Por: Frederico Bedran Oliveira[1] e Gabriel Mota Maldonado[2]
2019 foi um ano em que o setor minerário, responsável por quase 4% do Produto Interno Bruto brasileiro, viu crescer em suas pautas assuntos como responsabilidade social, gênero, diversidade e transparência social. Ao mesmo tempo, temáticas envolvendo o meio ambiente, a inovação tecnológica e, sobretudo, a demanda da sociedade atual por determinados minerais, são hoje parte cotidiana das empresas e daqueles que buscam fomentar a importância do setor para o País, econômica, social e estrategicamente.
Em momentos como o que vivemos, de completa quebra de paradigmas e reorientação de prioridades, é normal entendermos que as novas questões relativas ao papel social ou estratégico deem lugar a outras, de cunho mais “pragmático”. Porém, ainda que estejamos imersos em um cenário inédito, nos chegam sinais claros de que estamos diante da instalação de um estado de coisas que vai transformar as ações coletivas e individuais no setor: um “novo normal”, que realoca prioridades e redefine parâmetros de juízo acerca dos significados públicos de atividades cristalizadas no imaginário social.
E os números nos dizem isso. As respostas para a pandemia de governos e do próprio mercado causaram uma turbulência na indústria, com fechamento de empreendimentos, restrições de transportes, isolamento social e volatilidade nos preços das commodities minerais.
Perspectivas econômicas
A Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) prevê uma forte queda, de 5,2% em 2020, para a economia brasileira em seu conjunto. Essa previsão considera, entre outras causas, a volatilidade do preço das matérias-primas minerais. A Cepal destacou, ainda, que a crise econômica afetará o mercado de trabalho e os indicadores sociais de forma significativa, ampliando a taxa de desemprego na América Latina e no Caribe de 8,1% em 2019 para 11,5% em 2020. Ao mesmo tempo,projeta-se que 28,7 milhões de pessoas passarão para a situação de pobreza na América Latina neste ano, com a taxa subindo de 30,3% para 34,7%.
O grau de incerteza decorrente da extensão do isolamento social e da redução da atividade econômica, por todos os países do mundo, adicionadosà previsão de que a crise econômica perdure mais do que o isolamento, tornam difícil uma antecipação sobre os efeitos da crise no mercado de commodities minerais. De todo modo, é ponto pacífico que, no longo prazo, o setor experimentará abalos importantes e as empresas e países que se prepararem para o período de recuperação, traçando possíveis cenários e buscando fortalecer sua resiliência produtiva, oferecerão ao mundo o suporte de bens minerais necessários à retomada, e, com isso, manterão (ou mesmo fortalecerão) seu peso econômico e produtivo na cadeia de suprimento desses bens.
Postergação de investimentos
Espera-se, inclusive, no âmbito das decisões empresariais, uma postergação dos investimentos anunciados para implantação e ampliação de projetos de produção mineral e uma queda nos investimentos em pesquisa mineral.
No caso do Brasil, o câmbio poderá ser um aliado para a continuidade e viabilização de empreendimentos, principalmente para as commodities metálicas. A participação do mercado interno terá, principalmente nos setores de construção civil, siderurgia e indústria de automóveis, máquinas e equipamentos, um papel fundamental na retomada de setores como agregados para construção civil, cimento, ferro, cerâmica, etc.
Nesse cenário, uma das principais tendências já apontadas em outros artigos é a ampliação da automação para redução da força de trabalho nas operações, com veículos autônomos e operação remota, o que vai ao encontro da necessária criação de resiliência sobre o que tanto se fala.
Indução do desenvolvimento
Entidades do setor têm reforçado que é necessário resgatar e fortalecer a indústria nacional e produzir insumos essenciais, inclusive os de base mineral, tendo a mineração como indutora do desenvolvimento industrial do país, para a promoção do crescimento do setor e o desenvolvimento regional. É comum, ainda, a impressão de que o país precisa implementar uma política de estímulo à agregação de valor do insumo mineral, além da necessidade de criar um ambiente interno de negócios voltados ao setor e a importância do desenvolvimento tecnológico.
