Por Leandro César Melo Batista*
O histórico de segurança em barragens no mundo remonta a algumas décadas. Contudo, o rompimento de duas grandes barragens de rejeitos de minério de ferro nos últimos 5 anos no Estado de Minas Gerais, Brasil, e, sobretudo, as consequências de tais ocorrências desencadearam uma série de estudos de engenharia multidisciplinar e de geologia para o monitoramento das estruturas, assim como para a escolha da melhor técnica para seu descomissionamento futuro.
Diante da peculiaridade e complexidade dessas estruturas sabe-se que diversas mineradoras de médio e grande porte já consideravam as questões de segurança em seu cotidiano. No entanto, o acesso físico e seguro para garantir a manutenção e o monitoramento dos diversos componentes estruturais de uma barragem, muitas já naturalmente envelhecidas, tornou-se um desafio a ser superado, visto a limitação e o altíssimo custo de operações aéreas por helicópteros para viabilizar esses trabalhos.
Um método alternativo é o Sistema de “Linha de Vida” ou “Linha de Içamento” para Barragens (Lift Line System at Dam Site), que assegura maior segurança no acesso às superfícies das barragens incorporando tecnologia a antigos conceitos físicos e matemáticos. Desde o século III, na civilização Inca, pontes de cordas simples com geometrias catenárias (semelhante a parábolas) eram construídas para a travessia de pedestres e animais vencendo grandes abismos e montanhas. Em meados da década de 1960, métodos numéricos e de elementos finitos (MEF) foram largamente desenvolvidos e aplicados posteriormente no dimensionamento de grandes estruturas civis e pontes (metálicas e de concreto) e de cabos de aço, sobretudo na engenharia civil.
O conceito de “linha de vida” é relativamente simples, utilizado em trabalhos em altura e considerando um equipamento de proteção coletiva, uma vez que geralmente suporta mais de um trabalhador. Duas hastes fixas ou ancoragens são interligadas através de um cabo de aço tensionado, sendo o comprimento do cabo envolvido pelo talabarte preso ao corpo do trabalhador para a retenção de uma possível queda.
Os parâmetros técnicos e de segurança são potencializados quando tratamos de superfícies extensas (em alguns casos superiores a 1,000 metros), pegajosas, irregulares e instáveis, com alto risco de fraturamento hidráulico e de colapso.
Por essa razão, estudos geológicos e topográficos são premissas mandatórias para a implementação de um projeto de “Linha de Vida” em barragens, visto que a definição dos pontos de ancoragens e altimetria determinam a(s) faixa(s) de atuação da linha e, sobretudo, as áreas de segurança para a concessão da montagem do sistema em si e posterior embarque/desembarque de trabalhadores e inspetores, além de ferramental e amostras de materiais.
A partir dos pontos de ancoragem obtém-se o vão livre, valor este determinante para o dimensionamento dos outros parâmetros de projeto, como a altura das ancoragens (torres) e a flecha do cabo de aço entre os pontos.
O sistema de “Linha de Vida” para barragens representa um esquema de dissipação de energia completo visto que as cargas da plataforma, trabalhadores e ferramental são absorvidas pelo cabo de aço (linha) e este, por sua vez, transmite a energia para as torres de ancoragem, com descarregamento final sobre as fundações civis e cabos de estaiamento, se necessário.
A geometria construtiva da “Linha de Vida” dá-se na concepção unifilar, interligando 2 pontos, ou na concepção “spider-line” (3 ou 4 pontos), de forma análoga ao sistema “spider-cam” onde câmeras de vídeo suspensas por cabos se movem em algumas direções sobre uma área pré-determinada, normalmente o campo de jogo de um evento esportivo. Para uma área de barragem, na posição da câmera há uma plataforma com trabalhadores (máximo de 3) “centralizada” na junção dos cabos.
Atenção especial deve ser dada à engenharia de montagem, lançamento e controle da tensão do(s) cabo(s) de aço da “Linha de Vida” ao longo do(s) vão(s). Pelos níveis de risco existentes, impossibilidades de acesso e para garantir a performance do sistema, as características originais dos cabos de aço e garantias dos fabricantes, recomenda-se o lançamento aéreo entre torres. Sabe-se que as superfícies das barragens, sejam elas em estado líquido ou seco, são compostas por sedimentos, rochas, arbustos, minerais e abrasivos que podem afetar os cabos, danificando-os e até mesmo rompendo-os. Portanto, arrastá-los na etapa de montagem não é uma opção segura e aceitável.
A operação do Sistema “Linha de Vida” dá-se através de guinchos alocados próximo às ancoragens (torres) e acionamentos eletromecânicos de translação e içamento/abaixamento comandados pelos próprios trabalhadores embarcados em plataformas e carros troley’s e, simultaneamente, de forma remota através de postos de comando em terra firme com comunicação via rádio, sobrevoo com drones e observação visual em tempo integral. Havendo ocorrências sísmicas, ameaça ou início de um rompimento, o guincho, embarcado junto a plataforma ou troley, executa imediatamente o içamento dos trabalhadores conduzindo-os em segurança à base (zona de resgate e/ou auto salvamento).
*Engenheiro industrial mecânico e especialista em Gestão de Projetos e Obras em ambientes de mineração/siderurgia