VILLAS DE TODO O MUNDO

VILLAS DE TODO O MUNDO

Por Tébis Oliveira | Ilustração Heder Oliveira

Personalidade ITM5,3Villas: é assim que o pesquisador Roberto Cerrini Villas-Bôas é carinhosamente chamado no CETEM (Centro de Tecnologia Mineral), ligado ao MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia). No entanto, desde os contatos iniciais para esta entrevista, não consegui adotar a abreviatura do nome, tão característica dos cariocas. Já tinha encontrado no CNPq (Centro Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) o currículo de Villas-Bôas e o pouco que avancei, tentando ser menos formal, foi tratá-lo de “caro professor”. Na verdade, ele é muito mais. Aos 63 anos, sua formação acadêmica e carreira profissional lhe conferem os justos títulos de “mestre” e “doutor”.

Nascido em São Paulo (SP), Villas-Bôas formou-se em engenharia de minas pela Escola Politécnica da USP em 1968. Em 1971, concluiu o mestrado em Ciências em Engenharia Metalúrgica pela Colorado School of Mines (EUA). Em 1977, foi doutorado em Engenharia Metalúrgica e de Materiais pelo COPPE (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduacao e Pesquisa de Engenharia) da UFRJ. Na mesma especialidade, terminou o pós-doutorado, em 1991, pela National Natural Foundation of China. Professor-adjunto da Escola de Engenharia e do COPPE (UFRJ), aposentou-se em 1998, mas continua professor-visitante, entre outras, da USP, da Universita degli Studi La Sapienza, em Roma, na Itália, e da Universidad Nacional de San Juan, na Argentina.

Entre 1986 e 1989, foi diretor e depois vice-presidente de P&D, da maior e já então lendária empresa de engenharia mineral do Brasil – a Paulo Abib Engenharia. Aliás, o próprio Paulo Abib foi o orientador de sua tese de graduação na USP. Também exerceu os cargos de diretor do CETEM (1978 a 1998), Secretário para Novos Materiais no MCT (1987 a 1990) e coordenador internacional do CYTED-XIII (programa composto por 21 países ibero-americanos e voltado à divulgação e desenvolvimento de C&T adequadas às realidades latino-americanas), entre 1998 e 2005. Foi ainda, entre 2002 e 2005, Chairman do IMAAC/Unido (International Materials Assessment and Application  entre).

Depois disso, dá para entender porque Villas-Bôas diz que gosta de fazer nada quando tem uma folga e também porque logo emenda: “E o que aparecer”. Ele fala, lê e escreve em outras quatro línguas – inglês, espanhol, francês e italiano. Se não estiver no Brasil, pode estar na Indonésia, no Ceilão, em Cuba ou na Turquia. Ou em qualquer outro País. Ativista incansável propôs a criação de uma rede latino-americana de solidariedade para prevenir desastres em áreas de mineração, como o ocorrido em Chima, na Bolívia, em 2003. Uma de suas bandeiras é promover a sustentabilidade econômica da atividade e indústria mineral, que ele considera o grande desafio do setor hoje.

Nesta entrevista à In The Mine, Villas-Bôas fala de tecnologia, meio ambiente, legislação e programas sociais em comunidades mineradoras. Diz que seu livro preferido é “Viva o Povo Brasileiro”, de João Ubaldo, a música é “El Manicero”, de Moisés Simon e o filme, “Laranja Mecânica”, de Stanley Kubrick. Literalmente de cátedra, afirma que houve pouco “aprimoramento” e nenhuma “revolução” na formação técnica e acadêmica nacional nos últimos 20 anos. Ao contrário do que “era a esperança e o anseio de todos quantos vislumbrávamos um ‘Projeto Brasil’, justo, democrático, inovador e alavancador da sociedade brasileira”, desabafa.

caricatura villas boas itm 05 personaITM: Na sua opinião, quais os principais avanços tecnológicos incorporados pelo setor de mineração nos últimos anos?
Villas-Bôas: A indústria da mineração no Brasil vendeu mais de US$ 22 bilhões de produtos minerais em 2005, destacando-se, obviamente, a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), com cerca de 48% desse total. Isso representa mais de 60% das vendas do ano anterior, demonstrando o acompanhamento da tendência mundial de crescimento dessa indústria. Caso inseridas as produções de garimpos e outras atividades não registradas como empresas de mineração, mas que extraem e produzem bens minerais, essa cifra será ainda mais significativa quanto a sua participação no PIB brasileiro. Entretanto, tais cifras e fatos não necessariamente incorporam avanços tecnológicos como tais, pois que mais representam a demanda por bens minerais, que o aumento de produtividade por incorporação tecnológica. Não obstante, importantes tecnologias de manuseio de materiais, estocagem, transporte e, diria mesmo, de planejamento de lavra, foram introduzidas, exercitadas e adotadas nesses últimos anos.

