beers, maior mineradora de diamantes do mundo, em projetos no Pará e Tocantins. Na sequência, coordenei projetos na Bahia, incluindo aí a descoberta dos kimberlitos da Província Braúna. Passei 14 anos na De Beers e, além do Brasil, trabalhei na Venezuela e no Canadá, indo para o Zimbabwe quando a De Beers encerrou suas atividades aqui. Fique por lá seis meses e estava para levar minha família quando decidi voltar ao Brasil. O Zimbabwe passava por um período de muita violência, principalmente contra brancos por razões históricas de sua opressão sobre os negros. Além disso, havia uma emergência sanitária, com a contaminação de cerca de um terço da população pela Aids. Até hoje, a decisão de deixar a De Beers foi a mais difícil da minha vida profissional.

ITM: Como foi a volta ao Brasil?

Pisani: Comecei a trabalhar como consultor e um de meus primeiros clientes foi a canadense Vaaldiam Resources, que tinha um projeto em Rondônia, na região de Pimenta Bueno, próxima à reserva indígena Roosevelt. Lá, tive meu primeiro contato com Ken Johnson, CEO da Vaaldiam. Pouco tempo depois, ele me convidou a ser vice-presidente mundial da empresa e seu Country Manager no Brasil, cargos que exerci por 5 anos. Entrei, então, no mundo das junior companies onde precisei aprender sobre a parte legal, social, financeira, administrativa e de gestão de pessoas, o que adicionou muito valor à carreira técnica que eu tinha construído na De Beers. E, assim como lá, a Vaaldiam também foi uma excelente escola.

ITM: De Rondônia, você foi para o Projeto Braúna?

Pisani: Não. Antes abrimos duas minas de aluvião – Duas Barras, em Minas Gerais, e Chapada, no Mato Grosso. Na sequência, a Vaaldiam adquiriu o Projeto Braúna, na Bahia, que era da De Beers. Com as duas minas em operação, a Vaaldiam se tornou o maior produtor individual de diamante legal do Brasil, com mais de 400 funcionários. Em paralelo, definimos os recursos minerais e comprovamos a viabilidade de Braúna. Em 2008 veio a crise financeira mundial com a falência do banco de investimentos Lehman Brothers. Os preços do diamante decaíram muito, os acionistas venderam as ações da Vaaldiam e a empresa, com diamantes para vender, mas sem ninguém para comprá-los, viu seu valor de mercado passar de mais de US$ 250 milhões para menos de US$ 10 milhões e encerrou as operações no Brasil.

ITM: Uma reviravolta vertiginosa…

Pisani: Sim. Eu já estava me preparando para deixar a empresa, mesmo antes da crise. Ajudei Johson na transição para o fechamento e saí num momento em que ninguém queria contratar um profissional de diamante, aproveitando o ano e meio seguinte para me reciclar e fazer meu MBA. O ex-time da Vaaldiam, incluindo Johnson, foi para a Lipari, que hoje opera a mina Braúna.

ITM: Voltando um pouco, como foi sua experiência em Braúna?

Pisani: Minha experiência se deu em duas fases. A primeira, de descoberta dos kimberlitos, ainda na De Beers, e a segunda na avaliação dos recursos minerais, já na Vaaldiam. Foi lá que aprendi, na prática, o bom exercício da exploração mineral e a importância do bom relacionamento. Hoje, se fala muito em ESG (governança ambiental, social e corporativa). Mas há quase 30 anos, quando cheguei em Nordestina, onde fica o projeto, já sabíamos da importância de estar atentos às questões sociais e ambientais e de ter um bom relacionamento com a comunidade, refletindo nossa atuação em ganhos com a geração de empregos locais, capacitação de moradores, incremento do consumo e geração de renda. Até hoje sou muito respeitado em Nordestina e tenho muito respeito por sua população de trabalhadores muito eficientes e competentes. Inclusive, foi lá que fiz minha principal “descoberta”: a da moça que se tornou minha esposa.

ITM: Em 2008, como estava o projeto?

Pisani: Tínhamos concluído o estudo de viabilidade econômica e aprovado o relatório final positivo. Em 2008, antes da crise financeira, apresentei os resultados desse trabalho no Simexmin (Simpósio de Exploração Mineral). Era a primeira vez que uma empresa apresentava publicamente a viabilidade de um projeto. Os números que divulgamos, então, são muito parecidos, em termos de teor, volume do depósito e preço médio do diamante, aos da atual produção da Lipari. Foi um trabalho muito sério, com muita sondagem, muita geofísica, feito por um time pequeno, mas comprometido.

