CAPITALISMO CONSCIENTE: A MINERAÇÃO HUMANIZADA

CAPITALISMO CONSCIENTE: A MINERAÇÃO HUMANIZADA

Por Tébis Oliveira (*)

A melhor definição para Capitalismo Consciente não é a de conceito, mas a de movimento, dada a capacidade de propagação que a nova forma de gestão empresarial por ele proposta tem alcançado desde 2008, quando surgiu nos Estados Unidos. Por ela, o objetivo de gerar lucro continua sendo inerente e necessário à atividade produtiva. Mas não é mais importante que o de promover a agregação de valores para a sociedade através do negócio.

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Thomas Eckschmidt Foto: Gabriela Mesquita

Para Thomas Eckschmidt, diretor geral do Instituto Capitalismo Consciente Brasil (ICCB), qualquer setor produtivo pode atuar de forma consciente, colocando o ser humano no centro dos seus valores. “O movimento deve começar com o CEO ou presidente da empresa. A cultura consciente é a consequência dos outros três princípios – propósito, liderança e stakeholders (veja box). Mas tudo começa com a liderança. O propósito nem sempre está claro ou verbalizado, mas a prática de se preocupar com todos os stakeholders começa a transformação”, explica. O ICCB foi fundado em 2013 para difundir os princípios do capitalismo consciente e estimular sua aplicação por empresários, empreendedores e líderes em suas organizações.

No caso específico das mineradoras, Eckschmidt lembra que, na maioria das vezes, as empresas iniciam suas atividades com grandes impactos ambientais, explorando recursos que, mesmo finitos, são indispensáveis hoje. Por outro lado, a atividade promove o desenvolvimento em áreas remotas. “Se observarmos os stakeholders envolvidos e pensarmos em sua interação com a empresa e na forma de melhorar sua situação, seremos levados a pensar em trabalhar a autossuficiência da comunidade após a mineração. Se o trabalho for realizado com a ideia de deixar as pessoas e o meio ambiente em melhores condições do que quando a mineração chegou, teremos um grande desafio: tomar decisões sempre baseadas no avanço da humanidade e não na exaustão dos recursos”.

Prática x Teoria

Em relação às contrapartidas assumidas por mineradoras para obter a “Licença Social” para suas operações, o diretor diz que elas deixam de ser compromissos de responsabilidade social e se tornam práticas de capitalismo consciente quando têm um viés de devolver aos stakeholders uma situação melhor do que a anterior ao início do projeto. “Isso requer um trabalho constante de recuperação e desenvolvimento social e humano. Os grandes agentes de transformação da sociedade e da humanidade hoje são as empresas. São elas e seus líderes que devem assumir o papel de protagonistas dessa transformação social. Se os empregados não fossem explorados não haveria sindicatos. Se as mineradoras deixassem desenvolvimento social e ambiental para trás, elas não teriam que negociar contrapartidas”, compara.

Outro exemplo analisado por Eckschmidt é o de aproveitamento de rejeitos do processo de beneficiamento do minério de ferro na época de boom das commodities. Mesmo tendo como objetivo o aumento das vendas do produto, a medida contribuiu para a redução dos depósitos de rejeitos, um dos grandes gargalos ambientais do setor. Para o especialista, iniciativas como essas devem fazer parte do modus operandi das empresas e não apenas de um momento econômico.

No que se refere à criação e desenvolvimento de uma cadeia de abastecimento altamente qualificada, Eckschmidt diz que essa não é uma exclusividade da mineração. Mas pode ser um diferencial, desde que as mineradoras estimulem seus fornecedores a desenvolver alternativas de negócios para evitar a dependência profunda de um único cliente, colocando em risco toda uma comunidade em caso de baixa do preço da commodity explorada.

Comentando o rompimento das barragens da mineradora Samarco, em Mariana (MG), o diretor acredita que uma empresa adepta de práticas de capitalismo consciente teria se antecipado ao risco de forma diferenciada, minimizando suas consequências. “Depois do fato é sempre muito fácil criticar. Mas, vamos imaginar a casa do CEO da empresa naquela localidade. Será que a vila ou a comunidade teriam a mesma ‘cara’?“, pergunta. Para ele, esse exercício de se colocar no lugar do outro é fundamental para definir o que é possível melhorar.

