O GEÓLOGO QUE DIRIGE A ESCOLA DE MINAS

O GEÓLOGO QUE DIRIGE A ESCOLA DE MINAS

Por Tébis Oliveira | Ilustração Heder Oliveira

issamu endoPara o jovem com 20 anos recém-completados, nascido em Bauru, no Centro-Oeste Paulista, o curso de Geologia mais próximo ficava a cerca de 190 km, no campus da Unesp (Universidade Estadual Paulista) em Rio Claro. Ou na USP (Universidade de São Paulo), na capital, a 340 km. Como distância nunca foi problema para geólogos, Issamu Endo não só deixou a cidade natal como o estado. E começou, então, uma trajetória que completa 35 anos na Escola de Minas, da Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP (MG).

O decurso de tempo conta os cinco anos de formação (1976-80) e os 30 anos como professor, desde 1985. No intervalo, atuou como geólogo da Hidroservice e da Mineração Taboca. Na primeira, mapeando a Bacia do Paraná, entre o Mato Grosso (MT) e o Rio Grande do Sul (RS). Na segunda, prospectando cassiterita em
Rondônia (RO).

Desde 2013, é o diretor da primeira escola de geologia, mineralogia e metalurgia do Brasil, fundada pelo francês Claude Gorceix há 139 anos. A tradição secular não impede que o mestre abra portas e janelas aos ventos da modernidade. Ele já estruturou a área administrativa e agora reformula o planejamento estratégico. Os passos seguintes são a modernização curricular, a implantação de técnicas inovadoras de ensino e aprendizagem e a melhoria da infraestrutura física e laboratorial. Aliás, o Plano Diretor da Escola Minas para o decênio 2015-2025 detectou a necessidade de nada menos que 56 novos laboratórios. Como não bastasse, há outras carências típicas de universidades públicas no País.

Nesta entrevista exclusiva a In The Mine, Issamu Endo fala da mudança do perfil dos estudantes, com a já preponderância do gênero feminino em alguns cursos. Fala também do sistema de avaliação – “sempre uma tortura para o aluno e para o professor” -, da intensificação do modelo pedagógico de estudos em campo difundido por Gorceix e do patrimônio nacional em que se transformaram as Repúblicas de Ouro Preto. E assegura aos vestibulandos deste ano que encontrarão ali uma Escola “que olha para o futuro sem esquecer a tradição”.

caricatura issamu endo personalid itm 58ITM: Qual é o balanço de sua gestão após dois anos como diretor da Escola de Minas?
Endo: A gestão acadêmica de uma escola tradicional como a Escola de Minas, para ter ganhos contínuos e duradouros do ponto de vista educacional, necessita de uma estrutura administrativa e de uma política de governança dos seus ativos que seja moderna e atual, à altura dos desafios contemporâneos da inovação e da sustentabilidade. Dessa forma, na primeira metade da nossa gestão implantamos uma estrutura administrativa visando dar suporte ao desenvolvimento das melhores práticas de ensino e pesquisa e reorganizar os seus órgãos auxiliares.

ITM: Como está disposta essa estrutura administrativa?
Endo: Entre diversas áreas. O desenvolvimento de tecnologia e a inovação, nos laboratórios, são amparados pelo Centro de Pesquisa e Tecnologia. Já o Conselho Consultivo, formado por representantes de instituições públicas e privadas ligadas às áreas de nossa atuação, trata do relacionamento com a sociedade, para a construção de políticas institucionais estratégicas. O relacionamento com os nossos ex-alunos é realizado através da Associação dos Antigos Alunos da Escola de Minas – A3EM, modernizada com a criação da Rede Alumni Escola de Minas, que irá desenvolver um Programa de Mentoria, voltado à orientação e tutoria para as futuras carreiras dos discentes. Temos, ainda, nossa fundação de apoio aos estudantes, professores e atividades de ensino, pesquisa e extensão: a Fundação Gorceix.

ITM: Há outras reformulações em foco?
Endo: Sim. Em termos de planejamento estratégico, estamos procedendo a uma profunda reformulação com o objetivo de manter a Escola de Minas como centro de excelência, reforçando o aperfeiçoamento da formação profissional e cultural de seus alunos. Cumprida esta etapa, as ações seguintes estarão concentradas na modernização curricular, na implantação de técnicas inovadoras de ensino e aprendizagem, no problema do aproveitamento e evasão e na melhoria da infraestrutura física e laboratorial.

