Por Tébis Oliveira (*)
O jargão do título deste editorial é usado com recorrência pelo governador de Roraima, Antonio Denarium. A despeito do que esteja acontecendo – ou venha a acontecer –, o político mantém sua máxima que não reflete, por exemplo, a crise sanitária e humanitária causada pela pandemia de Covid-19 no estado. Ao primeiro óbito decorrente de complicações causadas pela doença, em 3 de abril de 2020, seguiram-se outras 1.024 mortes até meados de fevereiro deste ano. Negacionista – não só da existência e periculosidade do vírus -, Denarium “previu”, do alto de seus conhecimentos de ex-agente financeiro, administrador imobiliário e dono do maior frigorífico do estado, que Roraima não registraria mais de 300 mortes durante a pandemia.
O slogan também não reflete a situação de escalada da violência e degradação ambiental causadas por garimpos ilegais em reservas indígenas do estado, cuja coibição, por parte dos órgãos de fiscalização federal e estadual tem falhado miseravelmente. Mas Denarium resolveu o problema no início de fevereiro. Já que o garimpo é ilegal, legalize-se o garimpo. Com tudo – inclusive mercúrio.Tratamos do assunto na seção Mine Prospecção. Mas a lei governamental aprovada pela maioria da Assembleia Legislativa do estado é aviltante demais para ser resumida às dez linhas de uma notícia.
Roraima e sua população, no geral, têm uma visão diferenciada sobre o garimpo. Na capital Boa Vista, o garimpeiro foi imortalizado em uma estátua com sete metros de altura, construída por outro governador, em 1960, para homenagear aqueles que “contribuíram para o desenvolvimento do estado”. A elaboração de uma lei condescendente com o garimpo é promessa antiga do atual gestor e foi finalmente cumprida.
A lei é flagrantemente inconstitucional. O Ministério Público de Roraima já move uma ação contra ela, mas a questão deve chegar mesmo ao STF (Supremo Tribunal Federal). Até seu julgamento, no entanto, muita draga vai correr os rios do estado.
É preciso parar de chamar de artesanal uma atividade de extração de recursos minerais que emprega aeronaves, helicópteros, plataformas de dragagem, embarcações, tratores, escavadeiras hidráulicas, bico jato e aparelhos de escarificação hidráulicos de fundo, como os autorizados na lei de lavra própria de Denarium e que se vale do contrabando de mercúrio produzido na Guiana, já que no Brasil sua fabricação é proibida. Na verdade, trata-se de uma indústria bastante estruturada e pujante. Como já o foi a máfia italiana ou são as organizações criminosas de São Paulo e Rio de Janeiro.
Passa da hora de agentes públicos e privados da mineração brasileira repudiarem e combaterem fortemente esse modelo insustentável de negócio. Fazer vista grossa, ignorar seus efeitos nocivos, condescender com sua perpetuação só comprometem a imagem de governança e compliance que o setor busca consolidar publicamente para manter a licença social de suas operações. Não está “cada dia melhor”. Só tende a piorar.
* Tébis Oliveira é editora da In The Mine