ITM: Para onde você foi depois da Vaaldiam?

Pisani: Fui convidado a ser o diretor de Mineração de um braço da Georadar em Minas Gerais, a Mínera Gold, para ativar as fases iniciais de alguns projetos. Um deles em Goiás, em aluviões de ouro e diamante, produzindo nove relatórios finais positivos que, em algum momento, chamarão a atenção de investidores. Passei cerca de cinco anos na empresa e saí também em outra crise, quando o preço do ouro caiu de US$ 2 mil para cerca de U$S 1.100 por onça, entre 2013 e 2014, o que colocou em xeque a atratividade de nossos projetos. Decidi, então, tocar minha empresa de consultoria.

 ITM: Voltando aos diamantes, quais são as diferenças entre um depósito primário e um secundário?

Pisani: Os depósitos primários de diamantes são rochas vulcânicas, chamadas kimberlitos ou lamproítos, formadas no manto superior que, ao ascenderem para a superfície, por vezes amostram porções onde o diamante é formado na base da litosfera, a cerca de 250 km de profundidade. Quando isso acontece, essa rocha em ascensão carrega parte dos diamantes na sua viagem para a superfície. Ocorre também que, com o passar dos anos geológicos, essa rocha vulcânica é exposta a eventos climáticos diversos, que fazem com que os diamantes se desprendam de sua fonte original, sendo transportados por rios, mar e até por geleiras, e depositados em “armadilhas” criadas nos ambientes onde chegam, formando os depósitos secundários.

ITM: Quais são os métodos mais adequados à exploração desses depósitos?

Pisani: Tudo começa com um bom conhecimento da geologia que se está explorando, seguido por campanhas de amostragem, geofísica e sondagem, até que se descubra o kimberlito. A descoberta do kimberlito é só a primeira parte do projeto, já que a maioria deles é estéril. Entram, então, os estudos dirigidos – conhecimento de química mineral ou amostragem direta para a recuperação de diamantes ou micro diamantes -, que vão indicar se o kimberlito tem potencial de conter diamantes. Havendo essa indicação, é preciso fazer um estudo de amostragem de grandes volumes (2 a 3 mil t) para dimensionar o teor médio dos kimberlitos e o preço médio do diamante nessa ocorrência específica. O diamante é um ponto isolado em um corpo rochoso muito grande. É como buscar uma agulha no palheiro. O desafio é quantificar um número de diamantes recuperados e se eles são bons ou ruins.

ITM: E no caso dos depósitos secundários?

Pisani: Nesse caso, a pesquisa é feita para identificar e dimensionar a extensão dos depósitos, normalmente através de mapeamento, geofísica e sondagem rasa, seguida da amostragem de grande volume para testar os teores desses depósitos.

ITM: Quais são as dificuldades nesse tipo de pesquisa mineral?

Pisani: Como em toda pesquisa mineral, uma das grandes dificuldades é a chance muito baixa de sucesso nas etapas iniciais, o que afasta potenciais investidores. Nas fases mais avançadas, de definição de recursos e reservas, embora seja mais fácil atrair o investidor, o problema é o custo muito alto pela necessidade de testar o depósito com grandes volumes de amostras e realizar o cálculo estatístico do preço médio do diamante. Para isso, é preciso contar com uma planta piloto para tratar grandes volumes, com licenças ambientais ainda em fase de pesquisa, o que compromete o prazo de entrega dos resultados e, em casos de kimberlitos que não estão na superficie, executar sondagens de grande diâmetro para a coleta das amostras. Finalmente, ainda que o teor seja atrativo, é complicado quantificar o preço médio do diamante recuperado. Existem milhares de classificações diferentes e o cálculo não é simplesmente matemático.

ITM: Como você vê o garimpo ilegal, a exemplo do que ocorre na Reserva Roosevelt, em Rondônia, há décadas?

Pisani: A figura do garimpo e do garimpeiro legal tem grande importância na economia de muitos municípios do país, gerando empregos e riquezas até mesmo em momentos de crise. Já a mineração ilegal está quase sempre associada à evasão de divisas, destruição ambiental, violência, invasões, corrupção, etc. Enquanto setor e cidadãos precisamos combater essa prática e, sempre que possível, mostrar a diferença entre o garimpo ilegal e as atividades minerais legalizadas e comprometidas, na maioria das vezes, com as melhores práticas ambientais e sociais. A atividade de mineração ilegal é tão danosa para o país quanto o tráfico de drogas e armas. Se continuarmos coniventes com essa prática ilegal, como país e como governo, os produtos advindos da mineração do Brasil vão passar a ser menos demandados ou a ter seu valor rebaixado.

