Por William Freire[1] e Rodrigo Pires[2]
Diversos temais tributários atuais reclamam a atenção do setor mineral. Um desses é, sem dúvidas, a instituição, por diversos Estados da Federação, de taxas para custear a fiscalização da atividade mineral.
Minas Gerais (Lei nº 19.976/11), Amapá (Lei nº 1.613/11), Pará (Lei nº 7.591/11) e Mato Grosso do Sul (Lei nº 4.301/12) saíram na frente na instituição dos seus respectivos tributos. No apagar das luzes de 2020, o Estado de Goiás aderiu a esse movimento, com a Lei nº 20.942/20.
É importante marcar uma posição desde logo, sem hesitação: todas são irremediavelmente inconstitucionais. E o motivo é o mesmo para todas elas. Para explicar o porquê, é preciso entender o momento político que justificou a instituição desses tributos.
O que justificou a instituição desses tributos
Havia insatisfação dos Estados com o produto arrecadado com a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais –CFEM. Segundo eles, arrecadava-se pouco com a mineração. Em evento ocorrido em Ouro Preto/MG, em 2011, a então Presidente Dilma Rousseff assegurou que encaminharia ao Congresso, em poucos meses, uma proposta de alteração do marco regulatório da mineração, incluindo a alteração na legislação da CFEM.
No início de setembro de 2011, em entrevista para a rádio Itatiaia, de Minas Gerais, a Presidente afirmou que o prometido envio demoraria mais do que o previsto. Disse que ficaria – como de fato ficou – para o ano de 2012.
Vendo dificuldades na aprovação desse novo marco regulatório, o Executivo do Estado de Minas Gerais, duas semanas após a entrevista da Presidente, encaminhou à Assembleia Legislativa de Minas Gerais– ALMG o projeto de lei de instituição da TFRM–Taxa de Fiscalização de Recursos Minerais. Três meses após, a Lei nº 19.976/11 foi promulgada, sendo replicada pelos outros Estados.
O contexto histórico já é um indicativo de um problema na origem da criação da taxa. A justificativa para a sua instituição se deu pela insatisfação com a arrecadação da CFEM. E isso fica evidente no que chamamos de “estrutura de incidência” da taxa. Ou seja, na forma como ela é calculada.
Taxas só podem ser criadas para custear um serviço ou fiscalização
Minas Gerais criou um sistema de apuração que multiplica uma unidade fiscal por cada tonelada de minério extraído. Todos os outros Estados seguiram a mesma estrutura em suas respectivas leis.Isso faz com que as taxas de fiscalização da atividade mineral sejam, na realidade, um royalty mineral. Quanto mais se produz, mais se arrecada, exatamente como é com a CFEM. Aí está a primeira inconstitucionalidade, já que a Constituição não autoriza que os Estados criem royalties minerais.
Mas não é só. Taxas só podem ser criadas para custear um serviço específico ou uma fiscalização, compreendida pelo denominado poder de polícia. Isso significa que o valor a ser cobrado pela taxa deve ter uma correspondência direta com o custo incorrido com o serviço ou com a fiscalização. É o chamado, no juridiquês, caráter sinalagmático da taxa.
O problema é que o sistema que multiplica uma unidade fiscal por cada tonelada de minério extraído gera um aumento linear, sem faixa de incidência e sem teto na arrecadação da taxa. E o custo com a fiscalização não acompanha esse aumento. Para perceber tal descompasso, basta, em um exercício hipotético, responder se o custo incorrido para fiscalizar mil toneladas de minério é mil vezes superior àquele incorrido para fiscalizar uma tonelada da mesma substância mineral. Certamente não é.
Essa desproporção é comprovada em números. Estudos demonstram que, no Estado de Minas Gerais, por exemplo, há uma desproporção média na ordem de 671,74% entre o valor arrecadado e o custo incorrido com a fiscalização. Essa desproporção, em maior ou menor nível, é acompanhada em todos os outros Estados.As taxas estão servindo como instrumento de arrecadação líquida dos Estados, tornando-as, portanto, inconstitucional.
Desde a instituição da TFRM do Estado de Minas Gerais, o Fisco mineiro arrecadou mais com a taxa do que com a CFEM. Ou seja, arrecada-se mais com a fiscalização fictíciado que com a própria atividade fiscalizada. Isso demonstra que a intensidade da arrecadação com a fiscalização está desproporcional e, consequentemente, é inconstitucional.
Esperança numa decisão técnica do STF? Torçamos.
Existem outros pontos que merecem atenção, como a questionável competência dos Estados para instituir taxas com essa finalidade. Esse ponto já foi afastado pelo Supremo Tribunal Federal– STF, mas os fundamentos do acórdão permitem concluir que nem todos os argumentos dos contribuintes foram analisados de forma adequada pelos Ministros. Outro ponto é o desvio do produto arrecadado com a taxa, que não está sendo integralmente destinado aos órgãos ambientais. Isso já foi, inclusive, objeto de um Relatório Institucional da ALMG, de 2019.
É o eterno comportamento padrão. Em vez de o Poder Executivo buscar eficiência administrativa, prefere recorrer ao modo mais fácil: sugar o contribuinte. E o pior é que muitos políticos se deixam aliciar facilmentee aprovam essas medidas. Esperança numa decisão técnica do STF? Torçamos.
A tendência é que o STF se debruce sobre o tema novamente em 2021, podendo reforçar a sua orientação de 2020, firmada nas ADIs 6.211/AP, 5.480/RJ e 5.512/RJ, no sentido de que taxas de fiscalização sobre recursos naturais, no formato apresentado pelos Estados, são inconstitucionais. A oportunidade será no julgamento das ADIs 4.785 e 4.787. Acompanhar o desfecho do tema, certamente, será uma das prioridades do setor mineral em 2021.