ITM: Em comparação a outros países, qual o estágio atual da mineração brasileira?
Villas-Bôas: Depende de quais países e segmentos da indústria da mineração sejam comparados. É evidente que a grande indústria da mineração brasileira, por competir internacionalmente, tem que extrair, produzir e vender de maneira e forma competitivas, o que a coloca ao par ou, às vezes, até além de suas competidoras. Já aquelas que apenas se dedicam ao mercado nacional, por não sofrerem tantas pressões dos compradores e, ainda, terem um panorama de mercado demandante, incorporam o suficiente para manter uma boa posição de vendas ou o que, eventualmente, seja imposto pela legislação ambiental. Em outras palavras, não é uma indústria, a da mineração que se dedica apenas ao mercado interno brasileiro, conhecida como inovadora ou protagonista de avanços tecnológicos como tais.

ITM: Quais são, para o senhor, os pontos críticos desse setor?
Villas-Bôas: São aqueles enfrentados pela indústria como um todo, no mundo. Ou sejam, os do desafio da sua sustentabilidade como atividade e como industria produtora de bens e insumos. A esse respeito, por exemplo, recomendo aos leitores interessados as propostas e resultados dessa mesma indústria da mineração, nos Estados Unidos (EUA), Canadá, Rússia, China e Comunidade Européia, entre outros, no livro recente que acabamos de editar – “Uma revisão dos indicadores de sustentabilidade da indústria da mineração”, disponível no endereço http://w3.cetem.gov.br/cyted-xiii.

ITM: Em relação à legislação brasileira, ela pode ser considerada compatível com o estágio atual da mineração no País?
Villas-Bôas: A legislação brasileira não se constitui em problema ao desenvolvimento da indústria. Claro que uns clamam, aqui e ali, por uma estrutura tributária diferenciada, mas isso não é só a mineração. Claro que, também aqui e ali, clamam por impasses na legislação ambiental que eventualmente atravancam empreendimentos. Também isso não é só característico da mineração e, no geral, são itens constantes de quaisquer legislações, em maior ou menor grau, no mundo todo.

villas boas perfil pessoal itm 05 personaITM: E quanto às pequenas e médias mineradoras brasileiras, qual sua avaliação?
Villas-Bôas: Essas sim, caso seja de interesse social incentivar esses setores do desenvolvimento mineral, necessitariam de um aporte de ferramental legal e tecnológico, ainda muito incipiente e incompleto.

ITM: Qual é sua análise da atividade garimpeira no País? Houve algum avanço no tratamento dessa questão?
Villas-Bôas: O garimpo, aí incluídos ouro, gemas, areia e alguns minerais industriais, vivem do “destino geológico” que o contempla… Países como o nosso, lateríticos, que possuem tais dádivas, segundo alguns, ou tais tragédias, segundo outros deveriam propor e desenvolver legislações e técnicas específicas para a extração sustentável de tais riquezas e promover, através delas, o surgimento e a incorporação de empresas extrativas, que produzam empregos e bens, assim contribuindo ao PIB brasileiro. Avanços? Alguns, em relação às propostas de suas especificidades, que vêm sendo conduzidos pelo MME (Ministério de Minas e Energia).

ITM: Fale um pouco sobre o Cyted-XIII: quando surgiu, seus objetivos, quem participa e algumas de suas atividades.
Villas-Bôas: O CYTED-XIII ou o Subprograma XIII do CYTED (Programa Ibero-americano de Ciência e Tecnologias para o Desenvolvimento) surgiu em 1998 para atuar como promotor das discussões sobre a sustentabilidade da atividade e indústria mineral, no Brasil e América Ibérica. Toda a sua atuação, bem como livros, cursos, atividades voluntárias e projetos podem ser visitados na página http://w3.cetem.gov.br/cyted-xiii. Na mesma página, está o relato do caso de Chima, na Bolívia, bem como do trabalho voluntário de engenheiros de minas e geólogos, participantes do CYTED, naquela altura dos acontecimentos (2003). Também disponível e de grande interesse, creio, para os leitores é a apresentação do projeto executado pelo CYTED, UNESCO (Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura) e MPRI (Mining Policy Research Iniciative), em Pasto, na Colômbia, promovendo a pequena empresa de mineração como alternativa ao plantio ilícito da folha de coca , na região.