ITM: Uma outra área de expertise sua é o financiamento de projetos de mineração. Partindo do início, quais são as fases de um projeto mineral?

Pisani: As principais fases são, na sequência, exploração pioneira, exploração avançada (que gera uma descoberta), definição de recursos e reservas, desenvolvimento e implantação do projeto ou mina, produção e descomissionamento ou reabilitação da área. A maioria dos projetos morre no início, quando não se encontram evidências que justifiquem a continuidade dos trabalhos. Nos que se desenvolvem, as fases de exploração (pioneira e avançada) variam de 3 a 6 anos, período que, dependendo do projeto ou bem mineral, pode incluir ou não a definição dos recursos minerais. Nosso direito mineral dá para a empresa um alvará de pesquisa com três anos de prazo, renovável por mais três. Nesse período é preciso ter os recursos minerais bem definidos e estudados para obter a aprovação do relatório final positivo pela ANM (Agência Nacional de Mineração).

ITM: E as próximas etapas?

Pisani: A definição de reservas engloba as subfases conceitual, de pré-viabilidade e de viabilidade econômica do projeto. É quando fatores modificadores – técnicos, econômicos, ambientais e sociais – são confrontados com os resultados dos recursos minerais para estabelecer a viabilidade do projeto. Essa fase, junto com a de desenvolvimento e implantação, dependendo do tamanho do projeto, bem mineral ou momento econômico, chega a demorar até 10 anos para ser concluída. Já em produção, a vida útil da mina está diretamente relacionada ao volume dos recursos minerais existentes, ao ritmo de produção e ao retorno econômico ou financeiro do empreendimento. Normalmente, a operação se estende a décadas e deve ter pelo menos 10 anos de duração para ser economicamente viável, permitindo o retorno do investimento inicial. Já o descomissionamento e reabilitação ambiental da área minerada, de acordo com compromissos pré-estabelecidos junto aos órgãos ambientais e a ANM, pode variar de poucos meses a muitos anos, dependendo do porte da mina e do impacto ambiental causado pela operação.

ITM: Há alguma possibilidade de viabilizar minas com vida útil menor?

Pisani: Sim. As duas minas abertas pela Vaaldiam geravam empregos diretos, eram lucrativas e tinham vida entre dois ou três anos apenas. Mas, nesse caso, o investimento inicial era muito baixo, entre US$ 5 e 6 milhões. Assim, era possível iniciar a operação com expectativa de pagar o investimento inicial e, ainda, ganhar um folego de mais de um ano para realizar o lucro. Para certos bens minerais, que exigem tecnologia metalúrgica mais avançada ou equipamento mais pesados, o investimento é bem maior. Mesmo que a operação seja lucrativa, o contexto econômico do projeto inviabiliza o tempo de retorno do capital investido.

ITM: Que atributos tornam um projeto “envelopado”, como você define, para a atração de investidores?

Pisani: Sempre que sou procurado para auxiliar um cliente na busca por investidores pergunto como o projeto e seus dados estão estruturados. Na maioria das vezes, as informações, quando existem, estão pobremente organizadas, sem padrão de QA/QC (controle e garantia de qualidade) e com trabalhos de exploração e definição de recursos que não seguem critérios mínimos de procedimento, fazendo com que todo o esforço prévio do empreendedor seja desconsiderado. A atratividade de um projeto deve começar no momento de sua concepção, quando todo o trabalho – conceitual, de exploração e de definição de recursos e reservas – deve ser muito bem orientado, organizado e registrado, seguindo as práticas já estabelecidas e aceitas pelo mercado. Dessa forma, toda informação, se necessário, poderá ser reproduzida, replicada e auditada, sem criar dúvidas quanto à confiabilidade dos resultados e o potencial do projeto. É a esses procedimentos, controles, estratégias e resultados que chamo de “envelopamento” do projeto para atração de investidores.

ITM: Quais são as opções de financiamento mais adequadas a cada fase?

Pisani: Nas fases iniciais de um projeto, quando os riscos são muito altos, a principal fonte é o investimento privado, já que não há resultados e garantias de que o projeto terá a atratividade que o mercado demanda. Nessa fase, costumamos dizer que não se trata de “dinheiro da bolsa” e sim “dinheiro do bolso”. A partir da descoberta, quando começa a definição dos recursos minerais, o leque de fontes de investimento se abre bastante. Neste momento, o projeto pode começar a decolar, abrindo para o investidor possibilidades muito grandes de ganhos sobre o valor investido. A atratividade do projeto ainda não atingiu o seu ápice e o caminho de financiamento principal é a troca do investimento por participação (equity), que pode se dar via Bolsa de Valores, ou a entrada de investidores privados, no geral fundos de investimento, através de private equity.