Esses apontamentos, diga-se, se prestam a alertar sobre questões há muito tratadas, mas que tiveram sua importância elevada ante o choque promovido pela pandemia, que deu um sentido de urgência para medidas que canalizem a função dinamizadora da atividade mineral.
Mas as perspectivas de mudanças não serão somente no campo econômico. Trata-se de um momento disruptivo em todos os sentidos.
Demandas da sociedade
As ações de apoio às comunidades em que estão inseridas as empresas de mineração e aos municípios e estados onde atuam têm sido expressivas. Vão desde o fornecimento em larga escala de equipamentos de segurança como máscaras, respiradores, luvas, até a doação de testes, alimentos, água mineral e recursos financeiros diretamente a municípios onde atuam, cidades, em sua maioria, carentes do ponto de vista do volume e das fontes de recursos financeiros e humanos.
Ao que indicam as movimentações para a contenção de danos da pandemia, o setor será ainda mais demandado pela sociedade em relação a projetos de responsabilidade das empresas (ESG) o que revela não só a necessária continuidade dos assuntos atinentes à função e presença social do setor, como condiz com modificações estruturantes na relação entre comunidade, empresa e governo, representadas, dentre outros, na criação da Agência Nacional de Mineração e na consequente absorção do setor ao paradigma do Estado Regulador, pautado pelos signos da transparência e da participação social..
Responsabilidade social
A responsabilidade social se fortalecerá como norte para a regulação e atuação extramuros das empresas. Com isso, os projetos deverão demonstrar a qualidade do setor como indutor dos objetivos da República (art. 3º, da Constituição Federal) e nos princípios da atividade econômica (art. 170, da Constituição Federal), capaz de auxiliar na diminuição de disparidades sociais e regionais e na defesa do meio ambiente.
Com isso, a sociedade exigirá, por exemplo, certificação dos produtos com rastreabilidade quanto à origem do bem mineral. Políticas internas das empresas e junto aos seus fornecedores deverão assegurar a diversidade de gênero e raça. O incremento das ferramentas científicas e tecnológicascom vistas a redução e nova destinação de rejeitos,fabricaçãode máquinas e equipamentos autônomos e redução do consumo de água. São alguns dos desafios endereçados pelo e para o setor, inescapáveis para a elucubração sobre seu futuro.
Ao tempo em que a sociedade se coloca em discussão como humanidade, a tendência de foco na função social das empresas se mostra ainda mais relevante e toma espaço na cartilha empresarial e do Poder Público de uma maneira que caminha em direção à sua perenização e aprofundamento.
Construção de pontes
Paradoxalmente, os tempos de isolamento social provocaram uma aproximação entre os atores de dentro e de fora da mineração. Algo que auxilia na construção das pontes tão necessárias à sociedade e deve ser estimulada como plataforma de transformação e desenvolvimento em todas as áreas e segmentos da atividade.
O mundo pós-pandemia promete ser um mundo em que todos – de seres humanos a fluxos financeiros – terão de conviver de forma diferente. Esse cenário, esse “novo normal”, destaca os desafios, mas, também, as qualidades do setor. É (e será) o tempo de sedimentar as relações e de consolidar a mineração como indutor de desenvolvimento não só econômico, mas, sobretudo, humano e social.
Foto: Doação de 5 mil cestas de alimentos pela MRN na região de Oriximiná (PA)
Crédito: Divulgação/MRN
[1]Geólogo. Advogado. Mestre em Geologia Econômica e Exploração Mineral (UnB). Diretor do Departamento de Geologia e Produção Mineral do Ministério de Minas e Energia.
[2]Advogado. Internacionalista. Mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito (USP). Diretor do Departamento de Desenvolvimento Sustentável na Mineração, do Ministério de Minas e Energia.