UM DEBATEDOR POR NATUREZA

UM DEBATEDOR POR NATUREZA

Por Ricardo Gonçalves | Ilustração Heder Oliveira

vessani persona 50Ele se considera um homem bastante tímido, simples e tranquilo. E de fato é. Luiz Vessani, um dos diretores da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa Mineral (ABPM), não se sente confortável em tirar fotos e não exibe sinais de ostentação ou inquietude. Dono de um jeito cordato e simpático, seu trabalho nos bastidores, ao lado de outras grandes personalidades do setor mineral, como Elmer Prata Salomão e Douglas Arantes, reflete a dedicação de longos anos às causas da mineração.

A Revista In the Mine conversou com Vessani durante o VI Simpósio de Exploração Mineral (Simexmin), realizado em Ouro Preto (MG). Curiosamente, na edição anterior do evento, há dois anos, foi decidida a criação da ABPM. Muito por conta de uma declaração desafortunada de Cláudio Scliar, então secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do Ministério das Minas e Energia (SGM/MME).

Apaixonado por música, Vessani demonstra um gosto extremamente eclético, em um leque vai do samba ao rock, onde a preferência pelo sambista João Nogueira mantém-se intocada. Quanto ao time de futebol, considera a pergunta óbvia: “Sou Palmeiras, é claro!”. Nascido em São José do Rio Preto (SP), o geólogo está certo de que as maiores realizações de sua vida são os dois filhos, Francisco e Rita. Assim como, que sua maior decepção é o Partido dos Trabalhadores (PT).

Nesta entrevista exclusiva, Vessani, que é também presidente da Edem Projetos e vice-presidente da Mineradora Santo Expedito, conta sobre a criação e propostas da ABPM, fala do novo Marco Regulatório da Mineração (MRM) e de seu substitutivo e atualiza o histórico e projetos de suas empresas. Com muita propriedade sempre, destaca ainda o que considera prioritário para a próxima gestão presidencial: criar um canal para o debate contínuo com as empresas minerais e rediscutir e reelaborar o projeto do novo código.

ITM: O que motivou a criação da ABPM?
Vessani: A proposta da ABPM surgiu há dois anos, no Simexmin anterior. Foi lançada por Douglas Arantes, atual vice-presidente da entidade, após a desastrosa palestra de Cláudio Scliar, então secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral. Ele afirmou que o lugar adequado para debater o novo MRM era o Congresso, onde o projeto seria colocado. Achamos que seria desastroso propor alterações ou sugestões ao projeto somente na instância política, sem antes amadurecer a discussão. Nesse contexto, surgiu a ABPM, para defender o interesse de empresas que fazem exploração mineral e necessitam de investimentos de alto risco.

ITM: Como a entidade está estruturada hoje?
Vessani: Com sede em Brasília (DF), temos mais de 60 empresas associadas como a Belo Sun, Brazil Resources, Codelco do Brasil, Crusader, Geosol, Mineração Apoena, Potássio do Brasil, Xstrata Brasil, entre outras, além de consultorias como a William Freire Advogados Associados. Nossa capacidade de operação vem aliada a uma enorme garra, com uma intensa participação dos sócios e um grande volume de trabalho. Nosso presidente, Elmer Prata Salomão, está muito bem preparado. Resumindo, somos uma entidade para o debate democrático do setor mineral.

ITM: Qual a relação da ABPM com o IBRAM?
Vessani: É importante dizer que, ao contrário do que pode parecer num primeiro momento, nossa postura não é a de confronto com o IBRAM, mas sim de complemento. Apesar de alguns embates iniciais, meramente por divergência de foco, hoje temos tendência a prosseguir com um trabalho simétrico, não apenas com o IBRAM, como com a ANEPAC (associação que representa o setor nacional de agregados) e outras entidades. Não há como trabalhar isoladamente.

caricatura vessani persona 50ITM: A avaliação sobre o trabalho do IBRAM é positiva, então?
Vessani: É uma entidade essencial para o setor mineral e, de longe, a mais bem organizada, com um alto profissionalismo. No entanto, existe um poder da Vale desproporcional nela. Por isso até, em relação ao MRM, o IBRAM ficou numa posição ruim, defendendo pontos positivos para a mineradora e não para o setor de em geral, o que inclui as companhias de exploração mineral.