ITM: E na fase de definição de reservas?

Pisani: É um dos picos da valorização porque, a partir dela, começa o desenvolvimento e implantação do projeto. Apesar da alta demanda de recursos e de ser uma fase em que as boas notícias do projeto diminuem, resultando na fuga de investidores que focam no retorno em curto prazo, outras portas de investimento se abrem, devido aos riscos bem menores, surgindo as opções de royalty ou streaming (pagamentos vinculados à produção) ou do nosso popular empréstimo, conhecido internacionalmente como debt finance. Com o início da produção, se a empresa fez a lição de casa nas fases anteriores, o projeto se autofinancia pela geração de receitas próprias e a entrada de investidores pode estar relacionada à necessidade de aquisição de novos equipamentos ou tecnologias, a um plano de ampliação ou a novos projetos. Então, o ciclo se reinicia.

ITM: Quando é oportuno realizar um IPO (oferta pública de ações)?

Pisani: O IPO pode começar logo após a descoberta, já que é uma forma de equity, mas não é a melhor alternativa nas fases iniciais do projeto. O melhor é que seja realizado na pós-descoberta. Quando a empresa só tem uma mina, não é aconselhável fazer um IPO, porque os ganhos entram em estabilidade e o investidor não vê oportunidade de ter um grande retorno. Já quando a empresa tem um segundo projeto, o IPO é uma boa opção.

ITM: Como podemos comparar investimentos em projetos minerais no Brasil e em outros países?

Pisani: Quanto um projeto mineral é muito bom e os riscos são pequenos, não importa se ele está no Brasil, China, Gabão ou Ártico. A maioria dos projetos no mundo tem uma atratividade média muito parecida, oferecendo aos investidores uma cesta de opções. Normalmente, a escolha será aquela em que os riscos políticos, econômicos, ambientais e sociais são menores, considerando as práticas de ESG. No caso do Brasil, apesar de haver muito dinheiro disponível para investimento, há o complicador da falta de cultura em investimento de risco e a preferência pelo investimento especulativo, de baixo risco, liquidez imediata e alto retorno, sem foco na geração de empregos ou produção. Assim, o setor mineral perde a chance de ter investidores brasileiros financiando projetos brasileiros. Em países como a Austrália e o Canadá, há uma política pública para proteger o investidor médio de riscos, o que fomenta seu interesse.

ITM: Em sua opinião, porque a pesquisa mineral no Brasil vem decaindo?

Pisani: Existem vários fatores, mas o principal é mesmo o mercado. O boom da pesquisa mineral no Brasil – o chamado boom das juniors – esteve diretamente associado à facilidade de captação de investimentos no mercado internacional, via bolsa de valores. Aqui e no mundo, bastava ter um projeto e havia muita gente vendendo direito mineral, sem qualquer amostra, por milhões de dólares. Com a crise de 2008, vários investidores tiveram perdas em bolsa e passaram a ser muito mais criteriosos. Com isso, percebemos que nossos projetos não estavam adequadamente “envelopados”, o que fez boa parte do investimento fluir para distritos mais seguros.

ITM: E quais são os gargalos que temos que superar?

Pisani: Um deles são as constantes mudanças no Código de Mineração, que sempre foi bem aceito e deu garantias, sem sobressaltos, para o investidor. Outro são as questões tributárias. Se a cada dois ou três anos volta a discussão sobre um novo imposto ou majoração da CEFEM (Contribuição Financeira pela Exploração de Recursos Minerais), não se consegue ter previsibilidade para desenvolver um plano de aproveitamento econômico de um projeto mineral. Na mentalidade do investidor, a única variável admissível é o preço final do produto, que é definido pelo mercado. Também há demora na emissão de títulos minerários, como os de concessão de lavra, associada à demora do licenciamento ambiental. Se o estado não está preparado para a autorregulação do setor, precisa estar melhor preparado para tirar os projetos das gavetas e aprová-los.

ITM: Você apoia a tese de autorregulação do setor?

Pisani: A autorregulação passa novamente por uma mudança de cultura. É uma medida que deve valer para todas as mineradoras e aí, entramos em uma zona de risco que pode prejudicar o setor. É uma boa solução para vários problemas, mas não é uma solução imediata. Precisamos nos organizar melhor.