ITM: Quais são as principais carências verificadas hoje na instituição?
Endo: As carências da Escola de Minas, como de toda a Universidade, são muitas. A principal é a de infraestrutura física e laboratorial e de técnicos administrativos na gestão de laboratórios. Para ter uma ideia, durante a elaboração do Plano Diretor 2015-2025, detectamos um déficit de igual número de laboratórios de ensino e pesquisa, hoje de 56 unidades, e de 50% do atual espaço físico para os novos laboratórios. Outros problemas são melhores condições de trabalho para os professores e para o ambiente estudantil, incluindo aí a ampliação e modernização das bibliotecas e um espaço multiusuário para entidades estudantis, tendo como meta o desenvolvimento do espírito empreendedor.

ITM: Em relação ao corpo docente, há algum projeto de internacionalização?
Endo: A Escola de Minas, ao longo da sua história, tem contado com um quadro da mais alta qualidade, com docentes pós-graduados nas escolas francesas e alemãs, principalmente. A partir da década de 1980, a qualificação docente se intensificou com o programa de capacitação da Capes, o PICDT. Atualmente, contamos com um quadro de 180 docentes, mais de 95% com pós-graduação e, entre esses, mais de 60% com título de doutor. Assim, consideramos que o processo de internacionalização já está em curso, liderado pelos setores ligados aos programas de pós- graduação mais competitivos. Já na área da graduação, esse problema é mais complexo e está vinculado à barreira do nosso idioma, o que poderia ser contrabalançado com uma qualidade de ensino de excelência internacional.

issamu endo fraseITM: Qual é o perfil atual do aluno da Escola de Minas, considerando os programas de inclusão social recentes do governo federal?
Endo: O perfil do estudante da Escola de Minas, tanto anterior aos programas de inclusão social quanto atual, apresenta em maior ou menor grau as mesmas deficiências de formação básica. A maior diferença é que o quadro feminino de estudantes sofreu uma mudança significativa, reflexo das transformações sociais e culturais da sociedade, com tendências a um equilíbrio entre os gêneros masculino e feminino. É um fato inédito na Escola de Minas. Em alguns cursos já há, inclusive, uma tendência clara de predomínio do gênero feminino.

ITM: A Escola de Minas acompanhou a evolução das novas tecnologias na mineração?
Endo: Tradicionalmente, a Escola de Minas sempre pautou os seus cursos em uma forte base teórica, respaldada nas disciplinas de física, matemática e química, e conjugada com exercícios práticos de laboratório e intensos trabalhos de campo. Esse modelo pedagógico, aliado às condições ambientais de Ouro Preto (MG), conduz à formação de um profissional competitivo e flexível para o mercado. A prática pedagógica é sempre atualizada, embora não na velocidade desejada por circunstâncias adversas. Essa atualização inclui o modelo de ensino por projetos – PBL, a intensificação dos programas acadêmicos de iniciação científica e de desenvolvimento tecnológico, além de iniciativas individuais
de professores proativos. A implantação de um laboratório de realidade virtual, para todos os alunos de graduação e pós-graduação, é outro desses exemplos. Há diversos outros projetos de sucesso dessa natureza.

ITM: Ainda no contexto da questão anterior, como evoluiu a grade curricular da Escola de Minas?
Endo: As mudanças aconteceram, especialmente, nos cursos tradicionais. A matriz curricular, além de se orientar pelas Diretrizes Curriculares Nacionais, apresenta uma qualidade e um conteúdo dos programas das disciplinas que não estão dissociados da qualidade dos docentes que as ministram. Sob essa ótica, o quadro de docentes qualificados tecnicamente e com visões modernas de ensino em engenharia tende a produzir, ao longo do tempo, reformulações e atualizações na matriz curricular dos cursos. A dinâmica da mudança é impulsionada pelo trinômio “ensino, pesquisa e extensão” por meio dos programas de iniciação científica e grupos PET´s – Programa de Educação Tutorial da Capes.