ITM: Quais as projeções da ABPM para o futuro?
Vessani: A grande missão da ABPM é conduzir rapidamente um processo de discussão do substitutivo ao projeto do novo MRM. O momento político é delicado e nos encaminhamos para debates eleitorais sem uma oposição bem articulada ao atual governo que, aliás, não tem a mineração como prioridade e, por isso, não está atento às necessidades do setor.

ITM: Quais os principais reflexos dessa postura do governo?
Vessani: O DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), por exemplo, atua precariamente, sem recursos, com quadros insuficientes e distritos agindo de forma diferenciada. Por outro lado, é um equívoco tratar a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) como uma ferramenta de política mineral. Ela apenas prepara a sociedade local para um processo de exaustão de jazidas, de forma a evitar uma situação de crise econômica.

ITM: O projeto substitutivo do novo MRM corrige essas distorções?
Vessani: Acreditamos que o substitutivo é melhor que o projeto original, mas ainda é muito ruim. De qualquer forma, a questão primordial seria melhorar as condições da mineração para que aumentar sua produção e, em consequência, gerar mais empregos e impostos. Para tanto, é importante melhorar as restrições ambientais e as condições de infraestrutura e logística do País.

ITM: Em sua opinião, quais são os aspectos positivos e negativos do projeto do novo código?
Vessani: Do ponto de vista dos empreendedores que paga imposto e realmente executam o trabalho produtivo, é muito complicado encontrar aspectos positivos na essência do projeto do Marco Regulatório. O que existe é uma discordância ideológica do modus operandi do sistema capitalista. Ou seja, o objetivo é arrecadar e intervir no processo de decisão, tornando muito mais complexa e onerosa a atividade. Trata-se de uma proposta sem fundamento, sem essência, o que torna sua análise pontual impossível. No frigir dos ovos, ela vai dificultar ainda mais o desenvolvimento do setor mineral e não resolverá seus problemas reais.

ITM: No entanto, essa discussão se arrasta há anos…
Vessani: Durante o Governo Lula, houve um processo de debate que realmente poderíamos chamar de democrático. No fórum da Comissão Especial de Mineração, da Confederação Nacional da Indústria (CNI), as principais entidades do setor mineral, como a ANEPAC e o IBRAM – a ABPM não existia à época – puderam debater a proposta. Durante o processo de elaboração do projeto, houve pelo menos 10 reuniões entre essas entidades e a equipe do MME, com grandes avanços na formulação de propostas, frutos da negociação entre empresas e governo, resultando num produto consensual.

ITM: Essa relação mudou com o Governo Dilma?
Vessani: Já durante o processo eleitoral, no final de 2010, ocorreu certo distanciamento. O começo do mandato de Dilma Rousseff marcou o fim do diálogo com as entidades do setor produtivo mineral. O governo passou a preparar a implantação do Marco Regulatório, por meio do represamento das concessões de novos alvarás e de portarias de lavra pelo DNPM. De forma até silenciosa, o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) também deixou de divulgar certos dados que julga estratégicos, situação que perdura até hoje. Assim, voltamos para a estaca zero, infelizmente. No fim das contas, a proposta atual é praticamente idêntica à original.

ITM: O senhor avalia que as junior companies, bastante prejudicadas nesse processo, voltarão a investir no Brasil?
Vessani: Não podemos olhar para o passado achando que ele vá se repetir. Acho muito difícil que as condições de negócios que aconteciam há três ou cinco anos se repitam, pois o mercado está se transformando. Obviamente, um planejamento claro do novo código definirá isso, para o bem ou para o mal. Se aprovado o atual projeto, as primeiras empresas prejudicadas serão as que trabalham na fase de maior risco – no caso, as junior companies.

ITM: O que poderá ser feito, então?
Vessani: A política mineral precisará criar ambientes favoráveis para captar investimentos e formalizar negócios. Acredito que faz parte da evolução desse ambiente de negócio reduzir a dependência de investimentos estrangeiros, em contraposição ao aumento de recursos nacionais. Não vamos deixar de buscar investimentos lá fora, mas após a confirmação do Marco Regulatório, haverá fundos nacionais para investir em mineração.

perfil pessoal vessani persona 50ITM: O senhor poderia falar um pouco sobre a Edem e a Mineradora Santo Expedito?
Vessani: A década de 80 foi uma década de saída de um boom mineral e havia uma retração grande na atividade de exploração mineral e produtiva no Brasil, com poucas alternativas econômicas. A mineração é a primeira atividade que sofre com uma economia em crise e o geólogo é o primeiro profissional a ficar desempregado. A Edem (Empresa de Desenvolvimento em Mineração) surgiu em 1986 como uma prestadora de serviços para geração de negócios. Começamos com o conceito de valoração do esforço e redução do risco. Mostrávamos que uma ideia era viável a partir de investimentos e que esse esforço agregava valor ao projeto, à medida que ele era bem-sucedido. É o mesmo processo de uma junior company: o projeto tem valor antes mesmo de produzir.