villas boas producao geral itm 05 personaITM: O que representa, para o senhor, a tragédia de Chima, que o CYTED inclusive antecipou que ocorreria e que resultou na morte de tantas pessoas?
Villas-Bôas: Chima nada mais é que o tipo comum e recorrente da “morte anunciada”, similar em qualquer País onde a atividade garimpeira esteja presente, ou onde a atividade da mineração mesmo seja mal conduzida ou negligenciada por quem deveria fiscalizar e atuar.

ITM: Em termos de meio ambiente, qual é o estágio atual da mineração brasileira?
Villas-Bôas: A consciência ambiental formal já está incorporada ao labor e ação da grande e média indústria da mineração. Hoje, entretanto, essa indústria no mundo – e o Brasil não será exceção -, não se defronta somente com a questão ambiental e sim, torno a dizer, com aquelas relativas ao desenvolvimento sustentável. Esse é o grande desafio, sobre o qual eu particularmente lidero um grande grupo de discussão e proposição.

ITM: O CYTED criou uma lista virtual para receber contribuições sobre patrimônios geológicos e mineiros. O que seriam esses patrimônios?
Villas-Bôas: A exemplo do que já ocorre em outros países, identificar e reconhecer minas como patrimônios geológicos e mineiros é uma alternativa ao seu fechamento ou encerramento, indicada, inclusive, no caso das denominadas minas abandonadas e órfãs – minas  já inativas e que não tiveram suas áreas recuperadas. Ou seja, a pergunta que nos fazemos é: para que destruir o que se construiu? Em muitos casos, seria possível fechar a mina, preservando seus testemunhos. Um bom exemplo é a criação de pedreiras-escola, que serviriam à qualificação de pessoal para trabalhar nessa atividade, com noções do uso e da exploração sustentada do bem.

villas boas arquivo itm 05 personaITM: Para o senhor, a responsabilidade social das mineradoras teve a mesma evolução da questão ambiental?
Villas-Bôas: Sem dúvida. Basta observar o comportamento e, hoje, “código voluntário” de “fechamento de mina” das grandes empresas de mineração no mundo, disponível nas paginas do MMSD (Mining, Minerals and Sustainable Development) e do Council of Mines and Metals, bem como nas várias associações internacionais e de classes dos produtores de metais, minerais e britas. Recentemente, por exemplo, visitei a mina Veladero, na Argentina, explorada pela Barrick, que possui um programa modelo em relação ao “empoderamento” das comunidades afetadas pela atividade da mineração.

ITM: Fale da importância do CETEM para a  mineração brasileira e destaque alguns programas e projetos do órgão.
Villas-Bôas: O CETEM vem desempenhando, ao largo de seus já quase 30 anos, o papel fundamental de indutor e introdutor, em muitas instâncias, de visões e comportamentos tecnológicos inovadores para a indústria e atividade da mineração no Brasil e no mundo – basta ver os projetos que vêm desenvolvendo aqui e no exterior. Os leitores poderão avaliar a tecnologia detida pelo Brasil, através do CETEM, no campo mínero-metalúrgico, no endereço www.cetem.gov.br.

ITM: Para finalizar, gostaria que o senhor falasse da mineração brasileira em termos de formação acadêmica e técnica.
Villas-Bôas: Essa é uma área na qual todo o Brasil se ressente. Na verdade, todos os governos civis que resultaram da redemocratização do País, pouco propuseram e nada revolucionaram para o aprimoramento da formação técnica e acadêmica das universidades e centros de pesquisa, como era a esperança e o anseio de todos quantos vislumbrávamos um grande “Projeto Brasil”, justo, democrático, inovador e alavancador da sociedade brasileira. Nossas universidades se ressentem da educação continuada, de salários adequados, de equipamentos, de infraestrutura… Convido-a, bem como aos leitores, a que visitem algumas delas, e verifiquem se exagero. Claro, há as exceções, como sempre, que à regra justificam!

(Setembro/outubro 2006)

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