ITM: O sistema de avaliação dos alunos também sofreu modificações?
Endo: A avaliação do aprendizado é sempre uma tortura para o aluno e para o professor. Embora haja muitos estudos relativos a essa matéria, nota-se que o sistema tradicional é bastante resiliente. Há, no entanto, uma luz no fim do túnel. Os jovens docentes tendem a se libertar do modelo ao qual foram submetidos e procuram implantar processos avaliativos compatíveis com novos métodos de ensino e aprendizagem.

perfil pessoal issamu endoITM: Muitos geólogos acreditam que os estudos em campo foram relegados a segundo plano na era digital. Como é na Escola de Minas?
Endo: Nossos cursos não tem esse problema. O modelo pedagógico de ensino, adotado e difundido por Gorceix e internacionalmente reconhecido, está mantido e intensificado. Por exemplo, no curso de Engenharia Geológica, cerca de 20% da carga horária total da matriz curricular referem-se a atividades de campo, com visitas aos afloramentos ou observatórios geológicos durante o período semanal de aulas, trabalhos prolongados de campo e visitas técnicas às minas. A Escola também proporciona o exercício prático em laboratórios de ensino relacionados às aulas, bem como trabalhos de pesquisa associados aos projetos de iniciação científica. Temos intensas atividades experimentais e laboratoriais nos cursos de Produção, Metalurgia, Minas e Arquitetura, assim como intensas atividades de campo, pesquisas e aplicação nas engenharias Civil, Ambiental, Mecânica e de Controle e Automação.

ITM: Em sua opinião, como a Escola de Minas se posiciona em comparação a cursos de Engenharia de Minas e Geologia nacionais?
Endo: Nossos cursos de engenharia tradicionais são caros, pois dependem de muitos laboratórios de custos elevados. Assim, são raros os cursos de Geologia e Engenharia de Minas ofertados por faculdades privadas. Entretanto, devido ao financiamento governamental, tem surgido um número elevado desses cursos com um perfil diferenciado em função de especificidades técnicas, como a demanda por laboratórios adequados, disponibilidade para atividades de campo – por serem muitas vezes ofertados no período noturno –, e qualificação docente.

ITM: A atual crise do setor mineral já se refletiu na perda de alunos e vestibulandos?
Endo: Em tempos de crise econômica, a procura por nossos cursos, em especial os de Engenharia Geológica e de Minas, diminui de forma acentuada. Por outro lado, aumenta a procura por programas de pós-graduação.

ITM: Qual é a sua opinião sobre a importância das repúblicas de estudantes de Ouro Preto?
Endo: A tradição das repúblicas iniciou-se na Escola de Minas de Ouro Preto – EMOP. O registro da república mais antiga data de 1920. Ao ser criada a UFOP, em 1969, a Escola contava com 42 repúblicas, a maioria públicas e apenas 11 particulares, todas no centro histórico da cidade. A UFOP construiu novas repúblicas e moradias próximas ao Campus Morro do Cruzeiro e em seus demais campi. O Sistema de Repúblicas de Ouro Preto é ímpar no Brasil e pode-se dizer que é um patrimônio nacional.

ITM: Por que ímpar?
Endo: A autonomia de gestão e a liberdade de escolha dos seus moradores fazem da República um ambiente diferenciado na formação acadêmica, social e cultural dos estudantes, sempre exercitando a liberdade com responsabilidade. A vida nas Repúblicas é também parte da experiência singular que é ser estudante na Escola de Minas. Nelas se formam laços que perduram para além do período de graduação e uma espécie de fraternidade que une antigos e novos moradores. De seu lado, a Escola de Minas, como instituição, não atua ou interfere na dinâmica das Repúblicas. A não ser o patrimônio físico, que pertence à Universidade e tem seu uso regido por regulamento do Conselho Universitário, não há interface com a Escola de Minas.

ITM: O que os novos vestibulandos podem esperar da Escola de Minas e, em particular, de sua gestão que vai até 2017?
Endo: Os novos estudantes irão encontrar uma Escola que olha para o futuro sem esquecer a tradição e preparada para oferecer um ensino de excelência em Engenharia e Arquitetura, capaz de formar profissionais altamente qualificados. O modelo de ensino adotado na Escola de Minas, conjugando a teoria e prática – laboratorial e trabalho de campo – qualifica o egresso a se posicionar muito bem no competitivo mercado profissional.

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