ITM: Qual a contribuição que a criação da CBRR (Comissão Brasileira de Recursos e Reservas) pode dar ao setor mineral?

Pisani: Essa é uma demanda antiga do setor. Lembrando que a CBRR não vai certificar projetos. Seu objetivo é registrar os profissionais competentes para realizar essa análise. Com o registro de profissionais qualificados, que é bastante criterioso na CBRR, os projetos tendem a ser melhor organizados, tornando-se “envelopados” dentro de um padrão internacional, o que elevará sua atratividade para investimento. A importância da CBRR será percebida no longo prazo, na medida em que aumentar a oferta de profissionais qualificados, inclusive para atuar junto a pequenas mineradoras viabilizando o financiamento de seus projetos.

ITM: Qual a sua opinião sobre a mineração em terras indígenas, outro tema que voltou ao debate?

Pisani: Acredito que essa não é uma demanda do setor e, a curto prazo, pode trazer mais problemas que soluções. No Brasil existem várias áreas pouco pesquisadas e com imenso potencial a ser explorado fora de reservas florestais ou indígenas. Não dependemos, por hora, da disponibilidade de áreas de reservas para evoluir com a nossa produção mineral. Por outro lado, será muito ruim para a mineração brasileira receber o carimbo de que seu minério vem de um país que pode estar violando direitos indígenas ou impactando reservas ambientais. A população indígena, se quiser, merece passar por um processo de inclusão. Mas o provável é que ela acabe sofrendo as consequências negativas da mineração em suas terras, sem qualquer benefício como contrapartida. Poucas figuras serão realmente beneficiadas.

 

Perfil:

Nasceu em: 21/12/1969, em Campos Novos (SC)

Mora em: Sete Lagoas (MG)

Formação Acadêmica: Geólogo pela UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso), com MBA em Gestão de Empresas pela FGV (Fundação Getúlio Vargas)

Trajetória Profissional: Contratado aos 22 anos, como geólogo de campo, pela De Beers, onde fiquei por 14 anos, passando a geólogo de projeto, coordenador do time de geração de alvos, gerente de projeto e gerente regional. Depois, fui consultor, vice-presidente e Country Manager no Brasil da Vaaldiam Resources. Mudei para a Mínera Gold como Diretor de Mineração, por 4 anos. Em 2015, fundei minha empresa, Georracional Consultoria Geológica e Mineração, para atender a clientes internacionais e nacionais em busca de projetos ou oportunidades no Brasil

Família: Casado há 26 anos com a mulher mais especial que um homem pode ter. Formamos uma família linda, com dois filhos: a mais velha, com 25 anos, quase formada em Veterinária. O mais novo, com 20 anos, já na metade do curso de Ciência de Computação

Hobby: Estar sempre com a família: em casa, cozinhando, viajando, em um show ou assistindo a um filme

Time de futebol: Colorado (Internacional de Porto Alegre), com muito orgulho

Um ídolo ou mestre: Meu pai que, apenas com o estudo fundamental, criou e educou seus três filhos e que, ainda hoje, com 80 anos, recém recuperado de uma pneumonia bacteriana seguida de Covid-19, ainda encontra forças para viver feliz

Maior realização: Sem dúvida, a construção da minha família

Maior decepção: São várias, mas muito pequenas diante das alegrias e conquistas que a vida me deu

Um projeto: O principal é minha família. Do ponto de vista profissional, gostaria de participar de um projeto de orientação a pequenos mineradores e garimpeiros de diamante, associado a autoridades do setor, compartilhar meus conhecimentos técnicos, operacionais e de gestão

Um “conselho” aos jovens geólogos: Meu lema de vida é a frase de um autor desconhecido: “O homem que se decide a parar até que as coisas melhorem verificará, mais tarde, que aquele que não parou e colaborou com o tempo está tão adiantado que já não poderá ser alcançado”. Tal como a mineração vive de ciclos, nossa carreira também terá altos e baixos. A pior atitude é se acomodar nos momentos de baixa. Aqueles que se capacitarem e buscarem evoluir no conhecimento estarão melhor preparados para a retomada da demanda

1 comentário em“UM EXPERT EM DIAMANTES E FINANCIAMENTO DE PROJETOS

  1. Prezado José Ricardo, se algum dia você viabilizar este projeto de orientação a pequenos mineradores e garimpeiros de diamante, associado a autoridades do setor, compartilhar meus conhecimentos técnicos, operacionais e de gestão, estou à disposição de participar como voluntário. Sou Químico Industrial e pós graduado em Engenharia de Controle Ambiental, profissional aposentado da Petrobrás.

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