Já o fomento à atividades de geração de renda, preparando a comunidade para subsistir após a exaustão das minas, é um excelente ponto de partida para o capitalismo consciente, diz Eckschmidt e, de certa forma, poderia ser um propósito para mineradoras. “Estabelecer atividade sustentável em comunidades remotas através da passagem da mineração pode ser um grande mecanismo de transformação social e ambiental, melhorando a forma como as mineradoras impactam a sociedade e deixando um rastro de desenvolvimento, educação e cultura. Permitiria que as pessoas tivessem um maior nível de consciência e tomassem decisões melhores em relação a sua vida, sua comunidade e seus lideres políticos”.

Quanto aos funcionários, o especialista considera que o grupo deve ser visto e reconhecido pela comunidade como parte dos agentes de transformação. Ele cita o exemplo da siderúrgica Posco, que destaca entre seus valores que “a criatividade é infinita”. “É um recurso que deve ser mais explorado por empresas, governos e líderes, ainda mais no Brasil, mas usando esse mecanismo para fazer o bem coletivo”.

Eckschmidt  destaca que empresas conscientes fazem o que é certo pela ética e moral e não para cumprir a lei ou fazer propaganda. “Nós, como empresas, empresários, lideres, temos a responsabilidade de demonstrar que a iniciativa privada é quem gera valor para a sociedade. Sem a iniciativa privada, lucros e  impostos pagos por empresas e funcionários não existem e não há como manter o governo. Cabe a nós, líderes do setor privado, desenvolver e educar a sociedade para a escolha de líderes políticos conscientes para melhorar o pais em que vivemos”. Finalizando, ele recomenda que as mineradoras cuidem de seus stakeholders internos e externos, criando valor além do lucro. E assegura: “Só para deixar claro, não sou contra o lucro, muito pelo contrário!”

UM NOVO POSICIONAMENTO DE GESTÃO

O movimento Capitalismo Consciente nasceu a partir de um estudo realizado pelo professor indiano Raj Sisodia, que concluiu que o gasto de marketing dos Estados Unidos (EUA) equivalia ao PIB (Produto Interno Bruto) da Índia. A constatação serviu de ponto de partida a uma pesquisa sobre a reputação de um grupo de empresas americanas. A nova análise verificou que, embora com gastos elevados em propaganda para manter sua credibilidade em alta, algumas dessas companhias não atingiam o mesmo nível de admiração e respeito que os consumidores tinham por marcas que investiam recursos mínimos na divulgação de seus produtos. Os resultados desse trabalho foram reunidos no livro “Firms of Endearment”, publicado em 2007 e reeditado em português em 2014, com o título “Empresas Humanizadas: Pessoas, Propósito e Performance” (www.empresashumanizadas.com).

O conceito inicial de Capitalismo Consciente evoluiu para uma nova forma de gestão de empresas, baseada em quatro princípios. O primeiro é o “propósito”, entendendo-se aí que o objetivo da empresa não é apenas gerar lucro, mas sim valor para a sociedade. O lucro é fundamental, enquanto valor específico para o acionista. Porém não é o único – nem o maior – objetivo a ser buscado. O segundo princípio é o da “liderança” já que, se o líder de uma corporação não acredita em valores e propósitos, muito dificilmente investirá recursos nessa forma de atuação.

Segue-se o princípio relacionado aos “stakeholders”¸envolvidos direta ou indiretamente com o negócio: colaboradores, consumidores, comunidades, governo e fornecedores devem estar engajados com os objetivos propostos e satisfeitos em suas expectativas. Por fim, temos a “cultura”, que consolida os três princípios anteriores. Uma empresa consciente gera um comportamento coletivo único, que não pode ser copiado. Pode-se copiar uma estratégia de marketing, os canais de distribuição, uma embalagem, uma mensagem de propaganda, mas será impossível copiar o comportamento coletivo dos stakeholders alinhados por um propósito maior sob uma liderança consciente.

Tébis Oliveira (*) é editora de Novos Projetos e Sustentabilidade da revista In The Mine

 

 

 

 

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