ITM: Uma concepção nova no Brasil…
Vessani: Sim. Naquela época, a gente vendia o almoço para garantir a janta, literalmente. Assim foi desenvolvida a Edem, sempre conhecendo o campo e mapeando. Durante a década de 90, eu e um sócio buscamos bauxita no Centro-Oeste, onde não eram conhecidas jazidas do mineral, para montar uma pequena fábrica de alumínio. Encontramos um depósito enorme em 1999, o único da região até hoje. Um conjunto de jazidas centrado num corpo muito grande – cerca de 200 Mt -, com uma das melhores qualidades do Brasil. Criamos então a Mineradora Santo Expedito, em 2004, através de uma parceria local, em lugar de buscar investimento no exterior.

ITM: O que representa essa descoberta no Centro-Oeste?
Vessani: As indústrias de alumínio utilizavam a bauxita de Ouro Preto (MG). Quando essas jazidas se esgotaram, partiram para Poços de Caldas (MG), que também estão se exaurindo. As jazidas de Barro Alto (GO) tem maiores reservas e, talvez, qualidade melhor que as de Poços de Caldas. Esse é, hoje, nosso grande projeto, o mais bem desenvolvido.

ITM: Como está a Mineradora Santo Expedito hoje?
Vessani: A operação foi iniciada em dezembro de 2013, com produção de 40 mil t por mês. É uma tendência natural que ela substitua a produção mineira no fornecimento para a indústria. Ao mesmo tempo, pode ser um núcleo de agregação de valor com o desenvolvimento de um parque produtivo no qual a tecnologia é um aspecto bastante importante. É um mercado muito dinâmico e diversificado. A perspectiva é de verticalização da bauxita, com um futuro promissor.

ITM: Existe alguma parceria com a Anglo American nesse projeto?
Vessani: Somos apenas vizinhos profissionais. Não temos nenhum tipo de parceria.

ITM: Como é o trabalho com a comunidade em Barro Alto?
Vessani: Nós somos praticamente goianos. Temos uma relação mais próxima e direta, um contato bem estreito com os problemas da comunidade.

ITM: Além da operação goiana, a Santo Expedito possui outros projetos?
Vessani: Temos um trabalho com lavra de tungstênio já em produção, no Rio Grande do Norte (RN). Embora seja um projeto pequeno, nos trouxe muito conhecimento em lavra subterrânea e em processos e podemos nos tornar o maior player do País nesse tipo de operação mineral. Também temos uma visão positiva quanto aos insumos minerais para a agroindústria e contamos com três projetos de fosfato, o mais avançado no Mato Grosso do Sul (MS).

ITM: E quanto à Edem?
Vessani: A Edem tem uma carteira de oportunidades e volta às suas origens, colocando projetos debaixo do braço e correndo atrás, mas com outro padrão de competência. Temos estudos na área de agregados e na indústria de construção civil, além de participação num projeto de terras raras. Estamos avaliando também outros produtos como cimento, gesso e areia de primário.

ITM: Quais são suas sugestões para a próxima gestão presidencial?
Vessani: Dois fatores são primordiais e prioritários. Em primeiro lugar, é necessária a criação de um canal para debater as demandas do dia a dia do setor com o Governo. A exemplo da Câmara que discute o mecanismo de exportação no setor de agronegócio. Em segundo lugar, queremos que o Governo sente-se conosco para elaborar um novo Marco Regulatório, com alto nível de discussão.

ITM: Que também é uma expectativa antiga do setor…
Vessani. Sim. Seria um fortalecimento do setor produtivo mineral brasileiro, que precisa de um debate mais profundo sobre a demanda nacional de insumos minerais. O Japão não produz minério, mas compra do mundo inteiro e gera os insumos minerais para os seus produtos industriais. Esse perfil não existe no Brasil, pelo contrário. Não há capacidade de verticalização de vários insumos minerais e não é culpa do minerador. O grande segredo para uma política mineral consistente no País, que vai se refletir na exploração mineral, é criar uma demanda a partir da indústria. O setor mineral não pode ficar separado da indústria.

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