GESTÃO DIGITAL DE BARRAGENS

GESTÃO DIGITAL DE BARRAGENS

Por Tébis Oliveira (1)

O gatilho para que grande parte das mineradoras dessem início à automação dos instrumentos de suas barragens de rejeito foi disparado pela Portaria n° 70.389/2017, da ANM (Agência Nacional de Mineração). Antes da determinação legal, a Kinross Brasil Mineração, por exemplo, já havia iniciado um projeto piloto com esse escopo em 2010, na Barragem Santo Antonio, uma das duas que possui em Paracatu (MG). Outras mineradoras como a Anglo American, ArcelorMittal e Mineração Usiminas iniciaram processos de automação em 2018.

Todas tem avançado no cumprimento ou na expansão de seus planos iniciais de monitoramento e são unânimes em dizer que o custo da instrumentação automatizada não é impeditivo à sua realização e que são bem menores que os custos de ações corretivas caso as estruturas apresentem alguma falha ou anomalia, como diz o engenheiro geotécnico da Mineração Usiminas, João Henrique de Oliveira Nicácio . Já o engenheiro civil e coordenador do PAEBM (Plano de Ações de Emergência de Barragem de Mineração) da ArcelorMittal, Carlos Henrique Trindade Silva, avalia inclusive que, como a demanda por soluções de automação está aquecida, o maior problema, hoje, não é o valor do investimento, mas o tempo para adquirir os equipamentos e realizar a implementação do projeto.

“A Anglo American possui hoje seus instrumentos de monitoramento de barragem 100% automatizados e complementou seu parque tecnológico com equipamentos adicionais de última geração”, diz Leonardo Leopoldo Gomes, gerente de Geotecnia e Hidrogeologia da mineradora. A empresa também está finalizando a implantação do Centro de Monitoramento Geotécnico 24h, que irá garantir o acesso em tempo real às medidas coletadas pelos instrumentos, com o nível de água e pressão hidrostática no interior do maciço, vazões dos drenos internos, leituras de deformações milimétricas, evaporação, pluviometria, nível do reservatório e imagens locais.

O processo de automação geotécnica foi iniciado em meados de 2018 e tem conclusão prevista para 2022. O plano engloba todas as barragens, mina, mineroduto, pilha de estéril, estruturas permanentes e túneis. Em sua etapa final, além do comissionamento de toda a infraestrutura implantada, serão elaborados os procedimentos e regras de governança para garantir a máxima transparência nos diversos níveis da companhia, bem como a celeridade nos processos decisórios.

Na ArcelorMittal, considerando-se apenas piezômetros, indicadores de nível d’água e medidores de vazão interna de drenagem, o percentual de automatização já está em cerca de 80%. Segundo Silva, a automação desses instrumentos de monitoramento da barragem, prevista na portaria nº 70.389/2017 da ANM (Agência Nacional de Mineração), foi iniciada na mineradora em fevereiro de 2019. Numa primeira fase foram instalados um radar, medidores de nível d’água online e 5 geofones, para o monitoramento de vibrações. Em 2020 houve a instalação de mais 20 piezômetros, para aumentar a confiabilidade do monitoramento. Além dos instrumentos, inspeções diárias das estruturas são realizadas com um drone.

A Kinross Brasil Mineração conta com cerca de 50% de piezômetros elétricos do tipo Corda Vibrante e 100% dos medidores de vazão e indicadores de nível d’água – 160 piezômetros, 3 indicadores de nível d’água e 7 calhas de vazão – automatizados. Em 2010, a mineradora implantou um projeto piloto para automação da instrumentação, que incluiu 10 piezômetros de corda vibrante já instalados (todos na mesma seção), 1 indicador de nível d’água e uma estação meteorológica, todos na Barragem Santo Antônio. Em 2018, em sintonia com as mudanças de legislação de barragens no Brasil e com o suporte de empresas especializadas, o processo de automação foi continuado com a realização de estudos para definir tipos e quantidades de instrumentos, especificação de equipamentos de comunicação/transmissão e de TI, dos sistemas de proteção contra descargas atmosféricas e de segurança edas câmeras de vídeomonitoramento. Na sequência, vieram a montagem da sala de monitoramento, testes e a mobilização e treinamento da equipe. O processo foi concluído em abril de 2019.“Além da seleção de fornecedores de reconhecida capacidade, observamos cuidados rigorosos desde a instalação dos equipamentos, passando por sua calibração e manutenção, até a formação de um estoque de equipamentos de reserva, sempre que aplicável”, afirma Leonardo Padula, gerente de Barragens da Kinross.

Nicácio diz que, em termos totais e considerando os prismas monitorados pela estação robótica, a Mineração Usiminas conta com41% de seus instrumentos de monitoramento de barragem automatizados, incluindo todos os medidores de vazão de drenagem interna. Os 59%restantes são instrumentos de leituras manuais, para checagem das leituras dos automatizados. A mineradora iniciou o processo de automação desses instrumentos em 2018,após estudos dos planos de monitoramento e processos de contratação de fornecedoras.

Monitoramento Geotécnico da Anglo American

No plano de Monitoramento Geotécnico da Anglo American, além dos instrumentos comumente automatizados, como indicadores de nível de água (INA), piezômetros (PZ), medidores de vazão (MV) e medidores de nível do reservatório (MNR), já estão adquiridos e em funcionamento um radar de superfície (mina), medidores de deslocamento por fibra ótica (galeria da barragem) e estações topográficas robóticas. Estações pluviométricas, sensores de sismo e inclinômetros IPI em cada estrutura de contenção estão em fase de instalação.

No que toca a fenômenos físicos e mecânicos que podem influenciar no desempenho dos equipamentos, Gomes diz que sensores de corda vibrante, estações robóticas e sistemas com tecnologia de ondas – como satélite orbital e radar terrestre – necessitam de correções motivadas pelas diferenças naturais de temperatura e pressão ao longo dos dias. Essas correções são realizadas por equipamentos acessórios e por algoritmos presentes em cada tecnologia, possibilitando a obtenção de dados confiáveis.No caso das estações robóticas, a presença de neblinas densas pode inviabilizar as leituras por uma faixa de tempo. Os demais equipamentos necessitam de calibrações conforme seu tempo de uso. “As inspeções físicas em campo também são de fundamental importância, para a verificação in loco do estado de conservação dos equipamentos e realização de checagem dupla nas leituras”, afirma o gerente.

Fluxograma do sistema de automação da Anglo American – Foto: Divulgação

A Anglo American possui um sistema baseado em LoRa 900 Mhz, composto por vários sensores diretamente conectados a dataloggers individuais idênticos e alimentados por bateria de lítio com autonomia de até 7 anos, conforme a frequência de obtenção de dados. Os dataloggers se comunicam com um gateway central, através de comunicação do tipo estrela. Os gateways retransmitem os dados para switches que, através de rede industrial e por protocolo FTP, os repassam para o PIMS, onde é feita sua integração e apresentação em softwares de gestão (Imagem acima).

vazão de barragens
Medidor triangular de vazão de drenagem interna – Foto: Geokon

Os medidores de vazão são do tipo triangular , em que a água que passa pelo sistema de drenagem interna é direcionada para uma caixa com uma abertura triangular calculada e padronizada para o escoamento de forma gradual e lenta. A medição do nível da água dentro da caixa é feita por um sensor de corda vibrante, que utiliza um transdutor de força de corda vibrante para fornecer um meio altamente estável e sensível de monitoramento de níveis d’água. O sensor mede a variação da altura da água na caixa e converte essa leitura em vazão, conforme equação específica para cada medidor.

Em parceria com a Intelltech, a mineradora integrou todos os softwares nativos de cada equipamento de monitoramento geotécnico, de diferentes fabricantes, em uma plataforma única. Com ela, explica Gomes, é possível gerar um único gráfico consolidado com as leituras de deformação, pluviometria, nível de água do reservatório, medidas de vazão e dados de água e pressão no interior do maciço, possibilitando uma análise conjugada de uma série de equipamentos, trazendo agilidade e maior assertividade nos diagnósticos. Além do módulo de integração, existem módulos que possibilitam a inspeção de campo de forma digital, análises dinâmicas de estabilidade por seções previamente definidas, árvores de eventos considerando o comportamento de uma série específica de instrumentos e controle de dados legais em uma mesma plataforma.

O sistema foi arquitetado para ser acessado remotamente e informar qualquer leitura anômala de forma automática. Os dados são apresentados em supervisório do PIMS ou por meio da plataforma integradora, com gráficos ou tabelas de informações em tempo real dos instrumentos. Também há a possibilidade de leitura dos dados in loco nos gateways (através de cabo usb), nos dataloggers (através de aplicativo de celular) ou ainda diretamente dos sensores, através de leitora.

Cada equipamento possui seu tempo de leitura e envio das informações. O monitoramento via satélite orbital (InSAR), por exemplo, gera informações a cada 14 dias, enquanto as leituras de nível de água podem ser adquiridas a cada segundo.

Para Gomes, os benefícios relacionados ao processo automatizado de coleta de dados se dão menos pela coleta das informações e mais pela possibilidade de integração de inúmeros dados em um único sistema. “Essa integração possibilita a gestão automatizada em tempo real, facilitando de forma substancial o trabalho dos consultores e geotécnicos, bem como eliminando possíveis erros humanos”, diz o gerente. Para ele os custos de implantação do sistema não são relevantes porque são parte de um gerenciamento de riscos mais amplo.

Movimentação física do maciço: a grandeza a ser medida

O radar empregado pela ArcelorMittal para monitoramento da barragem considera a movimentação física do maciço como a grandeza a ser medida, explica Silva, disparando alertas conforme registre um acúmulo de milímetros de deslocamento em qualquer direção em um espaço de tempo definido. Já os medidores de nível d`água e os piezômetros são sensíveis à interferência dos níveis internos de água da estrutura, enquanto os geofones monitoram vibrações em superfície, naturais ou artificiais, como as provocadas por desmontes de mina ou pelo tráfego de equipamentos móveis, dando maior segurança à operação da mina de Serra Azul e ao monitoramento geotécnico de suas estruturas.

monitoramento geotecnico
Monitoramento geotécnico de barragem da ArcelorMittal

 

Na ArcelorMittal, os instrumentos que realizam medição disponibilizam sinais de forma microprocessada em rede BUS, via protocolo MODBUS RTU, assegurando maior qualidade na leitura das informações. Os equipamentos coletores de dados em campo operam em rede 3G/4G multioperadora de maneira redundante, com conexão aos servidores web via protocolo MQTT e HTTP. Esses equipamentos estão configurados para amostragem de dados a cada 2 minutos e transmissão a cada 5 minutos. Caso ocorra alguma variação na leitura superior a 2cm do nível de água, a informação é enviada imediatamente na ocorrência. O sistema PASE disponibiliza as informações via APP para operação em navegador, assim como por API para integração com o sistema de monitoramento da barragem, que as recebe e disponibiliza de forma integrada junto aos demais monitoramentos existentes.

As drenagens internas da barragem são monitoradas em dois pontos por medidores de vazão (MV01 e MV02). O segundo trata do dreno que sai acima do dique de partida da barragem. Ao final da linha foi instalada uma calha Parshall, para medição da vazão, que coleta os dados eletronicamente. Para o ponto MV01, que trata da vazão do dreno de pé da estrutura, foi empregada a mesma tecnologia. Os equipamentos passam por manutenção preventiva e inspeções regulares de integridade.

 Os dados coletados são integrados no TSF Geotecnia Statum, website desenvolvido pela consultoria em Geotecnia da mineradora, que possibilita a gestão de dados, documentos e monitoramento geotécnico. Além disso os dados estão disponíveis no supervisório da sala de monitoramento (24×7).O formato é bem intuitivo, com gráficos, painel de comando com a localização dos instrumentos e dados de monitoramento em tempo real. Para o caso de gatilhos no monitoramento geotécnico são emitidos alertas por SMS e e-mail.

A verificação no supervisório dos dados de campo é realizada 24 horas por dia, com equipe dedicada. O sistema ainda registra o histórico de monitoramento por instrumento e por seção geotécnica da estrutura.

“A automação desses instrumentos nos trouxe vários benefícios, desde o histórico dos dados de campo até a dispensa do acesso presencial à estrutura, trazendo tranquilidade e segurança para o monitoramento geotécnico, além de resposta mais rápida e eficiente em casos de anomalia”, considera Silva. Hoje, a ArcelorMittal está em fase de consulta técnica para identificar a melhor solução de engenharia para integrar todos os sistemas em uma única plataforma.

Automação de medidores com sensor ultrassônico

 “Além da instrumentação de campo, o sistema da Kinross é composto por dataloggers locais RST Instruments, que coletam as informações, armazenando-as localmente e transmitindo os dados para uma espécie de postes concentradores”, explica Padula. Nesses postes há um rádio receptor Campbell, que recebe e armazena os dados, switch, rádios e antenas para comunicação e um sistema de alimentação, composto por painéis solares, controlador de carga, baterias e inversor, que possibilitam seu funcionamento autônomo em uma área remota.

monitoramento de barragens-kinross
Técnico em sala de monitoramento de barragens da Kinross – Foto: Divulgação

Na automação dos medidores de vazão foi utilizado um sensor ultrassônico do tipo MiniWave, que emite um pulso refletido na superfície da lâmina d’água, que é processado para rejeitar ecos falsos. O sensor ultrassônico é conectado a um datalogger local, que coleta, armazena e repassa os dados ao poste concentrador, de onde são transmitidos, via rádio, ao Software Vista Data Vision (VDV).Quando se acessa o IP do servidor do VDV é possível visualizar as leituras em tempo real, criar painéis com exibição de indicadores numéricos, alarmes, gráficos, pop-up, botões de navegação, mensagens de texto, links da web e documentos, o que permite uma análise dinâmica dos dados. O VDV é uma das formas de coleta de dados, que são atualizados a cada 4 horas pelo software, período que pode ser alterado a qualquer momentopelo software loggernet.Caso haja alguma interferência na transmissão desses dados para Sala de Comando e Controle, há a alternativa da coleta em campo com auxílio de um notebook, a partir do software DTLogger.

 Padula destaca entre os principais benefícios da instrumentação automatizada a redução do intervalo entre leituras para 4 h; a eliminação do trabalho manual de transcrição das leituras para planilhas de dados; a possibilidade de acesso remoto às leituras; e a maior agilidade no recebimento e análise das informações. Também considerando que o investimento na implantação do sistema não foi impeditivo para a Kinross, segundo o gerente. Tanto que a mineradora planeja incorporar mais instrumentos online e avaliar deslocamentos por satélite, entre outras ações.

Gerenciamento de inspeções e monitoramentos das estruturas

A coleta dos dados dos indicadores de nível d’água, piezômetros e medidores de vazão instalados na barragem da Mineração Usiminas é realizada por um sensor piezo resistivo instalado dentro dos instrumentos. Esse sensor faz a leitura da coluna de água existente acima dele através da pressão que essa coluna exerce no nível de água. O dado de pressão é transmitido para um datalogger através de uma corrente elétrica.O datalogger recebe, armazena e envia osdados lidos pelo sensor a um gateway, um concentrador de informações situado em campo que, através de comunicação sem fio com todos os módulos instalados, recebe os dados das leituras obtidas pelos sensores.Os gateways estão conectados a rádios que fazem sua ligação com os computadores da rede da mineradora.É através dessa conectividade que o software PIMS adquire os dados correspondentes ao valor de leitura dos sensores de campo e executa a correção e mudança para cotas reais.

Os dados coletados pelo PIMs são integrados a um sistema desenvolvido pela MUSA, chamado GEOBARR, para gerenciamento das inspeções e dos monitoramentos das estruturas, contando com gráficos dinâmicos dos níveis dos instrumentos manuais e automatizados.“Esses gráficos auxiliam em uma análise de risco rápida, servindo também ao preenchimento de planilhas eletrônicas, utilizadas para avaliações mais detalhadas dos níveis dos instrumentos.Após análise da instrumentação, os geotécnicos fazem as análises de estabilidade por softwares específicos”, explica o analista de mineração da empresa, Augusto Romanini.Os logs de dados são disponibilizados em formato .csv ou xls, sendo flexível o output dos dados do sistema de coleta.

Centro de Controle da Integrado da Mineração Usiminas – Foto: MUSA

Os dados são monitorados 24 horas por dia, nos sete dias por semana, na Sala de Monitoramento Geotécnico. Essa sala fica no Centro de Controle Integrado, instalado na ITM (Instalação de Tratamento de Minério) Samambaia, em Itatiaiuçu (MG) e permite o monitoramento de todos os processos, o que inclui, além das barragens, as operações de mina e de beneficiamento.

O monitoramento geotécnico é realizado por técnicos especializados em Geotecnia, treinados nos processos e no sistema. Em caso de anormalidades, o sistema emite alertas aos técnicos, que fazem uma primeira avaliação para eliminar problemas de sistema ou automação. Se forem identificadas anomalias nas estruturas, os geotécnicos são acionados para análises mais detalhadas.As leituras estão sendo realizadas em intervalo de uma hora e, a cada atualização, o técnico de geotecnia da sala de controle faz a análise preliminar do dado para verificar a ocorrência de erro ou variação fora da faixa aceitável do instrumento.

Para Nicácio, um dos benefícios associados à coleta automatizada dos dados é a frequência contínua das leituras, sem interferências quanto à disponibilidade de horário, situação climática ou impossibilidade de acesso ao instrumento. Segundo o engenheiro, o banco de dados resultante do processo permite acompanhar o comportamento do instrumento em frequência horária, diária, semanal, mensal e anual dentro do intervalo de leitura definido, o que possibilita apercepção de alterações significativas e a antecipação dos processos de manutenção e identificação da causa macro dessas alterações.Há, ainda, maior exatidão na leitura dos dados em termos de horário e posicionamento do instrumento, que deixa de ser afetada pela acurácia do operador ou por falhas no instrumento de leitura manual. “O sistema não impede, no entanto, as leituras em campo pelo técnico, imprescindíveis para a comparação com as dos instrumentos automatizados, de forma a otimizar o processo”, adverte Nicácio.

Foto Abertura: Operação Minas-Rio da Anglo American, com barragem de rejeitos ao fundo (Divulgação Anglo American)

(1) Tébis Oliveira é Editora de Novos Projetos e Sustentabilidade da revista In The Mine

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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